“A rejeição política ao plástico não é o caminho para a sustentabilidade”

Dirigente da associação Plastics Europe clama por apoio do Parlamento Europeu à reciclagem química
União Europeia: indefinições legais refreiam projetos de reciclagem química.

O falecido economista, professor e ministro Mário Henrique Simonsen dizia nada haver de mais conservador que cabeça de político. Simonsen referia-se à alergia a reformas e mudanças de fato inerente que ele considerava típica dos parlamentares brasileiros. Mas a realidade mostra que o arraigado apego do Legislativo a ideias mofadas e ao comodismo também é praxe internacional. Na União Europeia, bússola da tecnologia mundial do plástico, a cadeia do material se empenha em provar sua sustentabilidade para  políticos relutantes em homologar a reciclagem química e a decorrente regulamentação, rejeição explicada por desinformação e apreço dos congressistas por posições desprovidas de nexo mas estufadas de populismo. A situação dá o tom da entrevista a seguir de Ingemar Boehler, diretor na Alemanha da associação Plastics Europe. O depoimento integra a série “Vamos falar de Reciclagem Química?”, organizada pela divisão de plásticos e elastômeros da associação de fabricantes alemães de máquinas para as indústrias em geral (VDMA).

Em quanto tempo a reciclagem química deve atingir uma grande escala industrial?

Ingemar Boehler: reciclagem química não compete com a mecânica, mas com a incineração.
Ingemar Boehler: reciclagem química não compete com a mecânica, mas com a incineração.

Hoje em dia, estima-se que haja no mundo cerca de 140 projetos de reciclagem química e a maioria das plantas na ativa roda em corridas piloto. Mas algumas companhias já estão um passo adiante. Um exemplo da Alemanha: em Enningerloh, na região da Vestfália, a companhia Carboliq opera uma planta produtora de óleo para uso industrial resultante da pirólise de polímeros e proveniente de instalação de reciclagem vizinha. Outros projetos de fábricas de reciclagem química também estão prestes a alcançar escalas entre 40.000 e 150.000 t/a de resíduos processados. No momento, duas unidades estão programadas para rodar em alta escala na Europa: a recicladora montada pela LyondellBasell na Bélgica e a Dow avalia a construção de planta recicladora de maior porte na região da Saxônia (Alemanha) com a parceira Mura. Mas o pré-requisito para a operação dela vingar é a aprovação da reciclagem química pela legislação da União Europeia (UE). Se isso ocorrer este ano, a unidade deve partir em 2025.

Mas essa aprovação pelo Parlamento Europeu não parece assegurada.

A justificativa para a reprovação habitual de políticos, tanto na Alemanha como na UE, é de que a reciclagem química não funciona, um absurdo. Mas há uma crítica justa à tecnologia: apesar de sua grande evolução, a energia elétrica necessária é muito maior que a requerida pela reciclagem mecânica. A reciclagem mecânica é bastante eficiente para o trabalho com garrafas PET, por exemplo. Elas podem ser mecanicamente recicladas por dúzias de vezes até as estruturas do polímero não suportarem mais reúsos. Na legislação em vigor na UE, a ideia é queimar esses polímeros que ultrapassaram os limites para reciclagem e reúso e gerar energia com eles. No entanto, o custo da incineração é alto é o processo libera dióxido de carbono. Então, em vez da incineração, seria bem melhor, a meu ver, reciclar esses polímeros. Na melhor das hipóteses, não há liberação de dióxido de carbono e o carbono continua a circular. Portanto, a reciclagem química não compete com a mecânica, mas com a incineração.

Aonde mais a reciclagem química faz sentido?

Ela viabiliza o processamento de frações de sucatas para as quais a reciclagem mecânica tem eficácia mais limitada, caso de pneus de carros. Podemos reciclar mecanicamente partes do pneu, mas precisamos complementar o trabalho com processos químicos para recuperar o carbono e mantê-lo no ciclo. Na indústria de reciclagem, meu setor, estamos convencidos de que isso vai acontecer. Se obstruirmos politicamente a reciclagem química na UE, o mundo segue para essa posição, mas confio que acabaremos tendo essa tecnologia em ação no continente.

Por que está tão confiante?

A rigorosa separação de campos de atuação e grupos de interesse no setor está suavizando. Não temos mais apenas produtores de plásticos virgem investindo na reciclagem química; grandes empresas de reciclagem mecânica cada vez mais ingressam no segmento. Em contrapartida, recicladores pela rota química estão construindo unidades de recuperação mecânica porque querem reaver o carbono pelas duas vias. É cada vez mais claro que a cominação dos dois processos faz sentido se você quiser se livrar de montanhas de resíduos e estabelecer uma genuína economia circular.

Mas muitos recicladores mecânicos ainda temem a competição com os do processo químico pelos fluxos de suprimento de resíduos.

Meu medo, como reciclador mecânico de porte médio, não é de quem monte uma planta grande de reciclagem química e compre frações de resíduos no meu lugar. Meu medo é de quem tenha poder para investir em unidades de reciclagem mecânica tão ou mais eficientes e competitivas quanto a minha operação – e isso vai acontecer e é uma preocupação comum a qualquer empresa em nosso ramo. De novo, a questão volta à arena política para o estabelecimento das diretrizes adequadas de conduta. Em termos simples, isso significaria que tudo o que possa ser mecanicamente reciclado o seja enquanto for possível. Parcelas de resíduos inviáveis para a reciclagem mecânica devem alimentar outros processos para manter o carbono dentro do ciclo enquanto possível; desse modo você estará do lado seguro e isso é tudo o que políticos necessitam para regular o mercado aberto.

E o que os políticos devem e não devem fazer?

A questão é aproveitar a oportunidade para conduzir a cadeia plástica à neutralidade climática e economia circular. Muitas das tecnologias existentes para isso não são bem-vindas por políticos em diversas esferas. Nossa cultura política, em especial na Alemanha, não é receptiva à inovação, mas à segurança, precaução e coisas que as pessoas conhecem. Mas a transformação da indústria plástica, como a de outros setores, é um grande empreendimento. Os políticos não devem desacelerar esta mudança, mas saudar a inovação. O repúdio ao plástico precisa parar e há uma boa razão para o consumo do material continuar a crescer: porque podemos com o material obter produtos mais sustentáveis e recicláveis. Grandes erros foram cometidos no passado, caso de permitirmos o despejo de lixo plástico nos aterros e desenvolvimentos com muito vagar os sistemas de coleta e separação. Podemos e devemos lamentar essas falhas, mas devemos agora alavancar a sustentabilidade. A rejeição política ao plástico não é o caminho para a neutralidade climática e economia circular.

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