A caminho da metamorfose

O jogo de forças que promete tirar o reciclado de alto padrão dos nichos para altas escalas

Um ponto-chave da corrida rumo ao futuro sustentável é sua aura democrática. Dessa vez, a revolução não vem de cima para baixo, sendo fruto de um consenso, e contagia por igual países desenvolvidos e emergentes. No âmbito do setor plástico, um sinal dessa reação às mudanças climáticas é a obsessão, encabeçada por governos e brand owners (companhias donas de grandes marcas de bens de consumo), em dar um banho de loja no status da resina reciclada. De regra 3 sem valor do polímero virgem, ela agora merece rapapés como prova do engajamento do plástico na economia circular, por permitir o reúso do material com um desempenho cada vez mais próximo da resina 0 km, mérito da modernização de equipamentos e aditivos. Dentro de suas possibilidades e peculiaridades, o setor plástico brasileiro já começa a harmonizar com a nova era, como deixa patente na entrevista a seguir Paulo Francisco da Silva, presidente da disputada consultoria Agora Vai Brasil e uma ave rara entre os experts em reciclagem, pois tão à vontade no chão de fábrica como na mesa das decisões de investimentos.

Por que cresce a coleta e disponibilidade de sucata plástica de boa qualidade no Norte/Nordeste?
Há mais de 20 anos, as duas regiões desfrutam o desenvolvimento contínuo de um parque fabril tecnologicamente atrativo e recheado de facilidades e benefícios tributários. É um avanço, apesar de um efeito colateral ser a famigerada guerra fiscal travada no país e sem fim à vista. Retomando o fio, com maior número de indústrias transformadoras produzindo no Norte/Nordeste, o resultado lógico é a geração maior de sucatas plásticas, tanto de pós-consumo como de aparas.
Os chamados sucateiros são excelentes comerciantes que sabem mapear com rapidez as oportunidades a curto e médio prazo. E outro fator ocorre já faz alguns anos: a entrada de grandes grupos – múltis e nacionais – especializados na gestão de resíduos. Têm sido contratados pelos principais geradores de aparas para retirar esse refugo das linhas de produção e os direcionar da correta forma ambiental.
Eles cumprem todas as exigências no plano da documentação, o que a maioria largada dos sucateiros não faz. E na venda dessas aparas requisitam todos os comprovantes, tirando assim do páreo boa parte da concorrência informal. A se lamentar é a permanência do chamado passeio molecular do material pelo país, saindo em grande parte do Norte/Nordeste ao Sudeste, região que concentra o grosso dos recicladores, transformadores e seus clientes. Desse modo, seja na condição de grãos, flakes ou lixo plástico, essa matéria-prima termina devidamente reciclada e de volta à linha de transformação para ganhar seu reúso num produto acabado. Na conjuntura atual, o preço das sucatas de aparas ou pós-consumo anda sendo muito encarecido pelo frete inter-regional e oscilações constantes nas cotações das resinas virgens, sempre um forte balizador do preço dos reciclados.

Recicladores do Sul/Sudeste estão aproveitando o momento para investir em centros de compra e estoque de sucata no Norte/Nordeste?
Sim, algumas empresas já têm centros de compra no interior de estados nordestinos e de Goiás, por conta da posição geográfica. Afinal, as distâncias do Nordeste e Sudeste até Goiás são meio equidistantes. A propósito, a região Sudeste é autossuficiente na geração e disponibilidade de plástico pós-consumo para reciclagem. Apenas a capital paulista desova em aterro 6.500 t/dia de lixo não orgânico reciclável.

Quais as resinas pós-consumo mais escassas no primeiro semestre?
Destaco PVC, PS, ABS e PEAD, esta última a resina que mais tem dado trabalho. Para começar, PEAD vem há muito tempo sendo substituído por PP na injeção, como se vê em utilidades domésticas. Um exemplo de anormalidade sem fim previsto: o reciclado de PEAD resultante do moído de caixaria (garrafeiras) quebrada supria um imenso mercado secundário na forma de caixas industriais, multiuso e para hortifrútis, recipientes capazes de transportar até 1.200 quilos e, por isso, devem ser injetados com agente expansor. Acontece que os resíduos dessas caixas têm sido reciclados com vistas à injeção do mesmo recipiente original, abocanhando, portanto, boa parte do mercado do moído das garrafeiras. Devido, então, à demanda superior à oferta de rejeitos de PEAD grau injeção para reciclagem e para dar maior volume de material aos transformadores de garrafeiras, o mercado começou a misturar este grade com flakes do polímero para extrusão. Embora o blend reduza bastante o índice de fluidez, aumenta a resistência mecânica da caixaria injetada.

Como interpreta o comportamento desde 2020 dos preços médios do plástico pós-consumo reciclado no mercado interno?
Em 2020 as importações de resina virgem pararam, pois as petroquímicas reduziram suas produções para se adequar a demanda reprimida pelo lockdown. Na retomada trazida pela flexibilização das restrições sanitárias, a transformação precisou do reciclado para operar sob a carência de polímero virgem. Os preços das sucatas e reciclados dispararam desde então, nas pegadas também da subida das resinas virgens causada pela procura muito superior à oferta naquele período. No primeiro semestre de 2022, explodiu em fevereiro a guerra da Rússia contra a Ucrânia. Ela fez o preço do barril do petróleo se alojar no escalão dos três dígitos, com oscilações para baixo sob temor de recessão mundial. No Brasil, a visão primordial do reciclado sempre foi a de opção mais barata que o polímero virgem, com preço ditado pela lei da oferta e da procura.
Temos notado recuo no preço das sucatas, porque a demanda dos recicladores diminuiu na mesma medida que o mercado também tem reduzido suas compras – e agora com uma pressão a mais. Afinal, as resinas virgens também estão barateando, sob consumo enfraquecido pela crise e o governo está reduzindo tarifas de importação de determinados termoplásticos. Tudo isso e o aumento mundial das taxas de juros, para esfriar a inflação via consumo em recesso, deve estabilizar os preços de plásticos virgens e reciclados até segunda ordem.

Como enxerga o atrativo da verticalização da reciclagem das aparas para os transformadores?
Transformador que recicla aparas é porque dispõe de volumes de refugo que justificam o investimento na sua recuperação e têm linhas de produtos que admitem a incorporação de reciclado. Também querem controle total sobre a qualidade do produto que leva as aparas recicladas. É um material que, em tese, entra a custo zero para ser processado internamente, daí a tentação de fazer do scrap de produção uma operação rentável.

Fora tributação, quais as principais dificuldades para um reciclador no Brasil conciliar custos de produção com preços competitivos para um reciclado de bom padrão?
Os maiores desafios são custos e qualidade da sucata e a percepção de seu valor pelo mercado consumidor. Hoje dispomos de opções que possibilitam misturas de reciclado com virgem com qualidade final muito boa, mas há um limite imposto pelas percepções de valor. Por vezes percebo que, numa negociação de determinado volume de sucata de pós consumo, interferem atravessadores colocando sua margem de ganho. Isso vai agrega custo e não valor à sucata e costuma inviabilizar os negócios. No final das contas, quem menos lucra é o catador e o reciclador, justo quem mais põe as mãos na massa nessa cadeia industrial.

A qualificação do chão de fábrica nas recicladoras tem acompanhado as mudanças em curso no setor?
Digo a todos a quem presto consultoria que o maior capital da empresa é o humano. Neste ponto, estamos muito carentes de bons profissionais no nível de fábrica. Há mesmo uma falta de mão de obra especializada na manufatura da reciclagem. O ensino das atribuições é muito empírico enquanto caminhamos para sair do arroz com feijão da reciclagem plástica para um patamar de melhor qualidade, impulsionado inclusive pela cultura ESG, e que depende de maiores exigências profissionais para ser alcançado. Desafios estão aí para serem enfrentados.


Eles carregam o piano na reciclagem
A indústria plástica queima neurônios atrás de engenhos para agregar teores crescentes de reciclado premium em usos sinônimos de sustentabilidade. Um dos maiores desafios nessa empreitada tem sido evitar a perda de qualidade dos polímeros submetidos ao stress termomecânico durante sua reciclagem mecânica. É em enroscos desse naipe que o desenvolvimento hoje aceso de aditivos age feito um diapasão para o plástico não desafinar no coro dos arautos da economia circular.
Formadora mundial de preços e opinião em poliolefinas, a LyondellBasell também esbanja poderio em auxiliares que carregam o piano na reciclagem de plásticos. “Uma referência é a linha de masters Polybatch”, distingue Roberto Castilho, diretor comercial para masterbatches, especialidades em pó e resinas especiais para a América do Sul. “Indicados respectivamente para PE e PP, os grades AO 25 A e PAO 3660 minimizam dessas poliolefinas recicladas a degradação térmica causadora de oxidação, géis, crosslinking, partículas carbonizadas e perda de propriedades mecânicas”, descreve o expert. “Além disso, reduzem o acúmulo de material degradado na matriz”. Em decorrência, a incorporação desses dois concentrados permite o aumento do teor de reciclado no produto transformado. No embalo, Castilho ressalta a diminuição de amarelecimento proporcionada pelos masters branqueadores óticos Polibatch A05 específicos para PE e PP reciclados.
Quanto a soluções para modificar a viscosidade desses termoplásticos recuperados, Castilho tira da cartola da LyondellBasell masters auxiliares de fluxo e antioxidantes. “Protegem esses materiais da degradação térmica e melhoram sua qualidade baixando a viscosidade”, ele sintetiza. Entre os meios para poupar resina virgem no blend com reciclado, o diretor acena com compatibilizantes/modificadores de poliolefinas. “São produtos como as poliolefinas termoplásticas com fase elastomérica Hiflex e Adflex”, ele aponta. “Se usadas em baixos teores como compatibilizantes, melhoram a resistência ao impacto do reciclado”.
O poder de fogo da Lyondell em auxiliares se estende à triagem de sucata mista para reciclagem. Castilho exemplifica com Polybatch NIR (infravermelho próximo), auxiliar que permite a classificação de plásticos pós-consumo pretos por tipo de polímero. “Essa separação melhora a qualidade, valor e oportunidades de reúso do lote reciclado”.
Com mais de 19.000 cores catalogadas em seu sistema, a componedora Termocolor volta e meia as utiliza em resinas recicladas. “Concentrados preto e pastéis têm grande demanda para peças fabricadas com reciclado pós-consumo”, atesta o diretor comercial Wagner Catrasta. Quanto aos aditivos, ele informa atender recicladores com branqueadores óticos, dessecantes, anti UV, deslizantes e retardantes de chamas, estes últimos de procura em alta por força de normas técnicas de flamabilidade (resistência ao início e propagação do fogo) para componentes de instalações elétricas e peças e dispositivos de eletroeletrônicos. Entre as possibilidades de engorda do portfólio de soluções afins com a sustentabilidade, Catrasta flerta com o desenvolvimento de masters com base de plástico reciclado pós-consumo. “Mas para grades de cores é vital contar com um padrão de fornecimento de resina reciclada, pois sua disponibilidade não pode oscilar depois de o produto ganhar a praça”, ele comenta, aludindo à notória instabilidade no abastecimento de matéria-prima de padrão aceitável para reciclagem de plástico no país.


Atalho providencial
Número 1 absoluta na distribuição brasileira de termoplásticos, a Piramidal vislumbrou no chamariz da sustentabilidade uma oportunidade de acentuar sua condição de provedora de soluções completas e de ativar a diversificação do portfólio, de modo a afrouxar a dependência das vendas de commodities como PP e PE da bandeira Braskem. A sacada resultou na constituição, em 2021, da unidade de negócios de soluções circulares que, entre outras prendas, comercializa num espaço bem definido e com a marca própria Eccoar resinas pós-consumo recicladas a pedido por terceiros, dotadas de ficha técnica e certificado de qualidade lote a lote. “A grande maioria dos recicladores que tem investido em ampliação da capacidade e do padrão dos seus produtos carece de estrutura e capilaridade adequadas para atender a contento os clientes tradicionais da distribuição de resinas e é por esta brecha que nós entramos”, sumariza o gerente da unidade Fábio Koutchin. “Somos o braço que estende produtos reciclados de alto nível a transformadores que teriam dificuldades de obtê-los em contato direto com os recicladores”.
No compartimento dos reciclados, a atuação da unidade centra-se por ora em polímeros. Mas não passa em branco para Koutchin as oportunidades que pulsam na impressionante profusão de materiais auxiliares surgidos nos últimos anos para melhorar a reciclagem mecânica e as características do material gerado. “Nesta etapa inicial, optamos por nos concentrar na criação de um mostruário robusto de resinas recuperadas, devido a seu intenso uso por transformadores”, argumenta o executivo. “Mas a distribuição de aditivos e masterbatches desenhados para este segmento é um movimento natural. Por exemplo, se a demanda justificar, poderemos cogitar a representação de concentrados de cores tendo como veículo resinas recicladas”. Na mesma trilha, ele admite a possibilidade de ofertar blends de reciclado com resina zero bala sob a marca Eccoar. “No momento, entendemos que oferecer a resina 100% reciclada confere ao cliente maior flexibilidade para usá-la pura ou em blends com o polímero virgem”.


 

O making off da excelência

Reciclado de qualidade a preço competitivo
não sai do chão sem benefícios tributários

“A presença do plástico reciclado de ótima qualidade tem aumentado no mercado interno, em especial em marcas de produtos com metas e ambições claras de sustentabilidade”, constata Bruno Igel, CEO da Wise, recicladora star de poliolefinas que dobrou em dois anos sua capacidade para 35.000 t/a e cujo controle majoritário (61,1%) foi adquirido por R$121 milhões pela Braskem (ver box) em transação anunciada em 2 de agosto. Mas ao fundo desse crescimento num país receptivo à economia circular e baixa renda, pulsa enroscada equação econômica. “Seja no Brasil ou no I Mundo, qualquer empresa que faça reciclado premium com lisura fiscal e tratando de modo correto a água e resíduos do processo, vai deparar com custos que equiparam o recuperado no mesmo preço, se não mais caro, que o polímero virgem de fonte fóssil”, atesta o dirigente.
Para adoçar a competividade do preço do reciclado sem apelar ao mercado paralelo, comenta Igel, dois flancos têm sido palmilhados no exterior. “Uma delas é a concessão do subsídio que viabiliza uma coleta seletiva e separação da sucata eficiente”, ele expõe. “Trata-se de benefício pago pelo contribuinte através do governo, ou então, por brand owners (companhias donas de grandes marcas de bens de consumo)”. Aqui no Brasil, transpõe o reciclador, não há esquema transparente e eficaz para arcar com o custo da logística reversa das embalagens gerais e a iniciativas nesse sentido mostram metas frágeis e pouco verificáveis”.
O outro flanco para o preço do reciclado de bom padrão condizer com a realidade, observa Igel, também resvala no Fisco. “O mundo civilizado recorre a instrumentos tributários para estimular a economia circular, cobrando menos impostos de marcas e produtos geradores de impacto positivo e taxas maiores quando o efeito é negativo”, ele descreve. “Vem daí a oferta de um reciclado de qualidade a preço palatável para o mercado, base para o aumento da sua demanda”.
Por sinal, garantir demanda estável é ponto de referência para um investidor considerar alocar capital na reciclagem, pressupõe Igel, e o respaldo ao setor dado por leis prescrevendo teores do reciclado na composição de artefatos transformados (norma já em vigor na Inglaterra) requer análise mais a fundo. “Na prática, as estruturas de custos do reciclado e resina virgem diferem de todo entre si”, confronta o CEO da Wise. “Em regra, o consumidor do reciclado também opta por ele pela economia proporcionada, ou, no mínimo, a neutralidade econômica que o material confere a seus produtos acabados”. Na hipótese de uma regulação obrigar o uso de percentuais do reciclado, continua Igel, qualquer indústria consumidora das duas resinas terá duas organizações de custos independentes em sua cadeia de suprimentos. “Uma é baseada em variáveis como dólar e petróleo, enquanto a outra em quesitos como logística, coleta, separação e energia”, descreve o reciclador. Em ambos os casos, assinala, a indústria plástica e brand owners trabalharão para aumentar a eficiência e economia da cadeia de abastecimento. “Se houver lei determinando uso do reciclado, aquela comparação mensal entre custos desse material e do virgem dará lugar a um cotejo entre diversos fornecedores do material recuperado”, julga Igel. “Sancionada com racionalidade e nível correto, essa legislação favoreceria a economia circular”.
Apesar de a economia verde estar em evidência, a reciclagem de plástico pós-consumo de melhor qualidade ainda não atrai muitos novos entrantes no Brasil. Mas Igel comenta que o setor não está no modo pause. “Na reciclagem de PET houve uma consolidação importante, com empresas fortes e modernas”, ele distingue. “A reciclagem de poliolefinas ainda não chegou a este estágio, mas a movimentação da petroquímica e transformadores vai na mesma direção”. A entrada da Braskem como principal acionista da Wise fortalece esta percepção de Igel.
Entre as pendências, o dirigente enxerga a cadeia de suprimentos pouco estruturada e o emaranhado fiscal intimidando a vinda do empresariado de outros setores, embora algumas gestoras de resíduos estejam aderindo à reciclagem de PP e PE. A propósito, mesmo com a glamourização do desenvolvimento sustentável, a reciclagem de plástico não seduz startups, mais interessadas em soluções de logística reversa do material. “Startups buscam negócios menos intensivos em capital e capazes de ganhar escala com rapidez”, justifica Igel. “No Brasil, o setor industrial perde participação no PIB por requerer investimentos a prazos mais longos e os empreendedores o consideram muito menos sexy que o de serviços”.
A incidência de transformadores verticalizando-se na reciclagem de aparas industriais – campo fora da órbita da Wise – é analisada com cautela por Igel. A seu ver, a rentabilidade desse lance passa pela escala de produção e o trabalho com volumes restritos muitas vezes não provê o retorno do investimento na estrutura necessária. “A maioria das indústrias transformadoras deve concluir ser melhor ter um parceiro especializado na reciclagem das aparas”. Igel também não vê um contingente expressivo de transformadores com braço na reciclagem de plástico pós-consumo. “São atividades bem diferentes em tecnologia, operação e cadeia de suprimentos”, distingue. “E na maioria dos casos, recicladores suprem vários transformadores e costumam ter escalas mais eficientes para exercer seu oficio do que eles”.


Divisor de águas:
Braskem compra a Wise

Na reta final do fechamento desta edição, a Braskem anunciou a compra, por R$ 121 milhões da participação de 61,1% na recicladora Wise Plásticos, cujas credenciais de excelência incluem clientes brand owners do naipe da Unilever e Natura. Na ativa há 15 anos em Itatiba (SP), a recicladora de poliolefinas pós-consumo roda com capacidade 35.000 t/a, tendo produzido 20.000 toneladas e faturado R$ 250 milhões em 2021.
O investimento da Braskem está em linha com as petroquímicas internacionais que, desde que a economia circular entrou na berlinda, vêm estendendo com ímpeto seu braço nas reciclagens mecânica e química e assim turbinando o negócio de resinas virgens com o sustentavelmente correto portfólio de plásticos reciclados pós-consumo. A Braskem tem se engajado nessa corrente em passo acelerado, pois inaugurou no semestre passado, em Indaiatuba (SP), sua planta de 14.000 t/a de reciclagem de sucata rígida de PP e PE em joint venture com a recuperadora de resíduos Valoren. Poucos meses depois, a petroquímica amplia a presença no mercado de plástico para segundo uso assumindo o controle majoritário de uma recicladora, a Wise, que formava no seleto time de suas fornecedoras de material recuperado até a parceria com a Valoren entrar em campo.
Com a incorporação da Wise, a Braskem desponta com capacidade arredondada em 50.000 t/a na principal região do mapa da reciclagem nacional de plástico e se posiciona como maior reciclador de poliolefinas do país, poderio acentuado pela sua condição de produtora local dessas resinas virgens. Pela lupa da Abiplast, o Sudeste respondeu, em 2021, por 492.300 do total de 884.400 toneladas de plásticos pós-consumo produzidos no país no ano passado, sendo que PP e PE respondem por 57% desse saldo.
A musculatura da escala alcançada pela Braskem traça um divisor de águas na reciclagem nacional e, seguindo a percepção de analistas como o próprio Bruno Igel, deve incrementar um processo de consolidação de empresas desse setor, até aqui dominado por indústrias de menor porte, fornecedoras em regra de resinas recuperadas de baixo valor agregado, material que contrasta com o empenho da Braskem em desenvolver grades de desempenho cada vez mais próximo dos contratipos virgens. Do lado da concorrência, uma suposição consistente é a de que a proeminência de uma petroquímica que também impera na reciclagem deve levar eventuais interessados a estrear no ramo de plásticos pós-consumo a pensar duas vezes, considerando também entraves como tributários e suprimento instável de sucata de qualidade. Para recicladores que passam a competir com a capacidade avantajada da Braskem, o consenso entre analistas vota na adoção da estratégia da atuação especializada, em áreas geográficas bem específicas e num suporte pré e pós-venda personalizado para encantar os clientes e transcender o foco estrito em preços.


 

Sai de baixo

Vendas da Wefem refletem ascensão irresistível do reciclado de qualidade

Única marca brasileira selecionada para integrar a fábrica de reciclagem da Braskem Valoren, a fabricante de extrusoras Wefem promete dar mais o que falar ao cruzar a divisa dos 10 anos de expansão em 2023. As sacadas engatilhadas incluem a ênfase na digitalização dos equipamentos e o ingresso nas etapas da reciclagem anteriores à extrusão, a começar pela montagem de sistemas de lavagem, equipamentos nos quais a tecnologia nacional ainda rateia, antecipa sucinto Fernando Paixão, sócio e diretor da Wefem. Nesta entrevista, ele dá um rasante pelo seu mercado e perspectivas.

Qual a sua estimativa da parcela atualizada do parque de extrusão nas cerca de 1.100 recicladoras de plásticos no país?
De acordo com nossa experiência, uma extrusora com mais de cinco anos de vida útil já começa a perder competitividade. A baixa produtividade e a necessidade de manutenção frequente são alguns indícios disso. O prazo de depreciação do equipamento é de 10 anos em média. Cruzando os dados, acreditamos que em torno de 20% do parque fabril foram renovados nos últimos anos.

Vem aumentando o efetivo de transformadores estendendo o braço no negócio de reciclar aparas ou mesmo plástico pós-consumo. A Wefem confirma esse movimento?
A escassez de matéria-prima pós-industrial tende a crescer mais. As transformadoras estão sensibilizadas pelo apelo da economia circular, melhorando o processo de fabricação de seus produtos até o consumo. Confirmo que procuram cada vez mais por equipamentos e processos de recuperação de suas aparas. No passado, elas eram consideradas sucatas e agora, através da reciclagem, voltam a ser aproveitadas no processo de manufatura, podendo inclusive constituir um de vários materiais integrantes da composição de um artefato transformado. Com a limitação de aparas na praça, o plástico pós-consumo reciclado tem sido a alternativa para substituir a insuficiência delas. Com base nesse cenário, as vendas da Wefem mais que dobraram no biênio 2020-2021 em relação ao anterior.

O mercado brasileiro de plástico reciclado ainda é dominado por materiais movidos a preço. A busca de rentabilidade melhor tem animado investimentos na qualidade do recuperado?
A qualidade do reciclado tem relação direta com o desempenho esperado para o produto acabado em que ele participa. Diversos fatores são responsáveis pela boa qualidade do reciclado: matéria-prima, aditivos e equipamentos que ofereçam parâmetros e controle de processo. Uma sucata de baixa qualidade mas extrusada de forma adequada poderá ter uma aplicabilidade superior aos reúsos convencionais de pouco valor agregado. A propósito, temos um cliente que vivenciou essa mudança. Hoje operando com equipamento nosso, ele conseguiu elevar a qualidade da resina recuperada e a possibilidade de com ela entrar em aplicações novas para sua empresa. O controle da qualidade no laboratório dele aponta menos degradação e melhor plastificacão proporcionadas pela linha Wefem, resultando num reciclado mais rentável e fora da categoria de material de segunda classe. Do nosso lado, estamos em busca constante de meios para nossas extrusoras Titanium e Platinum evoluírem. Um exemplo é o esforço atual para apurar a tecnologia de filtragem, por conta da grande quantidade de contaminantes existentes nos resíduos reciclados. O próximo passo de avanço tecnológico, eu adianto aqui, será possibilitar ao reciclador dispor dos dados da extrusão em tempo real e na palma da mão, via ferramentas em linha com a indústria 4.0.

Com base no seu balanço do biênio 2020-2021, como avalia o interesse de novos investidores pela reciclagem mecânica de plástico?
Bom, 50% dos nossos clientes nesse biênio vieram do setor do plástico, porém ainda não reciclavam suas aparas. Na metade restante, havia empreendedores que aprimoraram sua atuação ou estrearam na reciclagem de plástico pós-consumo, ambos buscando soluções modernas nas etapas vitais do processo de recuperação de resinas, caso da tecnologia de extrusão. Os investimentos em reciclagem no Brasil estão indo bem, mas poderiam atrair mais investidores de fora. Na minha opinião, a planta da Braskem Valoren é uma referência, traz mais visibilidade e credibilidade à cadeia nacional de reciclagem de poliolefinas. O Brasil precisa investir no setor, definindo políticas públicas que garantam que os lixos inorgânicos coletados nos municípios cheguem menos nos aterros e mais nas cooperativas supridoras de matéria-prima para recicladores.


 

O fogo se alastra

Novas exigências de performance para o reciclado inflamam a tecnologia de extrusão

A procura em brasa por reciclado de qualidade, pé de apoio do setor plástico na economia circular, engendra um efeito dominó em todas as sequências da recuperação de polímeros pós-consumo. Nos meandros do processo, extrusoras se destacam entre os equipamentos hoje repensados em função do endurecimento das cobranças de economia de tempo e custos fixos na produção; das exigências de trabalho com resíduos multimaterial e, por fim, das expectativas, movidas pela devoção à sustentabilidade, de uma performance do plástico para segundo uso que tire emprego de resina virgem. No Brasil, essa revolução no chão de fábricas recicladoras inspira a ourivesaria de avanços embarcados pela Wortex nas extrusoras Challenger. “Uma prova desse fluxo de melhorias e facilidades é a aptidão das nossas linhas para lidar com materiais em regra desovados em aterro até dois anos atrás, pois considerados muito complexos para a reciclagem mecânica, como BOPP e laminados de PE/BOPET”, exemplifica o presidente Paolo de Filippis.
A tiracolo dos 45 anos de estrada da Wortex, Filippis e o gerente comercial Wellington Pavani situam entre 10 e 15 anos a idade média das extrusoras em funcionamento na reciclagem de plástico no Brasil. “Entre elas, constam máquinas nossas entregues há mais de duas décadas”, frisa Pavani, grifando o aumento nos últimos dois anos da procura por extrusoras atualizadas, movimento justificado por fases intermitentes de insuficiência de resina virgem sob a quarentena em 2020 e sob a flexibilização das restrições sanitárias desde o ano passado.
Filippis e Pavani também confirmam o crescimento recente da participação de transformadores nas entregas de suas extrusoras Challenger. A situação chegou ao ponto de, no biênio 2020-2021, eles repartirem suas vendas praticamente por igual entre recicladores convencionais e transformadores que decididos a verticalizarem-se na recuperação de aparas ou plástico pós-consumo. Ainda nessa pegada, não passou em branco para a Wortex a incidência de calouros em plástico em sua carteira de pedidos nos últimos dois anos. “A indústria de reciclagem está se apresentando para empresas inexperientes na área, mas cujo tipo de atividade desperta o interesse por recuperar plástico como forma de maximizar seu lucro, aproveitando recursos que elas já dispõem, como a matéria-prima”, explica Filippis. “É o caso de empresas atuantes na área ambiental e cooperativas de catadores; esse segmento de novos entrantes nos trouxe 3-4 clientes nos últimos tempos”.
Sejam aparas ou resinas pós-consumo, a diversidade de materiais e suas especificidades estão em casa na nova linha de extrusoras Challenger, a Geração III. “O processamento conjunto de plásticos rígidos e flexíveis nela, inclusas estruturas multicamada, possibilita a mistura desses materiais para gerar um reciclado final de alto padrão e versatilidade de usos”, acenam Filippis e Pavani. “Com a linha Geração III, podemos processar blends tipo 80% de um filme impresso de PEBD pós-consumo acrescido de refugo de PEAD ou PC resultando num reciclado de alto padrão, como se fosse constituído apenas de PE flexível”.


 

O mercado na palma da mão

cirplus lança marketplace global para sucata e plástico reciclado

O xis do problema com o plástico não é a reputação de guilhotina da natureza, mas, nos bastidores, a pífia gestão do seu fluxo de sucata reciclável com restrito uso da caixa de ferramentas virtuais. Uma abordagem futurista da economia circular escora essa percepção de Christian Schiller, CEO da startup alemã cirplus, plataforma introduzida há dois anos como marketplace B2B global para transações com plásticos reciclados e seus resíduos pós-consumo. A sacada de Schiller traça uma linha divisória entre um setor hoje tolhido por incertezas e sua inescapável reconfiguração num braço da economia circular, como ele deixa claro nesta entrevista traduzida e condensada de publicação original da agência comercial alemã VDMA Plastics & Rubber Machinery.

Sua empresa opera desde março de 2020 uma plataforma de comércio de sucata e plástico reciclado. Quem já forma na sua carteira?
Fornecedores e consumidores do mundo inteiro; hoje o número passa de 1.300 companhias de mais de 100 países. E no momento constatamos um expressivo aumento na procura por reciclados plásticos de alta qualidade. Embora isso soe bem para a indústria recicladora, revela também o déficit desse material no mercado. Para muitos defensores da economia de baixo carbono, não existe reciclagem em escala industrial e rentável e muita sucata continua sendo incinerada e aterrada. A humanidade está desperdiçando um volume incrível de recursos valiosos, mas queremos na cirplus mudar isso com os recursos da digitalização.

Por que há tanto reciclado de baixa qualidade?
Não se trata de escassez global de lixo plástico, mas de escassez de sucata que possa ser bem reciclada. Atenção para três pontos: tecnologias de reciclagem subdesenvolvidas, fluxos de sucata e reciclagem não transparentes e pouco digitalizado e design pobre de produtos acabados. Começando pelas tecnologias de reciclagem, me refiro ao espaço para evolução no processo mecânico. No mais, os mercados de resíduos e reciclados precisam ser mais nítidos e digitais. Como cadeias seguras de suprimento global podem se estabelecer se incertezas sobre quantidades e qualidades não são eliminadas? Na Europa, em torno de 20 milhões de toneladas de lixo anualmente geradas não são rastreadas. Quanto design impróprio de produtos, sua reciclagem pode prejudicar a sustentabilidade. Se transformadores e brand owners não atentarem para uma reciclagem eficaz dos resíduos de seus produtos, teremos de encarar problemas de qualidade por bom tempo. Tudo isso prova que o plástico não tem problemas de imagem, mas de lixo e digitalização.

Onde mais você vê necessidade de melhorias?
Os quesitos de qualidade do reciclado exigidos pelo mercado precisam ser registrados com precisão. Contra essa lacuna, promovemos na cirplus a estandardização para plásticos reciclados (além de PET) dirigidos a aplicações de alto valor e ao comércio digital. Veio daí a norma alemã DIN SPEC 91446, lançada em novembro passado, a primeira no mundo no gênero.

Esses standards darão ímpeto ao plástico reciclado?
Claro. A norma DIN já sancionada já pôs o mercado em movimento, com indústrias finais conhecidas começando a adequar a ela suas determinações de compras. Testes laboratoriais já oferecem certificação referente a esta norma técnica e recicladores cada vez mais aderem ás suas especificações. Na plataforma cirplus, as ofertas e exigências já estão automaticamente classificadas com base na DIN SPEC 91446. E isso é só o começo.

Pode explicar mais a fundo essa norma?
Ela classifica o grau de lisura e clareza dos dados disponíveis sobre reciclados e enquadra essas informações em dados de níveis de qualidade, um passo importante para tornar o material recuperado uma confiável commodity global. A plataforma cirplus agrega essas informações e as de volumes, criando comparativos de preços, barateando as transações e inserindo nelas o critério da qualidade. Isso pavimenta, no futuro, a atuação de algoritmos prevendo preços, qualidades e quantidades com base no mapeamento dos dados da nossa ferramenta.

O mercado de reciclagem precisa de mais regulação política para tomar impulso?
Precisa sim, para estabelecer uma genuína economia circular. Sou pró-livre mercado, mas ele não zera seus déficits pelas próprias forças. Veja, o reciclado pós-consumo responde por menos de 10% do total de plásticos transformados na Alemanha, evidenciando uma falha sistêmica na reciclagem do material, mais de 30 anos após a introdução da responsabilidade estendida do produtor. Em decorrência, o preço da resina virgem, seja qual for o patamar, segue abaixo da reciclada. A virgem é quase toda comprada, enquanto o resíduo pós-consumo é visto como sem valor. Nossa plataforma pode baixar em até 25% os custos de transição na produção e uso de plásticos reciclados. Governos já estão intervindo na área, a exemplo da multa vigente desde abril no Reino Unido cobrada sobre embalagens com teores de reciclado abaixo de 30%. A União Europeia já trabalha na definição de uma cota específica de reciclado em artefatos plásticos, o que vem incentivando concepções de design nessa direção, não corta pela raiz o potencial da reciclagem química.

Por que?
Ainda reina certa incerteza entre transformadores e brand owners europeus. Em quase todo evento organizado pela indústria plástica eles ouvem que a reciclagem mecânica atingiu seu limite e que a indústria química aporta bilhões de euros para viabilizar a recuperação de hidrocarbonetos hoje difíceis de serem convencionalmente reciclados. Daí porque eles ficam corretamente pensando se seus esforços em prol de design para facilitar a reciclagem mecânica fazem sentido se as petroquímicas poderão, mais adiante, reciclar materiais de composição complexa para a recuperação convencional. Nesse contexto, transformadores e brand owners não têm de mover uma palha em seus produtos, pois a reciclagem química dará conta do recado sem exigir mudanças no design. Além do mais, os transformadores não terão de temer custos crescentes de compras de resina quimicamente reciclada, ônus decorrente do processo intensivo em energia, se os brand owners forem obrigados por normas ou ameaça de multas a utilizar materiais obtidos da reciclagem química em determinadas quantidades prescritas. •

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