Reflexos condicionados

Vírus e recessão transfiguram o consumo de produtos de limpeza

Momentos marcantes no Brasil também foram simbolizados por produtos de consumo, caso do frango congelado e iogurte alçados a ícones do Plano Real. Nesses tempos de pandemia, a coroa foi arrebatada pelo álcool em gel, ponta de lança de um setor que configura um dos portos mais seguros para polietilenos e PET refugiarem seus barcos da borrasca na economia. “O impacto da pandemia sobre o mercado de produtos de limpeza deve ser analisado com cuidado, para evitarmos interpretações equivocadas”, acautela-se Paulo Carvalho Engler Pinto Jr., diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes de Uso Doméstico e uso Profissional (Abipla).

“Antes do corona prevíamos que o mercado de limpeza cresceria 3% este ano com base num cenário que se desenhava muito interessante até fevereiro, a cargo de fatores como expectativa de crescimento do PIB e manutenção da queda de juros e do desemprego”, rememora Engler. As projeções se esfarelaram já em meados de março, com a decretação do estado de calamidade pública, restrições de atividades e imposição de isolamento social em várias localidades. Até maio, pelo menos, o dirigente nota que as indústrias do setor seguiam operando, sem demissões e falta de matérias-primas e embalagens. “Conforme o monitoramento da Abipla, a cesta de produtos de limpeza aumentou 0,19% em março último, com destaque para sacos de lixo, vassouras , inseticidas e álcool para limpeza, enquanto o crescimento do setor acumulou 1,05% no primeiro trimestre”. A propósito, a capacidade instalada no país de álcool em gel deu salto exponencial a tiracolo da propagação do vírus, com várias empresas estreando na produção do saneante, seja com intuitos comerciais ou filantrópicos. Pelo andar da carruagem, retoma o fio Engler em análise preliminar, abril revelou um pequeno incremento no qual sobressaem as vendas de água sanitária e desinfetantes. “As fábricas do setor rodam sem interrupções e, mesmo com a influência do confinamento de boa parte da população, não houve uma explosão de consumo dos produtos de limpeza; nada fugiu dos patamares programados”.

Mudanças nos hábitos
Apesar da mediocridade do PIB desde 2015, o contingente de indústrias de produtos de limpeza aumentou de forma significativa no período, efeito de empresas menores disputando o bolso do consumidor popular com guerra de preços em detrimento da qualidade. Pela última medição da Abipla, o setor aloja 17 grandes fabricantes, 81 médios, 308 pequenos e 2.110 micros. Sob recessão pós-quarentena, micro e pequenas indústrias em geral correm risco de vida sem o oxigênio do capital de giro e das vendas ao menos suficientes para cobrir as despesas. No caso do seu setor, Engler não vê a situação tão sanguinolenta. “Especula-se que setores de atividades essenciais terão um crescimento extraordinário e que algumas empresas podem até expandir nessa fase de calamidade pública”, ele coloca. “Mas a propensão em reforçar esses indicadores exige prudência, pois outros fatores econômicos impactam na cadeia produtiva e comercial, a exemplo do desemprego, câmbio, logística e condições de financiamentos”. Para o diretor da Abipla, as pequenas empresas com olhos apenas para itens de baixo valor agregado têm chances de sobreviver à recessão atual. “Afinal, seus produtos destinam-se às camadas de baixa renda”.

Uma vez superada a pandemia, suas sequelas devem promover mudanças nos hábitos de consumo dos produtos de limpeza. Engler antevê, por exemplo, o uso mais constante de soluções para desinfecção, com destaque para a água sanitária, mérito do binômio disponibilidade e preço. No embalo, o dirigente põe fé no avanço a médio prazo do e-commerce em seu setor e não compra a ideia de que a tendência do consumo sustentável deva esmorecer. Nessa trilha, ele discorda que produtos concentrados recuem diante de similares liquefeitos e mais baratos – “as inovações no produto facilitam seu uso e transporte, contrapõe Engler. De outro ângulo, ele observa que a queda drástica do poder aquisitivo e a subida idem do desemprego “são razões para o consumidor de produtos de limpeza valorizar mais o preço do que a marca”.

Fim da sazonalidade
O mercado de produtos de limpeza já mudou com o vírus e pode mudar mais ainda com a recessão, considera Alexandre Gusson, gerente comercial da Greco & Guerreiro (GG), casa de força do Brasil em embalagens plásticas para produtos de limpeza. Diante da turbulência, Gusson conta estar estreitando os laços com clientes e confia no jogo de cintura do brasileiro para se safar de sinucas. “Vejo empresas achando meios de não parar e no nosso mercado não será diferente; sairemos todos dessa fase ainda mais fortes”. Na mesma trilha, ele salienta que a continuidade dos investimentos deixou a Greco & Guerreiro em condições de atender ao inchaço momentâneo da demanda de saneantes, decorrência da corona-19, a ponto de romper de vez com uma sazonalidade do setor: a queda nas vendas durante o inverno. “Isso já vinha mudando nos últimos anos, mas a grande alteração provém dos estoques altos no mercado e da redução do poder aquisitivo de um consumidor amedrontado pela grande mídia”.

Álcool em gel, o mestre-sala no desfile dos saneantes para proteger contra o corona, é ofertado em frascos de PET e polietileno de alta densidade (PEAD) e a Greco & Guerreiro comparece com as duas versões. “O marketing de cada cliente indica a opção entre os dois polímeros sem diferenças significativas nos preços, por sinal voláteis hoje em dia”, assinala Gusson. “Há quem procure a flexibilidade e o toque mais suave (soft touch) do frasco de PEAD, enquanto outros se inclinam pelo brilho e transparência de PET, dois apelos que lhe deram o predomínio em embalagens de sabonete líquido com tampas flip top e com válvulas do tipo pump”.

Após a quarentena, julga Gusson, a economia alquebrada vai demandar investimentos mais fortes das indústrias de produtos de limpeza no desenvolvimento de embalagens mais leves, funcionais e sustentáveis sem afrontas aos custos. “A preferência entre embalagens econômicas e individuais será dividida entre o consumidor capitalizado o suficiente para estocar e ir menos vezes ao supermercado e aquele de poder aquisitivo retraído”, expõe o gerente comercial da Greco & Guerreiro. “Infelizmente, a grande massa consumidora no Brasil afetada pela recessão é a população de baixa renda, daí porque presenciaremos a volta agora de um aumento nas vendas de recipientes menores de produtos de limpeza, um caminho na contramão do que ocorria antes de o corona se disseminar”. •

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