Ponto de inflexão e reflexão

Em dois anos, o negócio e a imagem da reciclagem desabaram no mundo inteiro
Em dois anos, o negócio e a imagem da reciclagem desabaram no mundo inteiro

A participação da resina reciclada na produção de flexíveis caiu em 2023. O recuo pegou leve, apenas 1% versus 2022, mas cala fundo pela sua explicação, contida no relatório de desempenho anual compilado pela consultoria MaxiQuim para a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief). “A justificativa foi a grande oferta de matéria-prima virgem a preços que competiam com as recicladas”, sumariza o estudo.
Nos últimos dois anos, em particular, as margens de lucro e a imagem da reciclagem na economia circular entraram em parafuso no mundo inteiro. Entre os empurrões para a derrocada, interligam-se a incompreensão e distanciamento do consumidor final da causa ambiental; a produção de reciclados há décadas abaixo das metas (e sem efeito algum sobre o aquecimento global); a apatia da indústria em sair em daefesa do plástico e, por fim, pesa o excedente recorde entre capacidade e demanda que barateia resinas virgens a ponto de se engalfinharem em preços com as recicladas.
Esse bicho está pegando – e feio – nos EUA. Exemplo: o baixo nível de ocupação forçou a recicladora química de PS Regenyx, tida como primeira mundial no gênero com escala comercial, a dar adeus em março após cinco anos de ativa. “A coleta e suprimento de sucata para recicladores está em baixa. O que será que não estamos fazendo para sensibilizar o consumidor a botar mais resíduos na lixeira ?”, ruminou ao jornal Plastics News Steve Alexander, CEO do grupo Association of Plastics Recyclers. “Plásticos e sua reciclagem estão sob ataque crescente e danoso para os números declinantes da coleta e reciclagem do material. A integridade do plástico reciclado erodiu nos últimos anos e não sei se nossa voz é alta o bastante para respondermos a essa deterioração”. Para o dirigente, os recicladores precisam repisar ao público a importância de sua atividade, apesar de a atenção das pessoas pender hoje para outras questões surgidas após a pandemia. “Precisamos fazer um trabalho melhor para facilitar a contribuição do consumidor à coleta e reciclagem, o que me parece ser a última coisa que as pessoas têm em mente”.
Os níveis de resina reciclada estão sendo afetados por pressões econômicas, comentou Nina Butler, da consultoria Stina no portal Plastics News. Ela se refere à intensidade sentida nos EUA desse nó cego mundial. “ Os recicladores tomam bola nas costas ao competir com resina virgem bem barata, a ponto de diversos brand owners recuarem em suas juras de usar reciclado em suas embalagens”. Nina acha que o jogo só vira com intervenção do governo obrigando o uso de teores de reciclado e aumentando impostos sobre garrafas plásticas.
A formulação maléfica da barata resina virgem dos EUA e Ásia com a demanda por transformados mal das pernas no continente e com o rigor das normas locais para reciclagem de embalagens está corroendo a indústria recicladora de plásticos na Europa. Apavorada, a entidade holandesa Dutch Waste Management Association (DWMA) aponta como sequelas do quadro o consumo europeu comercialmente incompatível com a atividade de reciclagem; risco de desemprego; a produção declinante das recicladoras e o consequente acúmulo de sucata plástica sem destinação circular. Convencida de que, por si só, a indústria recicladora de plástico nada consegue, a DWMA buscou socorro do governo holandês através de três reivindicações esmiuçadas em carta ao ministério do meio ambiente. Um dos pedidos é para o poder público amparar a fixação de um preço por tonelada de lixo plástico, palatável com o perfil financeiro padrão dos recicladores locais – valor válido até a entrada em campo da lei do teor mínimo de reciclado em transformados, a vigorar na União Europeia a partir de 2030. Outra solicitação: como o governo responde por cerca de 15% das compras na economia holandesa, tem cacife para impulsionar, mediante licitações, a produção rentável de plásticos reciclados no país. A carta fecha pedindo a instituição de um sistema de crédito de carbono para o setor do plástico reciclado, para remunerar o esforço das empresas do ramo em colaborar com a redução de emissões do gás.
Enquanto isso, a super oferta global das resinas virgens mais consumidas (PE e PP) continua a engordar como se nada houvesse, a cargo de investimentos de petroquímicas na Ásia e América do Norte. Muitas delas, por sinal, lideram a pesquisa e produção mundiais das reciclagens química e mecânica hoje encurraladas pelos polímeros novos em folha que elas fornecem cada vez mais (e por menos). •

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