A tensão está subindo

Prostrada, a indústria plástica argentina depara com prognósticos negativos

As últimas projeções apontam para uma queda de 3% no PIB da Argentina neste último ano do governo Macri. O declínio da economia, em franco contraste com o otimismo reinante em 2015, quando o kirchnerismo foi escorraçado nas urnas, irradia-se pelo mercado interno de termoplásticos. De acordo com o pente-fino de 2018 executado pela Camara Argentina de la Industria Plastica (CAIP), o consumo aparente de resinas murchou de 1.650.710 toneladas em 2017 para 1.483.393 no ano passado, bons degraus abaixo das 1.834.326 toneladas no primeiro período do governo Macri. No embalo da descida da ladeira, o consumo per capita caiu de 45 kg em 2015 para 40,1 kg em 2018, o mesmo patamar de 10 anos atrás, na medição da CAIP. Por essas e outras, a regra no ano passado entre as petroquímicas locais foi engordar as exportações para manter as plantas com ocupação aceitável.

“A perspectiva imediata é bastante negativa, pois as empresas têm de suportar aumento de custos de serviços e matérias-primas e uma desmedida pressão fiscal e sindical sobre os salários, frente a uma demanda que segue estancada ou recuando”, consideram Jorge Bühler Vidal, diretor da Polyolefins Consulting e Oscar Lopez, diretor executivo da consultoria Unisouth SRL. Vidal e Lopez também são, respectivamente, presidente e vice-presidente da entidade PetroChemical Consulting Alliance. Seja qual for o vencedor nas eleições presidenciais de 27 de outubro, pressupõem os dois analistas argentinos, enfrentará uma situação bastante espinhosa. “A permanência do atual governo manteria o apoio externo à economia, enquanto a alternativa do retorno do regime kirchnerista provavelmente voltaria a isolar muito mais o país”.

Vidal e Lopez rememoram que, ao adentrar na Casa Rosada, Macri despertou vibração na indústria em geral com medidas como a abertura do mercado e o fim do controle cambial e da maquiagem dos indicadores econômicos. No entanto, a implantação acelerada de determinadas medidas corretivas, como a atualização das tarifas de serviços públicos, impactaram com dureza no poder aquisitivo e nas despesas da manufatura.” O súbito salto nos custos de produção da indústria plástica, com consequente aumento da inflação acentuou a queda no consumo e nas margens das empresas”. Para fechar de vez o tempo, completam os dois consultores, a mudança das condições internacionais e determinadas medidas econômicas e de gestão equivocadas do governo empacaram a esperada retomada argentina. O fim do mandato de Macri é marcado por ações emergenciais para frear a perda de reservas do Banco Central, com sequelas indesejadas como taxas de juros na lua, aumento de subsídios para setores não produtivos e contenção do comércio exterior, descrevem os dois consultores.

Hoje em dia, a Argentina produz apenas as resinas commodites, quando muito fornece com discrição compostos de engenharia com polímeros importados. A foto tirada pela CAIP da produção de termoplásticos convencionais (ver quadro à pág. 22) revela um parque industrial à beira da saturação e com planos de expansão inibidos até o passado recente pela energia insuficiente. A cargo da Dow, a capacidade doméstica de polietilenos (PE) é estimada em 665.000 t/a, enquanto a de PVC, controlada pela brasileira Unipar Carbocloro, paira em 230.000 t/a. No mais, a Argentina tem hoje potencial para gerar 310.000 t/a de polipropileno (PP); 64.000 t/a de poliestireno (PS); 21.100 t/a de PS expandido (EPS); 205.000 de PET grau garrafa e 67.525 t/a do poliéster grau têxtil.

Em sua varredura, a CAIP registra 2.605 fábricas transformadoras na Argentina em 2018 contra 2.815 no início do governo de Maurício Macri, em 2015. “Nos últimos 30 anos, a tendência geral tem sido a redução da quantidade de unidades e aumento da mão de obra, através da consolidação de operações em plantas maiores na capacidade e quadro de pessoal”, explicam Vidal e Lopez.

Termoplástico mais consumido no planeta, PE acusa na Argentina, desde 2006, um consumo aparente bem perto do limite da capacidade do complexo da Dow em Bahia Blanca. “Em condições normais, o quadro exigiria a construção de mais unidades da poliolefina, mas a escassez de gás natural então em vigor inviabilizava essa empreitada”, notam os consultores. “Mas agora, com a abundância de gás natural disponível para suprimento interno e exportações, se deveria presenciar a montagem de outras fábricas de PE, mas nada foi noticiado a respeito”. Vidal e Lopez também justificam este mutismo com a influência exercida pelo descomunal e crescente excedente de PE nos EUA, com natural canal de desova na América do Sul. Em paralelo, ambos os consultores lembram a ocorrência de paradas por força maior no complexo de PE em Bahia Blanca, reduzindo a oferta doméstica e ensejando importações adicionais. “Uma planta da resina de baixa densidade (PEBD) explodiu em 2015 e foi religada um ano depois e, desde junho deste ano, o mesmo complexo da Dow continua paralisado por um corte regional de energia e explosão de um cracker de eteno”.

PE é unha e carne com embalagens, maior campo (45,5%) de aplicações de resinas na Argentina. Outra frente para PE que continua a crescer à margem dos corcoveios da economia, destacam Vidal e Lopez, é a produção de silos bolsas para o agronegócio. “Resinas para autopeças sofrem com a queda da produção de veículos na Argentina e no Brasil e plásticos para injeção de componentes de eletrodomésticos se ressentem na Argentina da disputa com peças do Brasil e da Ásia, estas a preços muito competitivos.”
As pressões em favor da sustentabilidade também atazanam, na Argentina, a vida de resinas com assento em descartáveis e embalagens de uso único. Vidal e Lopez distinguem a proibição, vigente em quase todo o país, para supermercados darem sacolas de saída de caixa. “Isso levou à redução no consumo de milhares de toneladas de resinas e, por tabela, prejudicou transformadores pequenos e médios dessa embalagem com dificuldades para adaptar suas linhas a outros tipos de flexíveis”, eles comentam. “E restrições similares começam a vingar em outras frentes de descartáveis, afetando aplicações de PS e PP”. À primeira vista, reconhecem Vidal e Lopez, a ofensiva ambientalista é ruinosa para a indústria plástica. “Mas, ao se considerar que, em muitos casos, alternativas como vidro, papel, alumínio e cartão são piores, conclui-se que o setor plástico pode progredir realizando ajustes relativamente pequenos a estas circunstâncias”.

A consultoria brasileira MaxiQuim também marca de perto as agruras do plástico na Argentina. “Muitos transformadores operam com baixa ocupação e uma importante distribuidora de resinas, que vendia a prazos longos, fechou recentemente, limitando bastante as opções locais de compra”, exemplificam Solange Stumpf e Marta Loss Drummond, respectivamente sócia-diretora e analista do mercado petroquímico.

Elas concordam com Vidal e Lopes quanto à saturação da capacidade argentina de PE. “Está esgotada, considerando o Brasl como mercado cativo dela”, julgam Solange e Marta, sustentando ainda persistir restrição de gás natural no país, “como demonstra a preferência dada ao consumo residencial de gás durante o inverno, restringindo por extensão a produção de PE no país”. As duas analistas não enxergam alteração no quadro a curto prazo, dado o alto investimento necessário na produção do gás e resina, e confirmam que a produção de PE será baixa este ano, decorrência da parada em vigor no complexo da Dow em Bahia Blanca. Por tabela, elas encaixam, a importação de resinas do Brasil e EUA devem compensar a insuficiência doméstica.

O monitoramento da CAIP atesta que as exportações argentinas de PP quase duplicaram entre 2014 e 2018, quando atingiram 98.000 toneladas. “98% dos embarques foram para o Brasil”, ponderam Solange e Marta. “O aumento das exportações argentinas configuram uma reação à queda da demanda interna, em especial no setor automotivo, e com a estagnação no Brasil, onde muitos transformadores com volumes de compras reduzidos, passaram a adquirir PP na distribuição e não diretamente da Braskem”.•

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