Um refém de suas virtudes

A contribuição do plástico ao combate à pandemia não pode ser esquecida

Em artigo intitulado “A covid-19 levou a uma pandemia de poluição plástica”, a revista inglesa The Economist esbraveja contra o aumento de lixo descartável no rastro do corona. Como referências, aponta o surgimento este ano de luvas de borracha entre os detritos às margens do Tâmisa e o aparecimento de máscaras cirúrgicas num trecho de praia na erma Ilha Soko, em Hong Kong. No embalo, o texto desce a lenha no incremento notado durante a quarentena no Reino Unido do uso de plástico para embalar produtos comprados pelo comércio eletrônico e comida pronta entregue em domicílio.

Corte para o Brasil: pente-fino do lixo doméstico da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) constatou aumento de 28% na coleta de resíduos descartáveis em maio último. Ao jornal O Estado de S. Paulo, Carlos Silva Filho, presidente da entidade, atribuiu a expansão ao isolamento social esporeando as compras online e delivery de alimentos. Mas o incremento de resíduos coletados teve os lixões e aterros como destino primordial, efeito da interrupção do batente das centrais de triagem de material pós-consumo para reciclagem, assinalou o dirigente. A propósito, outro estudo da Abrelpe estampa pesquisa de opinião com cerca de 2.000 entrevistados e 98% deles reconheceram a importância da reciclagem e 75% admitiram não realizar a coleta seletiva. “Por mais que as pessoas recebam informação, na prática ainda não conseguimos engajar esse cidadão”, declarou o dirigente. “Se não houver esse passo inicial, a coleta seletiva e a reciclagem não vão funcionar”.

Há pelo menos duas décadas, o setor plástico mundial se empenha em ações pedagógicas de conscientização da sociedade a respeito da contribuição ambiental embutida no descarte correto de produtos transformados de uso único. Apesar dessa catequese incessante, a incidência da destinação incorreta de plásticos pós-consumo cresceu tanto em países desenvolvidos e de alto nível educacional como em emergentes a exemplo do Brasil, invariável ocupante das últimas colocações nos rankings internacionais de avaliação do desempenho estudantil. Em reação de última instância a estes ouvidos surdos no Primeiro e Terceiro Mundos, governos têm decretado proibições do uso de embalagens de uso único e descartáveis plásticos em prol da proteção do meio ambiente.

Mas a questão de fundo segue intocada: por que a ficha dessa conscientização ainda não caiu, após tantos anos de pregação, para o grosso dos consumidores dos mundos desenvolvidos e sub? Essa pergunta guarda um paralelo com as pessoas que, apesar das recomendações da saúde pública em todas as mídias, dão de ombros para o corona e se aglomeram sem máscaras em festas de rua, corredores comerciais e praias.

Retomando o fio do plástico, talvez uma explicação para a conscientização frustrante esteja nas próprias vantagens do material. A partir da segunda metade do século passado, a evolução tecnológica dos polímeros os tornou sinônimos de solução leve, resistente, duradoura e barata. Na esteira desses predicados, os plásticos se espalharam por um mundaréu de aplicações e decerto influíram para incutir no inconsciente da sociedade a noção de uma cultura do descartável inextirpada até hoje, para exasperação da corrente ambientalista. Um exemplo bem prosaico: o que as pessoas fazem quando acaba a carga de sua esferográfica? Repõem a carga ou pegam uma caneta nova? Pois a esmagadora maioria muda sem vacilar para a caneta nova por causa do plástico. É ele quem torna a caneta sem tinta acessível o suficiente para ser posta de lado sem o pesar que acometeria o indivíduo se lhe quebrasse uma caneta de edição limitada, à base de metal nobre ou gemas como jade e lápis-lazúli.

Amarrando-se as pontas, o plástico hoje é um refém de suas virtudes. Uma corrente de analistas acha que as críticas ecoxiitas ao material tendem a entrar no modo pause este ano, efeito da notória contribuição dos plásticos de uso único para manter a covid-19 distanciada, a exemplo de sacolas e descartáveis para delivery ou itens para o setor médico-hospitalar. Mas e depois da pandemia? As críticas voltarão com tudo, como se nada houvesse? O legado positivo deixado pelo plástico de uso único no combate ao vírus não é suficiente para os radicais da economia circular reverem seu repúdio ao produto?
Tal como o corona, a cegueira intelectual também é contagiosa. •

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