Por trás da cara pintada

Por que o perfil da indústria de reciclagem caminha para uma guinada

Pergunta da hora: qual o ponto em comum entre LyondellBasell, Ineos Styrolution, Eastman, Basf, Braskem, Total, Indorama, Alpek, Milliken e, para não alongar a lista, que tal Azek, Uflex e Berry?

Resposta: todas essas cabeças coroadas da petroquímica, química e transformação mundial têm estendido o braço na reciclagem mecânica ou química, seja em projetos, pesquisas, joint ventures ou investindo em plantas próprias ou adquiridas de recuperação de refugo plástico. Movidas pelo trovejar da economia circular, essas companhias estão rompendo com o modelo empresarial abraçado pelo setor plástico até a década passada, do foco absoluto no negócio da vocação original (core value), e agora elas pulam a cerca da sua cadeia industrial e dão as caras na reciclagem.
Essa guinada é pautada tanto pelo bom mocismo verde como pelo faro para novas fontes de ganhos. Ela também traz à tona um quebra cabeça colateral: a incógnita quanto ao futuro da empresa de reciclagem. Ela tende a manter seu atual perfil dominante de negócio independente ou caminha para a imagem prevalecente de uma operação vinculada a matérias-primas ou artefatos transformados capazes de gerar valor adicional pelo seu reúso?

Poente da globalização
“Eu acho que estamos presenciando uma quebra de paradigmas nas diretrizes da indústria do plástico”, pondera Paul Hodges, presidente da consultoria International eChem e blogueiro do portal britânico Icis, centrado nas cadeias globais da química e petroquímica. “O ponto chave é o enfraquecimento da demanda subjacente do material devido ao envelhecimento da população nascida entre 1946 e 1964, a chamada geração Baby Boomer”, ele distingue. Em reação a este cenário, nota o analista, também tem arrefecido a necessidade que petroquímicas sentiam de melhorar os resultados pela globalização. “Desse modo, hoje está em curso uma mudança rumo ao modelo ‘fazer mais com menos’, demonstrado na substituição da globalização pela sustentabilidade como diretriz chave do setor plástico”. O problema do lixo plástico capta esta tendência em ação, considera Hodges. “Nos últimos 40 anos, a indústria de resinas voltou-se para construir fábricas maiores e mais eficientes para corresponder às exigências da futura demanda”, ele assinala. “Agora a mudança transcorre no sentido oposto, no qual fábricas de menor escala irão cada vez mais operar numa base territorial mais distribuída, agindo essencialmente como centros de recursos de alcance local”.

Manda a lógica que termoplásticos identificados com aplicações de uso único, prossegue Hodges, formem entre as primeiras áreas onde essa troca de padrão deve se concretizar.
“Afinal de contas”, ele argumenta, “não há nexo econômico em pagar US$ 60 pelo barril de petróleo e custos globais de refino, produção de resinas e logística para depois descartar uma embalagem comprada na loja após sua curta estadia no lar”. Em vez disso, ele pondera, espera-se que lixões urbanos cedam lugar a aterros sanitários e incineradores e que unidades de reciclagem mecânica e química preparem as moléculas de polímeros para reúso nos conformes da economia circular. “Indústrias químicas e de resinas têm uma escolha a fazer quanto ao futuro do seu negócio”, observa Hodges. “Algumas delas preferirão permanecer dependentes da matéria-prima virgem, por serem integradas upstream (a montante da cadeia) a produtores sem outra saída para desovar seus materiais. Mas a maioria dessas empresas vai simplesmente mudar com o tempo para o emprego de matéria-prima reciclada, tal como no passado as indústrias em geral trocaram a energia do carvão pela do petróleo e gás natural”.

Noves-fora, ele sustenta, “produtores de plásticos e químicos precisarão incrementar sua integração downstream (a jusante da cadeia) em indústrias de coleta e recuperação de resíduo pós-consumo”. Em paralelo, apimenta o blogueiro do Icis, essas empresas terão que aumentar suas atividades de pesquisa & desenvolvimento para corresponder à realidade econômica que se avizinha. “Podemos também esperar por instalações de impressão 3D na ativa ao lado desses novos centros de fornecimento de materiais plásticos e não necessariamente atreladas à gama atual de polímeros disponíveis”.

Brasil bem na foto
Hodges não fecha com a hipótese de a reciclagem mecânica ser tragada pela química. “A tecnologia mecânica tem futuro, embora limitada pela disponibilidade e uso de produtos plásticos de uso único”, ele avalia. “Por exemplo, garrafas de PET são ideais para a reciclagem mecânica, mas embalagens para itens como queijo requerem estrutura multicamada para reduzir a umidade e ampliar o shelf life. Vem daí o futuro promissor para a reciclagem química”.

Tal como a Europa, julga Hodges, o Brasil está bem posicionado para pintar como vencedor nesse novo mundo do plástico. “Na mão oposta de EUA e China, o país não fez nos últimos anos maiores investimentos em plantas petroquímicas tradicionais e já opera essa atividade através de polos, num modelo de negócio semi-distribuído”, ele argumenta. “Sendo assim, embora existam custos de amortização das fábricas de resinas existentes, o tempo para tanto pode ser relativamente longo, o que facilita a administração dessa fase, e o retorno dessas mesmas plantas proporcionará o fluxo de caixa para os novos investimentos”.

Toda mudança é incômoda, concorda Hodges, emendando ser justo esta a explicação para a popularidade dos modelos convencionais de negócios. “Mas se a mudança é inevitável, tal como se configura com a economia circular, então é do bom senso empresarial adotar uma atitude proativa para gerenciar a transição”, pondera o consultor londrino. “Veja o caso da indústria automobilística: muitas das maiores montadoras hoje lutam, com alto custo, para acertar o passo com os desafios trazidos pelo advento dos carros elétricos.É um aviso poderoso sobre os riscos de se alhear da realidade mantendo a cabeça enfiada na areia”.

Envelhecimento
Envelhecimento da população: catalisador de mudanças de paradigmas na cadeia do plástico.

Reação em cadeia
É provável que, em alguns anos, o modelo de indústria recicladora comece a ganhar feições híbridas, admite Carolina Mantilla, diretora de sustentabilidade do negócio de plásticos da Dow para a América Latina. “Nesse novo perfil, alguns players de materiais e transformados terão uma atividade de reciclagem associada, por entenderem que o controle e resultados serão maiores, enquanto outros seguirão como hoje, com parcerias estratégicas com a indústria de reciclagem”, ela pressupõe. “O que mais me chama atenção nesse tema é o fato de as discussões mundiais sobre como destinar os resíduos abrirem uma grande oportunidade de negócio, estimulando empreendedores a gerar valor no que sempre foi visto como custo”. Por sinal, salienta Carolina, todos os elos do setor plástico devem atentar para a geração de valor embutido na reciclagem. “Essa colaboração conjunta constitui a única forma para se conceber estratégias baseadas numa visão completa do ciclo de vida do produto que viabilize a economia circular”.

A metamorfose que a economia circular deve imprimir no perfil da indústria recicladora também depende bastante da região e do mercado onde o reciclado será aplicado, condiciona Fabiana Quiroga, diretora de reciclagem e plataforma Wecycle da Braskem. “O consumo de reciclado tem aumentado, levando empresas de matérias-primas e transformados a avaliarem a oportunidade de também desenvolver este negócio”, ela percebe. Como referência, ela cita os Centros de Inovação e Tecnologia de sua empresa, em Pittisburgh (EUA) e Triunfo (RS), ambos também imersos no desenvolvimento de soluções com conteúdo reciclado. Porém, devido à alta pulverização de fontes de matérias-primas, ela argumenta, soa plausível que o cenário futuro também abrigue recicladores focados apenas em sua atividade. Em paralelo, a executiva chama a atenção para empresas de gerenciamento de resíduos que estão se verticalizando na reciclagem. “Manda a lógica que, com o aumento da demanda, o reciclado deixe de ser uma opção por redução de custo para firmar-se como um produto reconhecidamente sustentável”. O fortalecimento da cadeia produtiva sob a economia circular, confia Fabiana, “desvendará filões para todos os elos do plástico”.

Pedras no caminho
“O crescimento do mercado de reciclado e da conscientização ambiental forçam os produtores de resinas a enxergar no material recuperado e na sustentabilidade partes de suas estratégias principais de atuação”, constata Attilio Contrini, diretor administrativo para o Brasil e de planejamento para a América do Sul do conglomerado mexicano Alpek, controlador da Petroquímica Suape, a única produtora integrada de PET e ácido tereftálico purificado (PTA) no país. “O forte compromisso demonstrado por produtores de resinas com iniciativas de reciclagem fortalecerá seus negócios e os vínculos com as novas gerações de consumidores”. Por sinal, a Alpek, confirma o dirigente, comanda recicladoras de PET na Argentina e EUA, com base num modelo de sustentabilidade assentado nos pilares da criação de valor, meio ambiente, comunidade e bem estar interno. “Decerto não limitaremos àqueles dois países os investimentos em reciclagem. Estamos sempre em busca de oportunidades capazes de apoiar nossa estratégia nas regiões onde operamos fábricas”.

Contrini pondera que a montagem de uma planta de reciclagem depara com eventuais senões, a exemplo do acesso ao refugo pós-consumo complicado por fatores como infraestrutura a desejar, custos de logística reversa e cultura do manejo de resíduos pós-consumo, sem falar da participação do poder público com iniciativas de apoio às empresas de coleta e processamento de lixo. “Portanto, quem investe em reciclagem precisa trabalhar com as autoridades para contar com suprimento de matérias-primas seguro, constante e confiável. Na medida em que essas condições estejam presentes, os produtores de resina virgem participarão de forma mais relevante do mercado de reciclado”.

Preços instáveis
Ainda na esfera de PET, a perspectiva de petroquímicas se infiltrarem com vigor na reciclagem é mais robusta no exterior do que no Brasil de hoje, entende Irineu Bueno, sócio e diretor da Global PET, zênite nacional da reciclagem bottle to bottle (BTB) do poliéster. “A necessidade de proteger o meio ambiente dos resíduos plásticos, através da economia circular, virou objetivo de corporações químicas e petroquímicas de amplitude mundial”, ele comenta. “Entre nós, porém, este ímpeto é menor. Os big players de PET se interessam em participar da reciclagem, mas conhecem bem os problemas estruturais daqui e, de cabelos em pé, preferem por ora bons contratos de fornecimento com recicladores a assumir uma posição no segmento. Pelo que vejo e ouço, petroquímicas, transformadores e brand owners concordam comigo”.

Como atividade empresarial no Brasil, julga Bueno, reciclar garrafas de PET não remunera o investidor e a principal dificuldade é a obtenção de matéria-prima. “Quando surge demanda pelo reciclado, não há garrafas suficientes para reciclar, onerando assim a matéria-prima do reciclador e zerando sua chance de obter lucro contundente”, ele expõe. “Por seu turno, um recuo da demanda pelo reciclado é acompanhado pelo preço da sucata de PET e, sem clientes interessados no reciclado, o desfecho é a ociosidade em indústrias de reciclagem, a ponto de, eventualmente, algumas falirem”. A saída para esse enrosco, defende o dirigente da Global PET, passa pelo esforço de clientes por manter mais estável o comportamento dos preços de PET BTB e da demanda de garrafas descartadas convergindo para o estímulo a novos métodos de coleta e aumento da oferta de matéria-prima para o reciclador desfrutar margens aceitáveis. “Também não percebo grandes empresas motivadas em empreender em sistemas de coleta, retraimento causado mais por insegurança jurídica do que financeira”.

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Envelhecimento da população: catalisador de mudanças de paradigmas na cadeia do plástico.

Expansão de 15% ao ano
Trem bala em flexíveis, a SR Embalagens controla há nove anos a recicladora Barreflex, cujo movimento é liderado pela recuperação de resíduos de poliolefinas. “Mesmo sob o impulso da economia circular, eu acho que a indústria de reciclagem deve permanecer com o atual perfil dominante de negócio independente, devido à própria natureza da atividade ou especificidades extensivas da logística da coleta ao tratamento dos resíduos e o processo de sua recuperação”, opina Sérgio Carneiro Filho, diretor da transformadora. “Eventuais verticalizações de petroquímicas e transformadores na reciclagem estão mesmo ocorrendo, mas serão exceções pressionadas pela demanda da sociedade por soluções mais amigas do meio ambiente”.

Carneiro atribui a incipiência atual de transformadores com braço na reciclagem de plástico ao restrito mercado doméstico e o baixo valor agregado do material recuperado. O jogo promete virar, ele admite, se vingarem ações coletivas na cadeia plástica rumo a melhorias na logística reversa e no tratamento de resíduos, soluções capazes de estimular o surgimento de empresas especializadas nesses tópicos, convergindo então para atrair mais transformadores ao negócio de reciclar.

A SR não tem queixas do braço estendido na reciclagem, deixa claro Carneiro. O foco inicial da Barreflex era a recuperação de aparas, em sua maioria de embalagens de alimentos, geradas por sua controladora. “Desde 2010, a recicladora apresenta crescimento na média anual de 15%, consequência do vínculo de sua atividade com a empresa-mãe”, ele confirma. “Hoje, ela trabalha com resíduos da SR e aparas compradas de terceiros, além de oferecer soluções de gestão de resíduos, inseridas nos processos de seleção e tratamento de aparas, reciclagem e regranulação dos polímeros e, sob encomenda, sua aditivação ou beneficiamento”.

A trava da coleta
A permanência do negócio autônomo como perfil dominante na reciclagem em tempos de economia circular também é antevista por Renato Weigand, dirigente do Grupo 3R, integrado por empreendimentos na pecuária sustentável (Relog), frascos soprados (Repet) e reciclagem (Revalor). “Devido à realidade da coleta seletiva no Brasil a indústria de reciclagem deve prosseguir, em sua maior parte, totalmente desatrelada de outras atividades”, ele pondera. “Se vinculada a uma estrutura maior, sua gestão se complica e seu mercado exige foco e flexibilidade do reciclador”. Daí a justificativa para que persista um número ralo de transformadores, como o Grupo 3R, com braço na recuperação de resíduos plásticos. “Quem tem indústria sabe da dificuldade para administrar dois negócios complementares, mas completamente diferentes”, encaixa Wiegand.

Na selfie atual, a Revalor responde por 10% da receita do Grupo 3R e supre 40% da resina reciclada soprada pela Repet, consumo hoje situado por Weigand em 350 t/mês. “Temos interesse em aumentar aos poucos a produção da nossa recicladora, mas sem deixar de comprar material de parceiros”. Para a performance Repet, a unidade da Revalor constitui um respaldo e tanto por recuperar aparas e perdas no processo de serigrafia, completa o dirigente do grupo em Uberlândia. “Afinal, estamos longe de indústrias prestadoras desses serviços”.

Ajustes complexos
Parceira de brand owners do quilate da Unilever, a recicladora Wise Plásticos é senhora exclusiva do seu destino. Na visão do CEO Bruno Igel e do diretor Amarildo Bazan, esta figura de empresa independente deve perdurar na reciclagem brasileira enquanto não pintarem soluções para dotar o negócio de rentabilidade condizente, um padrão de escala mais elevado e preços de mercado estáveis e viabilizadores de projetos de investimentos. “Hoje em dia, os grandes problemas são a qualidade e preço baixos do plástico pós-consumo,tirando assim o atrativo do negócio de reciclar, pois são altos os custos de captação, lavagem e extrusão”, eles argumentam.

Os dois analistas concordam que, sob a retaguarda positiva do embarque da sociedade na economia circular, o ponto de partida para enobrecer o conceito do reciclado junto aos clientes finais e, por tabela, atrair investimentos na reciclagem, é a resolução dos problemas dos resíduos plásticos para manter a saúde dos negócios a eles conjugados, como a reciclagem, evitando caminhos como taxações e banimentos de transformados sujeitos ao descarte incorreto. Na mão oposta do observado nas cadeias do papelão, vidro e alumínio, há pouca similaridade operacional entre o negócio da petroquímica e o da reciclagem de resinas. “Não há sinergias suficientes para colocá-los sob o mesmo teto”, afiançam Igel e Bazan. “Com a melhoria da qualidade e do valor agregado ao reciclado, a conta passa a fechar e recicladores e petroquímicas passarão a ver o negócio com outros olhos”.

Magnetismo da reciclagem química
Em essência, é o mesmo ponto de vista de Ricardo Mason, diretor da recicladora Plastimil. “No Brasil, a reciclagem sempre foi desafiadora, por envolver uma rede de fornecedores de resíduos em meio a uma complexidade fiscal que, muitas vezes, inibe ou inviabiliza a verticalização de transformadores no segmento”, ele considera. “Com a vigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a adesão geral à economia circular e consequente atenção prestada por grandes empresas à geração de resíduos, o futuro sinaliza uma oferta maior de plástico pós-consumo, possibilitando assim o crescimento de transformadores integrados na reciclagem”. Em paralelo, Mason julga que, levadas pela correnteza da economia circular, uma parcela das petroquímicas se aboletará na reciclagem química, sob o chamariz da obtenção de resinas recuperadas de excelência equiparável às zero bala. Essa escalada, completa, não deve afetar o espaço da reciclagem mecânica.

Formadora de opinião em laminados e coextrusados, a Videplast não possui recicladora, mas recupera internamente suas aparas para reintegração no processo produtivo. A par das seguidas incorporações de recicladoras por petroquímicas e transformadoras no I Mundo, Domênico Macchia Junior, diretor de novos negócios e desenvolvimento de novos mercados, identifica nesse movimento uma tendência insufladas pela economia circular. “Hoje se busca soluções para o reúso e aproveitamento energético de embalagens pós-consumo. A verticalização de petroquímicas e transformadores na reciclagem será um dos caminhos trilhados nesse sentido”.•

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