Argentina na encruzilhada e reflexos no setor plástico

Como o país pode sair do caos criado pelo governo de Alberto Fernández, analisam os consultores Jorge Bühler Vidal e Oscar Lopez
Argentina: torcida pelo retorno à estabilidade para o país voltar a crescer.
Argentina: torcida pelo retorno à estabilidade para o país voltar a crescer.

Sonar da economia argentina, O Instituto Nacional de Estatística e Censos revelou em 12 de outubro que o Índice de Preços ao Consumidor subiu 12,7% entre agosto e setembro e que, em 12 meses, a inflação atingiu 138,3% patamar recorde desde o início dos anos 1990. Em pesquisa do Banco Central, analistas cravam inflação de 180,7% ao final do ano. A continuidade deste quadro e efeitos colaterais tipo instabilidade cambial e jurídica, desabastecimento de bens essenciais e alastramento da pobreza compõem o legado que o governo de Alberto Fernández tem a oferecer para buscar a reeleição através de seu candidato, o ministro da Economia, Sergio Massa, em disputa nas urnas com dois arautos de mudanças – Javer Milei e Patricia Bullrich. O futuro preocupante do país que lidera as importações de transformados plásticos do Brasil é destrinchada nesta entrevista por dois analistas argentinos de peso, Jorge Bühler-Vidal, diretor executivo da Poliolefins Consulting, baseado nos EUA, e Oscar Lopez, diretor executivo da consultoria Unisouth SRL, sediado em Buenos Aires.

Como enxergam as perspectivas para a petroquímica e a indústria de transformação de plásticos da Argentina tendo na presidência do país, como vencedor da eleição de 22 de outubro:
a) Javier Milei ( La Libertad Avanza)
b) Patricia Bullrich (Juntos por el Cambio)
c) Sergio Massa (Unión por la Patria)
d) Juan Schiaretti (Hacemos por Nuestro País)
e) Myriam Bregman (Frente de Izquierda-Unidad)

Jorge Bühler Vidal e Oscar Lopez: instabilidade trava expansão da capacidade e demanda da cadeia plástica argentina.
Jorge Bühler Vidal e Oscar Lopez: instabilidade trava expansão da capacidade e demanda da cadeia plástica argentina.

Dos cinco candidatos, três têm possibilidades reais de chegar à presidência: o libertário Javier Milei, a centrista Patricia Bullrich e o candidato oficial da esquerda, Sergio Massa. Juan Schiaretti, de centro direita, e Myriam Bregman, da extrema esquerda, não têm chances de vitória. Para ganhar a eleição no primeiro turno, os candidatos precisam obter 45% dos votos – ou ao menos 40% e superando os rivais por uma diferença acima de 10%. Se não houver vencedor no primeiro, os candidatos contemplados com os dois primeiros lugares no pleito, disputarão o segundo turno em 19 de novembro. A distancia entre os três candidatos melhor colocados nas pesquisas é pequena o suficiente para inibir que se arrisque a a previsão do resultado. A propósito, nenhum deles fez qualquer referência explícita à indústria petroquímica e plástica.

Poderiam analisar o quadro, caso a caso?

Javier Milei:
Sua declarada política pró-mercado e abertura comercial poderia gerar um desafio à indústria petroquímica por exigir dela maior competência no âmbito internacional. Seria um desafio para o funcionamento do Mercosul pelos esquemas atuais. Com sua atitude excêntrica e tom desaforado, Milei planeja dolarizar a economia, eliminar ministérios, privatizar estatais,liberar a posse de armas e acabar com o Banco Central. Por ser de um partido novo, possui uma estrutura débil – muitos de seus candidatos ao congresso nacional, tal como mandatários locais e de províncias, provêm de outros partidos, inclusos o Kirchnerismo e seguidores de Sergio Massa. Milei enfrentará forte oposição sindical e de setores marginais que procurarão dificultar sua gestão.
Para a transformação de plásticos, ele poderia aumentar a oferta de matérias-primas do exterior, forçando movimentos defensivos das petroquímicas locais. Para ambos os setores, sua proposta de baixar a carga de impostos será benéfica.
Se for vitorioso e menos extremista em seu mandato. Milei poderá proporcionar vantagens a médio e longo prazos à indústria plástica.

Patricia Bullrich:
Seu eventual governo seria norteado pela austeridade pública, buscando reduzir o déficit fiscal e a inflação, abrindo a economia para importar e exportar livremente, combatendo o crime, narcotráfico e a corrupção e zelando pela ordem pública. Também enfrentará forte oposição sindical e de setores marginais que procurarão dificultar sua gestão.
No governo Bullrich, a petroquímica e a indústria transformadora contariam com regras claras e ambos os setores poderiam se adaptar para operar com estabilidade. Seriam geradas melhores condições para a indústria plástica exportar.
Se Bullrich instaurar a estabilidade e angariar confiabilidade, aumentará os níveis de investimentos e a oferta de trabalho bem remunerado.

Sergio Massa:
Do representante do Kirchnerismo se espera uma continuidade do presente esquema de improvisação, mudança contínua de regras do jogo, corrupção e insegurança jurídica. Provavelmente, a economia sofrerá um choque, enquanto Massa tratará de resolver a grave crise criada na sua passagem atual pelo Ministério da Economia. O que Massa fez quase explica sua aliança com Milei. Quanto à indústria plástica, continuará forçada a adaptar-se a mudanças contínuas num cenário sem crescimento e investimentos relevantes.
Seja qual for o desfecho da eleição, a Argentina terá que enfrentar o caos econômico deixado pela administração que está saindo e isso inclui a hipótese de, representada por Massa, ela ser reeleita.

Quais setores da transformação argentina de plásticos que mais se tornaram vulneráveis à concorrência com produtos importados no mercado interno?
Provavelmente componentes automotivos e peças para eletroeletrônicos. A transformação argentina é muito eficiente em agrofilmes. Alguns materiais de construção também podem sofrer maior pressão competitiva com importados. Mas, no plano geral, a maior barreira que existe no mercado argentino é a falta de divisas para importar.

Como avaliam a possibilidade de declínio da indústria automobilística argentina porque sua baixa escala torna economicamente inviável a produção de carros elétricos no país?
Aqui há vários fatores a considerar. Primeiro, a mudança do motor a combustão para o elétrico será algo lenta no país, por falta de infraestrutura de recarga. Outro ponto importante: produzir um carro elétrico é muitíssimo mais simples que montar um convencional. As mesmas plantas hoje existentes podem fornecer veículos elétricos sem investimentos expressivos. O setor teria de decidir pela importação ou nacionalização de motores elétricos e baterias. Haverá, portanto, uma reconfiguração paulatina da indústria automotiva local. Por fim, a economia de escala é um fator existente e cujo equilíbrio ocorre no setor argentino mediante exportações de montadoras como Toyota e Ford.

Em quais resinas a produção argentina já foi igualada e/ou superada pelas similares importadas?
A situação é diferente para cada resina. Em PE, há um fluxo local até o Brasil e vice-versa, em volumes similares. A produção argentina atende a demanda atual. Em PP e PS, a capacidade local está mais em linha com a procura, compensando com a participação das resinas do Brasil no mercado interno. Se, no futuro, a economia estabilizada ensejar a volta a taxas altas de crescimento do mercado, a presença de materiais importados terá um incremento, mas as necessidades serão díspares, conforme as peculiaridades de cada termoplástico. PE será a resina que melhor enfrentará essa perspectiva de crescimento, mas nada disso se verá antes de 2025, pelo menos.

As plantas argentinas de PE, PP, PVC, PET e PS são de baixa escala, antigas e de custos operacionais altos para os padrões atuais. Estão ou não destinadas a encerrar a produção a médio prazo (em 5 anos, por exemplo) por falta de competitividade?
Nós achamos que não, mas se uma economia pujante exigir novas capacidades, é possível que plantas mais antigas e menores sejam fechadas. Na Argentina, as fábricas têm idades e capacidades diferentes, mas todas são competitivas em custos. Por exemplo, o complexo de eteno tem acesso a etano local, com custos mundialmente competitivos. Tratam-se de unidades com uma gama de tecnologias, idades e capacidades similares às do Brasil, mas não tão grades e modernas quanto as dos EUA. Por sinal, nos EUA há plantas na ativa desde os anos 1970. No decorrer do tempo, suas capacidades subiram mediante desgarlamentos e incorporação de novos produtos ao mix. As plantas argentinas de poliolefinas são de médio porte e estão limitadas por falta de matérias-primas e mercados estancados há várias décadas. Se os próximos governos melhorarem a economia, o mercado interno crescerá. Por sua vez, as matérias-primas, já com custos baixos, serão mais abundantes e novas capacidades serão possíveis.

Fonte: Polyolefins Consulting

No plano geral, todas as plantas argentinas rodam com custos operacionais otimizados. Todas sofrem com o Custo Argentina, com altíssima carga tributária e trabalhista. Não se cogita fechar fábricas a médio prazo. Ao contrario, dispondo-se de aumento na disponibilidade de propeno e eteno e com novas condições de estabilidade econômica, decerto ouviríamos novidades em termos de investimentos e ampliações da produção.

Como avalia a trajetória do consumo anual per capita da Argentina entre 2012 e 2022? Qual a quantidade de suas indústrias transformadoras  em 2012, qual o número atual e, nesses 10 anos, qual setor da transformação mais cresceu e qual mais diminuiu?
O consumo de plásticos per capita está estancado. Há vários anos se prevê que, uma vez retomado o crescimento econômico e a estabilidade jurídica e cambial, farão falta novas capacidades de produção. O quadro abaixo contém dados comparativos.

Fonte: FMI, CAIP


Qual a visão final de vocês sobre a situação da Argentina?
É complicada. Num país de abundantes recursos naturais, significativa parcela da população bem educada e matriz produtiva diversificada com fortes cadeias de valor integradas em ecossistemas globais, o contínuo declínio do país converge para que cerca de metade dos habitantes viva abaixo da linha da pobreza. Enquanto isso, numerosos políticos e sindicalistas desfrutam de fortunas inexplicáveis e só pensam em se manter no poder, saquear o país e evitar penalidades.
Uma nova administração, focada no bem da Argentina, com objetivos sérios e equipe qualificada, deverá promover a estabilidade política, econômica e jurídica capaz de ativar investimentos, criar bons empregos e zelar com respeito pela educação de suas crianças e jovens.

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