A nova fronteira está na mão

Grafeno vai afiar inteligência do setor plástico no Brasil

Em cerca de um século de existência, os termoplásticos firmaram-se como primor tecnológico em virtude de suas propriedades intrínsecas e, quando necessário, revigoradas por materiais auxiliares convencionais. Corte para o amanhã: a segunda revolução dos polímeros grassará pela incorporação a eles de um divisor de águas chamado grafeno, o material mais resistente e maior condutor de calor e eletricidade já conhecido. O Brasil está no grid de largada nessa corrida, escorado na posse de uma das maiores reservas mundiais de grafite, matéria-prima do grafeno. Agora, um esforço sem alarde por anos a fio da quinta-essência do meio acadêmico traz à tona as primeiras provas da produção exequível desse nanomaterial bidimensional à base de carbono. Viabilizados por contínuo apoio federal, esses empreendimentos em universidades rumam céleres para a escala industrial e o ingresso do grafeno, a custos plausíveis, em setores que abrangem de plásticos e têxteis à indústria automobilística, eletrônica e informática.

Uma peça-chave dessa nova fronteira para o plástico é o Projeto MGrafeno, um bem casado materializado em 2015 entre a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN). É no campus em Belo Horizonte do CDTN, por sinal, que roda desde 2018 a planta de 300 kg/a de grafeno, inclusos no mix o tipo de até cinco camadas e de seis a 10 (nanoplacas de grafeno). Esta unidade, por sinal, está planejada para ter sua capacidade modular elevada, de início, ao patamar de 500 kg/a até o começo de 2023. Ela estará então sob comando da Neographene, empresa hoje em implantação e idealizada para tocar a escala industrial e vendas da nanocarga. O parque fabril do Projeto MGrafeno inclui ainda uma capacidade para gerar 2.6 t/a de nanografite, material que dispõe de 11 a 300 camadas, também acenado para aplicações industriais. “Entretanto, não o chamamos de grafeno atendendo à norma ISO, segundo a qual podemos classificar como grafenos apenas materiais abaixo de 10 camadas”, justifica a doutora Adelina Pinheiro Santos, tecnologista do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear do CDTN.

Flexíveis e rígidos
“Estamos desenvolvendo projetos para aplicar grafeno nas matrizes de polipropileno (PP) e polietileno (PE) para produção de filmes finos destinados a embalagens de alimentos de melhores propriedades mecânicas e propriedades de barreira a oxigênio e à umidade”, anunciam Adelina Pinheiro Santos, a também doutora Wania Aparecida Christinelli e o engenheiro Xavier Raby, ambos cientistas do Projeto MGrafeno. Na esteira, eles ressaltam as parcerias em torno de aplicações industriais entabuladas com 20 empresas, das quais cinco do setor plástico e mantidas por ora em sigilo.

Entre os estudos em andamento, Adelina e Wania destacam a pesquisa para agregar grafeno a matrizes de resinas visando a fabricação de dissipadores de calor para dispositivos eletrônicos e o desenvolvimento de um não pormenorizado polímero biodegradável. “Tem uso como plástico de engenharia e na indústria têxtil”, abre Adelina.
Na esfera das embalagens, distinguem as pesquisadoras, a adição do grafeno contempla termoplásticos com o refinamento das características físicas, condutoras, bacteriostáticas e de barreira a gases e à umidade. No âmbito de flexíveis, reiteram Adelina e Wania, grafeno bate as cargas minerais de praxe por aliar ganhos mecânicos, de barreira e propriedades elétricas, configurando assim condições sob medida para embalar componentes e circuitos eletrônicos, por exemplo. No cercado das peças plásticas rígidas, as especialistas acenam para componentes automotivos e eletrônicos com as virtudes do grafeno como dissipador de calor, um atributo providencial para produtos dependentes do controle térmico de sua operação e sob risco de perda de eficiência causado pelo aumento da temperatura durante sua utilização.

Cada caso é um caso
A transferência do esforço mecânico entre o polímero e as partículas de grafeno diminui com o aumento do número de suas camadas. “É uma decorrência do deslizamento entre as camadas internas da carga agregada à resina”, explicam as cientistas do projeto mineiro. “Isso faz com que as nanoplacas de grafeno tenham um módulo de Young (medida de resistência à tração) menor que o dos tipos de até cinco camadas, sendo assim menos eficazes para ampliar a rigidez do termoplástico”. Esse declínio de eficiência pode ser compensada pelo aumento de quantidade de nanoplacas, aliás mais acessíveis que o grafeno de poucas camadas. No geral, porém, Adelina e Wania salientam que a seleção do tipo adequado de grafeno a ser acrescido ao polímero deve considerar também fatores como a processabilidade do composto e a necessidade de se acrescentar ao composto outras propriedades do nanomaterial. “Por exemplo, podemos ter, numa mesma matriz, situações em que um tipo de grafeno é mais apropriado para aprimorar a blindagem eletromagnética, enquanto outra versão da carga aumenta a resistência da resina á abrasão”, atestam os pesquisadores. “Cada matriz e propriedade-alvo requerem abordagens específicas”.

Em regra, elas apontam, a estratégia de incorporação mais impactante para as propriedades do composto envolve uma pré-dispersão do grafeno no monômero em meio líquido, atividade passível de execução apenas em parceria com a petroquímica produtora da resina em questão. “Essa modalidade proporciona alto nível de dispersão na matriz polimérica e melhor interface entre as superfícies do polímero e do grafeno”, sustentam as especialistas. No caso de trabalho com o termoplástico já polimerizado, elas detalham, as principais rotas de incorporação do grafeno são a dissolução em solvente (mistura por solução) e a extrusão (mistura por fusão), esta última vista como a alternativa mais promissora por ensejar a incorporação em escala industrial de forma limpa e segura. Adelina e Wania ponderam que as três rotas (polimerização, dissolução e extrusão) podem ser entrelaçadas para aperfeiçoar a dispersão do grafeno.

Polímeros repaginados
O presidente Bolsonaro inaugurou em 9 de julho último, no campus na Serra Gaúcha da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a unidade da UCSGRAPHENE. Fruto de 15 anos de pesquisa de nanomateriais, esta planta de 500 kg/a de grafeno e cuja capacidade modular é cogitada para chegar a 5 t/a, ao sabor do desdobramento da demanda, roda desde março de 2020. Sua inauguração oficial foi postergada devido à pandemia. “Junto com a empresa privada Zextec Nano, ofertamos serviços de produção, caracterização e aplicação do nanomaterial”, delimita o professor e doutor Diego Piazza, coordenador da UCSGRAPHENE, operação integrante do Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação da UCS. “Atuamos em desenvolvimentos para frentes que vão da área da saúde à construção civil e, nesse escopo, temos nos conectado ao setor plástico perscrutando aplicações potenciais de termoplásticos e termorrígidos acrescidos de grafeno, a exemplo de peças técnicas mais leves, melhor acabadas e com redução nos teores de insumos da composição”.
À parte ganhos no processamento, Piazza enxerga uma batelada de oportunidades a tiracolo da profusão de mudanças em propriedades nos polímeros advindas da adição de grafeno. “É o caso das alterações da tensão superficial dos produtos, podendo resultar numa superfície hidrofóbica e autolimpante, ou do poder de barreira proporcionado pelas nanopartículas na matriz polimérica, tornado um filme mais resistente à permeabilidade de íons e moléculas, ou então, o grafeno pode contemplar o composto com atributos como barreira térmica, comportamento antichama ou resistência à radiação ultravioleta”, ele exemplifica.

Dispersão e homogeneização
O coordenador da UCSGRAPHENE engrossa o coro de que o acréscimo da carga a um polímero não pode ser determinado apenas pela sua quantidade de camadas. “Seja para aplicações como filmes, sacarias, peças estruturais ou de acabamento, as propriedades conectadas à nanotecnologia não são lineares, ou seja, não há um padrão definido”, ele sublinha. “Grafeno é um material disruptivo de propriedades superlativas; cada aplicação implica um conjunto de características poliméricas modificadas e a seleção do tipo da carga não pode prescindir da análise da viabilidade técnica e econômica do uso em questão”.
Tal como o Projeto MGrafeno, a UCSGRAPHENE se propõe a auxiliar a cadeia plástica na concepção de tecnologias dedicadas a desencavar excelência na manufatura do composto com a nanocarga e na aplicação em vista. No âmbito do processamento, Piazza enxerga como desafio-chave a dispersão e homogeneização adequadas do grafeno na matriz polimérica, gerando impacto contundente na conformação do composto. “Esse resultado depende de equipamentos que garantam níveis de cisalhamento adequado”, ele frisa, ressaltando que o emprego do grafeno e seus derivados aprimora a produção da resina beneficiada. •

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