Haja fé e fôlego

O cenário preocupa, mas o ânimo do setor é duro na queda
Haja fé e fôlego O cenário preocupa, mas o ânimo do setor é duro na queda

Nos últimos 10 anos, a produção brasileira e o consumo aparente de plásticos transformados encolheram, respectivamente, 1.9 milhão e 2 milhões de toneladas. Essa queda dramática dos volumes aferidos transparece dos dados colhidos pelo Perfil 2022 das Indústrias de Transformação e Reciclagem de Plástico no Brasil”, relatório anual chancelado pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). O modelo habitual e afobado de análise desse tipo de levantamento é confrontar os números de 2022 com os de 2021 e daí projetar e colher previsões sobre o exercício atual e a conjuntura da cadeia plástica evidencia para 2023 mais um ano de mercado a desejar devido aos suspeitos de sempre – inflação, juros altos, crédito caro e escasso, poder aquisitivo engessado, instabilidade mundial econômica e política e, ingrediente mais recente no molho, o fiasco no combate global às mudanças climáticas. Mas, além dos trovões e tufões do momento, por trás dos indicadores do histórico entre 2012 e 2022 exposto pela Abiplast pulsa a necessidade de determinados conhecimentos cujo domínio pela indústria transformadora contribuiria bastante para ela reagir melhor à apontada ameaça da desindustrialização do Brasil. Por exemplo, o setor carece de estimativas de sua capacidade instalada nem faz ideia das dimensões e atualização tecnológica do seu parque de máquinas. Um movimento importantíssimo nos últimos anos é a instalação crescente de fábricas de transformadores capitalizados na Zona Franca, para desfrutar seus incentivos fiscais na polêmica disputa pelo mercado nacional. Pois não se sabe na cadeia plástica o montante oficial investido de cinco anos para cá por este empresariado no polo de Manaus. Apesar dessas lacunas e pesares, o ânimo da indústria transformadora é duro na queda, lastreado no papel-chave dos plásticos para a qualidade de vida, e sempre que uma retomada acontece a transformação aparece e cresce. Nesta entrevista, José Ricardo Roriz Coelho, presidente do conselho da Abiplast, destrincha os dados do Perfil 2022 e comenta as tendências e perspectivas.

José Ricardo Roriz Coelho - Presidente da AbiplastPorque o perfil anual da Abiplast não acompanha a transformação de plásticos de engenharia, de modo a oferecer uma panorâmica completa do setor transformador?
Não incluímos uma overview completa do mercado de plásticos porque trabalhamos com dados oficiais e há uma falta de informações agregadas e periódicas desse segmento de resinas nobres. Temos alguns acompanhamentos relativos às importações e exportações de plásticos de engenharia, entretanto ainda é preciso qualificar melhor tais informações para poder usá-las com a acurácia suficiente para atender os requisitos técnicos estatísticos e incluí-las em nossas publicações do mercado.

Rotomoldagem é, no perfil da Abiplast, o processo menos relevante na produção brasileira de transformados. Seu maior campo é o de caixas d’água, cujo consumidor-padrão é de baixa renda. O marco do saneamento visa universalizar serviços como a distribuição de água tratada até por volta de 2030. Isso pode levar a oferta de caixas d’água a um declínio drástico? Como os rotomoldadores poderão compensar o encolhimento desse mercado?
Torcemos para que o marco do saneamento efetivamente seja um instrumento para universalização do saneamento básico no Brasil. Entretanto, o mercado de caixas d´aguas, cisternas e outros reservatórios é e continuará relevante, haja vista que as construções no Brasil contemplam caixas d´agua como medida de segurança, independente da classe social. Contudo, rotomoldadores de plástico avançam em aplicações como tanques para veículos pesados, como caminhões e implementos agrícolas, como tratores.

Em 2011, a Abiplast registrava 11.690 transformadores na ativa, número que foi caindo até 10.891 empresas em 2019. Mas em 2020 o efetivo subiu para 11.032 e para 11.339 em 2021. Qual o número estimado para 2022? E mais: essa trajetória de reação não contraria a a reiterada percepção de desindustrialização do setor transformador?
Quando falamos de desindustrialização a questão não é a quantidade de empresas e sim a menor participação da indústria no valor adicionado de uma economia. É uma característica do setor de transformados plásticos a existência de um grande número de pequenas e microempresas que, muitas vezes, existem para atender demandas de uma pequena região. Tais negócios são abertos como empresas do plástico e esse movimento acaba sendo computado à estatística oficial. 95% dessas empresas pequenas (com menos de 50 funcionários).

Segundo o perfil da Abiplast, a transformação gerou 343.900 empregos em 2022, empate técnico com 344.000 gerados em 2021. Por que, pelo visto, a automação e digitalização generalizadas nos processos de transformação ainda não reduziu o efetivo do chão de fábrica no setor no Brasil?
O setor de transformados plásticos tem essa característica apontada anteriormente de abrigar um grande número de micro e pequenas empresas. Muitas delas são defasadas e muitos de seus processos ainda são manuais. Entretanto, mesmo em empresas maiores, já bem estruturadas e exportadoras, a grande presença de mão de obra é comum no chão de fábrica. Apesar de todo avanço tecnológico, para produzir plástico ainda é preciso de expressiva incidência de mão de obra qualificada. Essa é uma característica do nosso setor no Brasil e no mundo.
Vale destacar ainda que aquelas empresas de pequeno e médio porte do setor que poderiam investir mais, crescer e se tornar mais estruturadas e competitivas, acabam sofrendo com margens restritas por conta dos altos custos de matérias-primas. Isso impacta na intenção e capacidade de investimento desses negócios.

Por que, segundo o perfil da Abiplast, o nível superior de escolaridade na transformação é irrisório (8%), enquanto o pessoal de nivel médio completo lidera (63,85%) o tipo de formação educacional no setor transformador?
Tal divisão de escolaridade é similar na indústria de forma geral. Pela característica da mão de obra do setor plástico, a demanda maior é por profissionais com formação técnica para a produção. Em geral, esse grupo graduado pelo ensino superior está mais alocado nas funções estratégicas ou de vendas dessas empresas.
O Brasil é autossuficiente em BOPP e, mesmo assim, este filme esteve entre os produtos transformados mais importados pelo país em 2022. Qual a justificativa para isso?
Filmes de BOPP são produtos que ‘viajam bem’. Ou seja, são fáceis para exportação. Nesse caso, ficam bem sujeitos a concorrência internacional, bastante competitiva por conta dos preços. Historicamente os preços de insumos nacionais são maiores que os internacionais e esse fato impacta na competitividade dos produtos fabricados no Brasil em comparação com os fabricados internacionalmente.

Segundo a Abiplast, o consumo aparente de transformados caiu de 9 milhões de toneladas em 2010 para 7,1 milhões em 2022 e, na mesma trilha, a produção declinou linearmente de 8,7 milhões de toneladas em 2010 para 6,7 milhões em 2022. Qual a capacidade instalada atual da transformação e com qual grau de ocupação ela rodou em 2010 e em 2022?
Para preservar a qualidade técnica dos trabalhos, utilizamos dados oficiais e não temos fontes de dados sobre capacidade instalada da transformação.
Por diversas vezes buscamos levantar essas informações de forma primária junto aos nossos associados, porém, por conta do baixo número de respostas obtidas, não temos um dado com confiança estatística suficiente para ser divulgado como número oficial do setor.

O Brasil exportou 317.000 toneladas de transformados em 2022. A Argentina liderou os destinos. Com o agravamento da recessão e instabilidade econômica no país, ele tende ou não perder a liderança entre os importadores de transformados brasileiros daqui por diante e quais as melhores alternativas dentro e fora da América Latina para o Brasil compensar o provável encolhimento dos embarques para a Argentina?
As exportações de transformados plásticos no geral representam, no plano geral, pouco menos que 5% da produção brasileira do setor. E do volume total de 317.000 toneladas, cerca de 23% é destinado ao mercado argentino que, há longa data, sobrevive em meio a desequilíbrios macroeconômicos. Ainda é um mercado relevante para exportação por conta da complementariedade de nossa produção para o país vizinho e imaginamos que, ainda assim, por alguns haverá boa presença de produtos transformados naquele mercado. Entretanto a exportação para demais países da América Latina como Chile, Paraguai, Uruguai, Colômbia e México vem crescendo em termos percentuais ao longo dos anos.
Vale ressaltar que nossa presença no mercado internacional poderia ser mais forte se não sofrêssemos com falta de competitividade por conta do Custo Brasil e dos preços altos de matérias-primas plásticas.

Dada a insuficiência de determinadas poliolefinas locais, assim como de PVC, para atender a contento a demanda interna, acha que o crescimento da transformação brasileira deve ser preenchido doravante com importações crescentes dessas resinas? E mais: diante da oferta interna cada vez mais insuficiente desses polímeros, a Abiplast planeja contestar pedir a revogação de antidumpings concedidos para materiais de oferta local insuficiente?
Desde 2010, a Abiplast vem contestando medidas que restrinjam o acesso a matérias-primas competitivas, haja vista que o acesso a elas a preços competitivos é um tema estratégico definido por nosso conselho. Então nosso trabalho não é somente sobre instrumentos de defesa comercial, mas de defender conceitualmente a necessidade de redução de quaisquer barreiras tarifárias que restrinjam o acesso a resinas competitivas, sejam elas fabricadas no mercado doméstico ou internacional.
A existência de uma indústria doméstica (nota: petroquímica) altamente concentrada – monopólio ou duopólio – e que goza de altas barreiras de importação é um problema estrutural do nosso mercado e que acaba potencializado quando não há investimentos em aumento de capacidade suficientes para atender a demandas futuras. O caso do PVC é emblemático, haja vista que, atualmente, a oferta já é deficitária, sendo necessária a complementação com importados e existe um programa de longo prazo de vultuosos investimentos em saneamento que decerto demandarão mais PVC. A escassez de investimentos na capacidade do vinil levará o país a ficar mais sujeito à importações de matéria-prima se quiser fazer frente as demandas de produtos em PVC para universalizar o saneamento básico no Brasil.

Como avalia o significado da liderança absoluta detida pela China (50,3%) entre os transformados importados pelo Brasil em 2022?
A entrada de produto chinês no Brasil se dá basicamente pela sua alta competitividade frente ao contratipo brasileiro. Fato conhecido, mas sempre importante de ser ressaltado é que a China é uma potência exportadora não somente em plástico, mas em diversos bens industrializados, por conta de uma política industrial ativa e voltada para exportação. Com matéria-prima competitiva e incentivos a investimentos para produção com enfoque em exportação é forte o posicionamento da China como fornecedor global.

Estudo do PicPLAST (ver à página 20) lista 711 recicladores na ativa no Brasil em 2022, enquanto o levantamento da Abiplast cita 1.318 dessas empresas. Como ficamos?
O relatório do PICPlast usa como universo para a pesquisa de reciclagem um cadastro com o número de 711 empresas. Esse cadastro foi elaborado a partir de contatos de empresas e é periodicamente atualizado pela consultoria MaxiQuim. Já o número apresentado pela Abiplast é o oficial da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho sobre emprego e quantidade de empresas efetivamente abertas e em operação no Brasil classificadas pela Classificação Nacional das Entidades Econômicas (CNAE) como “Recuperação de Materiais Plásticos”.

No mundo inteiro, e o Brasil não é exceção, o crescente excedente mundial tornou as poliolefinas virgens mais baratas ou no mesmo nível de preços dos contratipos reciclado. Como isso deve afetar a produção e vendas de PP e PE reciclados no Brasil este ano?
Concordamos com o cenário de sobreoferta global de poliolefinas considerando as novas capacidades de PE e PP o previstas para iniciar em 2024 nos EUA e China. Vemos que tal cenário é, por um lado, bom para o transformador (desde que não sejam criados novos antidumpings e barreiras ao mercado internacional), Porém, ele é visto com preocupação para o reciclador de plástico. No caso da reciclagem, o ponto de inflexão para esse quadro é de forma efetiva agregar valor ao material recuperado para, de alguma forma, desvincular seu comportamento do cenário de volatilidade dos preços das resinas virgens. É preciso diferenciar o reciclado destacando a vantagem competitiva e os ‘ganhos ambientais’ advindos do seu uso.
A Abiplast busca evidenciar essa capacidade do reciclado plástico de agregar valor para economia com algumas ações como a certificação de empresas recicladoras denominada SENAPLAS Empresa, e a certificação da qualidade do produto com a credencial SENAPLAS Produto.Também de forma a atender a demanda por rastreabilidade dos materiais reciclados e dessa forma atender os requisitos jurídicos, governança e de ESG das empresas usuárias de produtos plásticos reciclados, criamos juntamente com o governo o RECIRCULA BRASIL. Trata-se de uma plataforma eletrônica que tem como objetivo acreditar e rastrear a reciclagem de plástico. O sistema está em fase de testes e em breve será aberto ao público reciclador e transformador que, assim, poderá atestar o uso de conteúdo reciclado e rastrear a origem desse material. •

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