Um outro olhar

Sobram motivos para o setor plástico não deixar a crise virar ideia fixa

Em tempos cavernosos, a imprensa costuma ficar infestada de textos a martelar o clichê da crise como tradução de oportunidades ou estufados de conselhos para afugentar o desânimo ou de mandamentos dos gurus empresariais para levantar a poeira e dar a volta por cima. É um enfoque com tudo a ver num mercado editorial de vendas lideradas por livros evangélicos, de autoajuda ou de manuais para subir rápido na vida – sete passos para isso e aquilo, o abc do mapa da mina, como aplicar a cabala nos negócios. O caldo engrossa com a avidez do público por obras de numerologia, feng shui  ou qualquer outro modismo esotérico para atrair fluidos tão bons que, quem sabe, façam até acontecer um momento de serendipity. Trata-se de uma das palavras em inglês mais difíceis de se traduzir ao pé da letra. Digamos que seja o sentimento de felicidade com algo de bom achado por acaso, o deslumbramento com uma descoberta acidental.

Mas milagre não é commodity e, por tabela, serendipity se materializa apenas para uns gatos pingados. Na vala comum dos mortais no batente, o transformador de plástico hoje coça a cabeça diante das máquinas com pouco ou sem serviço e sua frio ao somar os custos aumentados pela capacidade ociosa e ter de passar pelo dilema de elevar o preço, com efeito negativo em cascata até a prateleira na loja, ou conformar-se com a perda de sua rentabilidade. É uma escolha de Sofia – a necessidade de decidir com urgência entre duas opções cruciais. Lógico que a preferência vai do foro de cada empresário mas, seja qual for a alternativa, o final do filme não é feliz.

No plano geral, o transformador espera que seu cliente lhe deposite no colo a receita de uma inovação. Mas em fases de vacas magras, convém sair da passividade e engraxar a imaginação. Isso não significa voar alto na maionese das tecnologias divisoras de águas, ou então, de se meter em algo que sua parceira, a indústria final, faz melhor com um pé nas costas. Basta prestar mais atenção às mexidas em andamento no cenário e ver se dá para tirar proveito. Exemplos? A população da terceira idade já compõe um mercado de peso, compensador para o desenvolvimento de transformados para um exército de mercados, de embalagens e UDs à construção civil e recursos para mobilidade segura – alguém sabe de uma simples escada móvel nacional com corrimão? Em frente: no Brasil, plásticos de engenharia e carros são braço e cotovelo. A produção automotiva hoje jaz no volume morto, mas o câmbio anima a nacionalização de um punhado de peças técnicas antes importadas para outros mercados. Outras promessas para desenvolvimentos com plásticos são emitidas pelo interesse maciço  por gastronomia acessível, abrindo nichos alimentícios, ou pela simplificação dos afazeres do lar, mérito de fatores como o encarecimento das empregadas domésticas, do trabalho profissional em casa e do menor número de filhos.

E pode cair o mundo, mas está para nascer quem tire a vaidade dos motores do consumo da população e artigos como cosméticos dão graças por isso. “Hoje o consumidor economiza nos produtos de limpeza, mas não abre mão dos itens premium adquiridos no passado de maior poder aquisitivo. Ele também acaba deixando os supérfluos e trocando as marcas mais caras pelas mais baratas”, declarou na mídia Rodrigo Mariano, executivo da Associação Paulista de Supermercados.

Não raro, esse olhar mais de perto flagra contradições de fascinar o transformador. Uma ala diz que, em tempos bicudos, a caça ao preço põe em alta as embalagens de porções menores, enquanto outra corrente defende que a preferência do momento é pelas compras de pacotes maiores para estocar. Entre as duas visões, pode haver um filão para o setor plástico cavar.

Quem procura acha e, parado, até as chances de serendipity acontecer ficam ainda mais longe.  •

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