Cada vez mais empoderadas

Bebidas não alcoólicas passam ao largo da crise e as embalagens vão no embalo

Mesmo em crise desde 2014, a musculatura do consumo brasileiro não pode ser menosprezada. É o que indicam títulos como quarto mercado mundial de bebidas não alcoólicas, atesta pesquisa saída do pipeline da consultoria Euromonitor International. Abaixo desta linha d’água fulguram dados que fazem as embalagens plásticas salivar. Por exemplo, o país consumiu 30 bilhões de litros (141 litros per capita ao ano) dessas bebidas no ano passado, das quais 72% mobilizados pela soma de refrigerantes com água mineral. O estudo também desvenda movimentos chave como crescimento de sucos puxado por embalagens individuais, com foco na experimentação e democratização do consumo, e a projeção de gradual recuo no consumo de água mineral em galão entre 2018 e 2013, com lenta reação nas vendas hoje declinantes de refrigerantes neste mesmo quinquênio. Nesta entrevista, Angélica Salado, consultora de pesquisa da Euromonitor, interpreta os principais resultados do levantamento.

Angélica Salado: bebidas saudáveis ainda fora da cesta do consumidor de baixa renda.

Para cada litro de suco se consome no Brasil 6 de refrigerante e 4 de água engarrafada. O comparativo é explicado apenas por preço ou também pelo baixo consumo nacional de frutas?
Essa diferença vem mais por questões culturais e de familiaridade com os produtos. Algumas categorias de bebidas como sucos, chá pronto para beber( RTD) e até mesmo a água engarrafada só muito recentemente passaram a fazer parte da cesta de bebidas do brasileiro, enquanto o refrigerante já desfrutava alta penetração. O preço passa a ser um componente mais decisivo na escolha, em especial nos momentos de crise, quando o orçamento disponível fica mais restrito e torna-se necessário priorizar itens em detrimento de outros. Conforme o cenário econômico melhore, é esperado que este gap entre o volume consumido de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas continue a diminuir. Mas, ao menos até 2023, os carbonatados ainda devem constituir a categoria mais importante no mercado brasileiro desse segmento.

Por que água em garrafa, chás RTD e sucos são os segmentos de bebidas não alcoólicas considerados mais promissores no Brasil pela Euromonitor para o período 2018-2023?
O movimento de busca de um estilo de vida mais saudável nem é mais uma tendência, mas uma realidade. Estes tipos de bebidas são percebidos pela população como mais saudáveis, tendo crescido significativamente ao longo dos últimos anos por lançamentos com menos açúcar, maior conteúdo de suco, benefícios funcionais etc. Mais do que isso, muitas dessas bebidas ainda não integram a cesta dos consumidores de renda menor; eles nem sequer chegaram ainda a conhecer esses produtos. Daí porque o potencial de consumo per capita dessas bebidas ainda é muito grande. Como já comentado, para cada 6 litros de refrigerante, o brasileiro consome apenas 4 de água e 1 de suco. Ainda existe um desequilíbrio muito grande na cesta de bebidas e os consumidores estão mais dispostos a experimentar outros produtos no gênero.

Por que as perspectivas da Euromonitor são frias para bebidas esportivas e energéticas, apesar do culto à saudabilidade?
No geral, isotônicos e energéticos não são considerados produtos essenciais pela população, ainda mais em conjunturas de crise. Existem outras bebidas mais comuns ao paladar do brasileiro. Dos pontos de vista natural e funcional, elas acabam substituindo isotônicos e energéticos, casos respectivos de água de coco e café. O cenário é ainda mais delicado no caso dos energéticos, hoje sob concorrência também das bebidas alcoólicas pré-misturadas e prontas para beber. Essa categoria cresce a duplo dígito em volume total e ocupa a mesma ocasião de consumo que o combo destilado + energético. Será preciso que isotônicos e energéticos passem por uma reinvenção significativa de proposta de valor e posicionamento nos próximos anos para retomarem os patamares de mercado pré-crise.

Refrigerantes

PET com todo o gás

Ao longo desta década, as garrafas de PET têm ampliado sua participação no mercado nacional de refrigerantes, enquanto latas e frascos de vidro perdem terreno e, no balanço mais recente, a embalagem de poliéster responde por 88% do consumo. Muitos lances da escadaria abaixo figuram recipientes metálicos, com parcela de 7% e de vidro, com 5%. Autora dessas estimativas, a Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), cujos filiados atuam com marcas regionais, atribui ao quinhão de PET 90% do valor do segmento de referigerantes, cabendo 2% a lata e 8% ao vidro, considerando-se o universo de micro, pequenos e médios fabricantes da bebida. Segundo a entidade, a garrafa PET de dois litros é a preferida do público. Em paralelo, a Afrebras atenta para a ascensão de garrafas menores de PET e enxergando seus volumes como perfeitos (pois não sobra nem falta) para consumo não domiciliar, a exemplo do on the go (em trânsito). Antenada também no embarque do consumidor na busca de saúde e bem estar, a Afrebras informa que seus associados, já com produtos zero açúcar e de baixo teor de sódio nos mostruários, vêm diminuindo as quantidades de açúcar e trocando o tipo cristal por orgânico ou edulcorantes naturais e aromas artificiais por originários do ecossistema.

Qual o vínculo enxergado pelo estudo da Euromonitor entre sustentabilidade e a migração para garrafas menores de água?
Não só no mercado de água engarrafada, mas em sucos e refrigerantes, existe um crescimento acentuado de recipientes individuais (até 500ml). Eles traçam um cenário de crescimento em número de unidades de embalagem vendidas muito acima do total de vendas em litros. Assim, o ritmo de aumento em número de embalagens passa a ser muito maior que em volume. No caso de algumas marcas de refrigerantes, para cada litro da bebida são vendidas cinco embalagens de 200ml. Essa tendência rumo às embalagens menores é uma estratégia interessante por diversos motivos: elas ajudam a controlar a porção ingerida, atendem ocasiões de consumo específicas de maneira conveniente, promovem experimentação e são oferecidas a um valor acessível a quem não pode ou não quer pagar o preço de uma embalagem grande. É importante, no entanto, que o aumento da oferta dessas embalagens esteja associada a uma política sustentável consistente, caso contrário poderá afastar os consumidores mais conscientes sobre o impacto ambiental de suas escolhas.

Quais as ações ao alcance do segmento de sucos para ofertar preços mais próximos de refrigerante e água e para realçar a qualidade como justificativa para seu preço maior?
A diversificação do portfólio das embalagens tem se mostrado como a iniciativa mais eficaz para garantir aos consumidores, mesmo os de classe média, acesso a produtos com posicionamento de preço maior. Por meio das embalagens individuais, ainda que o preço por litro seja maior, o consumidor pode experimentar – ou manter um consumo como indulgência – a um desembolso imediato menor. Foi, em partes, a estratégia adotada por marcas como Natural One (negou entrevista) e Prat’s, que muito têm ajudado a democratizar o conceito de suco integral no Brasil. Além disso, a comunicação mais clara nas embalagens sobre a quantidade de suco tem contribuído para que muitos consumidores façam um upgrade do néctar (entre 25% e 99% de suco) para o suco integral: hoje, um litro de suco integral de marca mais acessível custa quase o mesmo que um néctar premium. Neste sentido, o consumidor mais atento vê vantagem em pagar algo mais por um produto com conteúdo de suco muito maior.

Água Mineral

Os rumos do tamanho

Carlos Alberto Lancia, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam) discorda da tendência de migração para embalagens menores em seu setor, percebida no estudo da consultoria Euromonitor sobre o mercado nacional de bebidas não alcoólicas. “A inclinação é pelo deslocamento para embalagens maiores”, sustenta o dirigente. “Seu custo/benefício é superior e permitem, inclusive, o refil doméstico de frascos menores para se ingerir água fora de casa ou em movimento (on the go)”. Lancia encaixa que, se há uma categoria de bebidas não alcoólica na qual frascos menores surrupiam mercado dos grandes, é a de refrigerantes. “É decorrência da pressão da preocupação com a saúde, através da redução do consumo de bebidas gaseificadas e açucaradas”, interpreta. De volta à água mineral, o presidente da Abinam assinala que embalagens menores de PET estão tomando terreno dos copos de polipropileno selados. “A disponibilidade deles é instável, a depender dos volumes dirigidos a alimentos como laticínios como iogurtes”, comenta Lancia. “Na conjuntura atual, a posição do iogurte no orçamento doméstico enfraqueceu, mas a indústria de água mineral não pode depender de uma oferta oscilante dos copos”.

O predomínio no Brasil da caixa cartonada em sucos continua garantido ou existe a tendência de este quadro mudar em favor de outras alternativas de embalagens?
O mercado de sucos passa por uma das suas mais intensas revoluções das últimas décadas. Néctares vêm perdendo a supremacia, enquanto refrescos, água de coco e sucos integrais ganham espaço. Para reforçar o posicionamento de serem diferentes do néctar – hoje sofrendo com a percepção de baixo teor de suco e muito açúcar – muitas marcas têm optado por embalagens diferentes, como plásticas e de vidro. A expectativa para a categoria é de que, neste sentido, PET ganhe mais espaço conforme evolua sua tecnologia para oferecer todas as barreiras necessárias à conservação do produto a preços mais competitivos e alavancando a participação de mercado conforme os fabricantes de embalagens de vidro enfrentem as dificuldades notadas em 2018 para aumentar sua capacidade produtiva e corresponder às expectativas de diferentes categorias de bebidas não alcoólicas.

Em termos da percepção de custo/benefício, em quais categorias o consumidor hoje menos entende que o preço destoa da qualidade oferecida?
O que podemos afirmar é que existem categorias que optam por reforçar o preço mais barato como seu principal atributo, caso dos concentrados em pó e líquidos. Mas este fator de diferenciação vai na contramão do que outras bebidas vêm fazendo: enfatizar a qualidade. Por isso, o consumidor que compara preço com qualidade pode perceber o produto de modo negativo, mas trata-se de um comportamento muito pessoal. Esse movimento ficou muito claro em fases de crise econômica nas quais marcas de suco integral adotavam um posicionamento tipo “eu custo mais, mas tenho mais conteúdo de suco” e outras de concentrado que comunicavam “com o que você gasta de refrigerante em X dias, pode fazer suco pra uma semana”. São escolhas de cada marca e de cada categoria. A embalagem pode contribuir para melhorar a percepção de qualidade do consumidor, mas, em última instância, a os reais atributos do produto têm peso maior na decisão de compra.

Por que a tendência de proliferação no Brasil de lojas menores e focadas no consumo imediato pode constituir, na visão da Euromonitor, uma provocação para novos tipos e tamanhos de embalagens como as de bebidas não alcoólicas?
Nos últimos cinco anos, em especial, a emergência e consolidação dos atacarejos vendendo produtos em grandes quantidades, as marcas têm se movimentado para oferecer embalagens maiores, a preços mais acessíveis e adequadas para consumo e compra em larga escala. Nos grandes centros, no entanto, essas lojas nem sempre estão em locais ao alcance de consumidores sem carro, dependentes de transporte público ou que precisem fazer compras rápidas e repor alguns itens específicos em casa. É neste contexto que ganha espaço a contra-tendência das lojas de conveniência, oferecendo pontos de venda de fácil acesso – ainda que nem sempre os preços sejam os mais competitivos, mas este acaba sendo o custo da conveniência. Essas lojas tendem a ser menores e com espaço de gôndola limitado, justo o oposto do ambiente dos atacarejos. Assim, num cenário de canais onde crescem lojas muito grandes e outras muito pequenas, o desafio para os fabricantes será, cada vez mais, oferecer um portfólio de embalagens diversificado e capaz de preencher as exigências de ambos os tipos de loja e sua clientela.

Chás & Sucos

Rei do Mate: como vender (e beber) saúde

Silva: crescimento da rede movido por consumidor em busca de experimentação, saudabilidade e conveniência.

“Nossas vendas de mates para consumo cresceram mais de 22% no primeiro semestre sobre o mesmo período em 2018 e, na esfera dos franqueados, pretendemos abrir 15 lojas até dezembro, fechando o ano com mais de 320”, comemora João Baptista da Silva, diretor de franquias e expansão da rede de alimentação Rei do Mate. À parte o tino empresarial, o sucesso do Rei do Mate, com mais de 40 anos de estrada, ancora-se, como confirma o porta-voz, numa transformação dos hábitos e estilo de vida de um consumidor mais empoderado, ciente dos benefícios da alimentação saudável e atrás de experimentação e conveniência. Além de uma multidão de versões de mate e chá verde, o Rei do Mate acena em sucos com os tipos detox, de pitaya e abacaxi com água de côco. Silva esclarece que serve seu público em duas frentes. “Nas lojas físicas, a cargo da rede franqueada, onde os mates são feitos na hora em mais de 100 combinações, e na venda no varejo de produtos prontos para consumo, resultando numa operação de artigos complementares em canais não concorrentes”.

O mercado crescente de café em grãos é dominado por embalagens flexíveis como sacos e pouches. Por que a Euromonitor acha que há espaço para diferenciar o produto via embalagens como PET?
Conforme os consumidores disponham de mais acesso a informações sobre a bebida, a relação com a escolha de marcas também evolui. O número de marcas de café no país é enorme e, para grande parte delas, a concorrência se dá apenas em preço, com pouca variação de sabor, baixa diversificação de embalagens e pouco trabalho de marca. No entanto, para aquelas que buscam se diferenciar e ajudar o consumidor a aproveitar ao máximo o café escolhido, um dos atributos mais relevantes a serem oferecidos na embalagem é o sistema “Abre & Fecha”. Ou seja, poder fracionar o consumo de uma embalagem de café sem comprometer as características adequadas de conservação. Enquanto algumas marcas optam pelos pouches com sistema zip, por exemplo, outras inclinam-se pelo plástico rígido ou vidro. À parte o material escolhido pela marca, o denominador comum ainda é a possibilidade de fracionar o consumo sem perder qualidade do produto. Esta deve ser uma das principais áreas de investimento dos fabricantes de café no Brasil ao longo dos próximos cinco anos: a indústria já ganhou o consumidor no produto, no sabor, e na qualidade. Agora é hora de melhorar a experiência do usuário por meio de uma embalagem à altura do produto. •

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