Hora de tirar o atraso

Seminário aponta os rumos para indústria de reciclagem sair do passado
Bazan: reciclagem ingressa na era que alia sustentabilidade e inovação.

Se a lógica determinasse o curso da história, o culto à economia circular e ao desenvolvimento sustentável proporcionaria à indústria recicladora de plástico um status de riqueza comparável aos unicórnios do Vale do Silício. No entanto, apesar das pregações nos púlpitos verdes do I Mundo, não se sabe do Bill Gates ou Warren Buffett da recuperação de resinas. No Brasil, a situação é ainda pior, pois o setor reciclador ficou léguas para trás do desenvolvimento das resinas virgens e dos processos de transformação. Ocorre que o arrastão ambientalista ferve e não perdoa retardatários. Ele determina que a sobrevivência da cadeia de reciclagem de plástico dependerá do esforço dela para encurtar sua defasagem, pois o emprego de materiais de segundo uso vai crescer e muito – seja por força de leis ou da reação individual de empresas e consumidores às mudanças climáticas. Se a reciclagem de plástico não acordar, alternativas como papel e metal recuperados pegarão seu lugar. É este o risco sem atenuantes que será descortinado no seminário “Mercado de Plástico Reciclado Pós-Consumo (PCR) de Alta Qualidade: Oportunidades, Problemas e Soluções”. Organizado por Plásticos em Revista e o consultor Amarildo Bazan o evento está agendado para 15 de abril em São Paulo. Nesta entrevista, Bazan expõe como o evento se debruçará sobre as fraquezas da reciclagem de resinas no Brasil e os acessos para ela entrar no espírito do século 21.

1 Como este seminário difere do monte de eventos sobre reciclagem de plástico realizados nos últimos anos?
Este seminário foi cuidadosamente planejado para abordar os temas mais urgentes. Ou seja, as novas demandas por plástico reciclado pós-consumo (PCR) de alta qualidade e a escassez no mercado de matéria-prima para recuperação. Na mesma trilha, serão discutidas as soluções possíveis e as tecnologias disponíveis para se atender o volume demandado de forma constante e com a qualidade necessária. Introduzir PCR em processos de transformação de alta produtividade, com baixa tolerância às variações, é um desafio à parte e os palestrantes apresentarão o que há de mais avançado em termos de seleção, lavagem, descontaminação, extrusão, aditivação e do processo de reciclagem como um todo. O objetivo é dar subsídios aos empreendedores para avaliar melhor as oportunidades e participar deste grande mercado nascente.

2 É positivo o fato de o seminário ser realizado nas dependências de uma feira, Ecomondo, focada na tecnologia e serviços de sustentabilidade?
Estamos entrando na chamada era da Inovabilidade: Sustentabilidade com Inovação. E o setor plástico precisa de rapidez e criatividade para amoldar-se a ela. O problema é complexo e exigirá soluções conjuntas, por isso a presença do evento na Ecomondo propiciará um ganho tecnológico adicional. Encontrar especialistas em sustentabilidade de vários setores num mesmo local dará ao participante do seminário o privilégio do acesso direto e facilitado ao conhecimento complementar sobre o conteúdo apresentado, preparando-o melhor para a decisão de apostar na reciclagem.

3 O perfil padrão de uma recicladora de plástico aponta para uma indústria de menor porte, defasada, pouco capitalizada e com incursões na informalidade. Como o seminário pode contribuir para ela virar a página desta imagem abaixo do esperado por brand owners e os novos consumidores ?
O ponto relevante é analisar no evento como chegamos a este ponto.No Brasil, a indústria plástica começou a se desenvolver no fim dos anos 1960, como se viu na evolução das resinas, processos de transformação e decoração. Infelizmente, a área de reciclagem ficou presa a um submundo bem descrito na pergunta, oferecendo produtos de baixo valor agregado. Quando se pensa em PCR no Brasil, o que vem à mente é um produto de qualidade inconstante e contaminado, obrigando o transformador a direcionar sua aplicação para um produto menos exigente em características técnicas. Ocorre o chamado downcycling. Ou seja, partimos do scrap de um artefato de alta tecnologia e, ao reciclá-lo, devido à baixa tecnologia empregada, sua aplicação só é possível num subproduto de baixo valor. O mercado de reciclagem foi criado oferecendo qualidade em função direta da qualidade do resíduo obtido; se o resíduo é bom o grão de reciclado será bom, se for ruim, o grão idem. Uma representativa parcela das mais de 1.000 recicladoras levantadas no país pela Abiplast, opera assim.
Ao longo do anos, a ausência de investimentos em melhorias de processo e qualidade aprisionou recicladores na praxe de comprar sucata barata e contratar profissionais ao preço mais baixo possível, não raro infringindo as leis trabalhistas. Ao vender, os recicladores em regra também não observam as leis fiscais, pois muitas vezes é na criatividade contábil e fiscal que reside o lucro da operação. Acontece que neste mercado que está surgindo, o novo cliente de reciclado busca um fornecedor bem constituído, cumpridor da legislação e em condições de atender as altas exigências de suas frequentes auditorias. No campo da tecnologia, precisamos deixar de lado o reciclado padrão coffee (contaminado, fedido e esporádico) e passar a oferecer produtos análogos à resina virgem. Não é tarefa fácil, mas as grandes empresas de tecnologia estão se empenhando em melhorar o padrão do PCR. Vale lembrar, a propósito, o caso de PET para segundo uso: o desenvolvimento de uma apurada tecnologia de reciclagem (bottle to bottle) contemplou PET PCR com o grau alimentício que lhe franqueou o contato com alimentos permitido pela Agência de Vigilância Sanitária. Não podemos assegurar que o mercado de PCR de baixa qualidade irá desaparecer, mas o seminário vai comprovar que as margens tão desejadas pelo setor estarão no reciclado de maior valor agregado. •

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