Sinais de vida no ponto morto

Vendas de carros estacionadas não desligam o desbravamento de aplicações com materiais nobres

Entre 2014 e 2017, a indústria automobilística sentiu o quanto dói uma queda de 40% nas vendas, ainda mais sob ociosidade acima de 50% na capacidade instalada para montar 5 milhões de veículos. Em 2018, veio um respiro com a produção da ordem de 2,89 milhões de unidades ou 6,7% acima do período anterior e o licenciamento de 2,56 milhões, volume 14,6% acima do registro precedente. Inebriada com o espasmo de melhora e com a mudança de governo, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) engatava o otimismo em quinta marcha nas projeções para 2019 tecidas em janeiro. A tiracolo da previsão do aumento do crédito e do PIB, queda do dólar, redução da inflação e confiança na implantação das reformas econômicas defendidas pelo ministro Paulo Guedes, a entidade pressentia salto da ordem de 11% nos licenciamentos, com 2,86 milhões de veículos emplacados até dezembro. Mas a ducha de água fria despejada pela vida real numa economia de ossos à mostra, com dólar alto, juros e desemprego nas nuvens e as mazelas do Custo Brasil, levou a indústria automobilística a aderir a um esporte nacional: revisar para baixo as previsões para o país durante o desenrolar dos meses.

É uma saia justa que pega no contrapé o reduto dos plásticos de engenharia, pois autopeças compõem a artéria jugular das suas vendas. Para engrossar o caldo, a situação generalizada nos demais bens duráveis que utilizam peças técnicas injetadas com materiais nobres, caso de eletroeletrônicos, também anda longe de se soltar foguetes. Anderson Maróstica, gerente técnico da unidade de negócios de plásticos de engenharia da Lanxess informa que, com o mercado automotivo estagnado, tem conseguido emplacar suas soluções de poliamida (PA) 6 em implementos agrícolas mantidos em sigilo. Ainda assim, reitera, a Lanxess tem logrado ampliar a presença de seu polímero nas montadoras, no rastro da escassez global que encareceu a concorrente PA 6.6. Como referência de recentes desenvolvimentos automotivos materializados pelos seus materiais, Maróstica cita peças como roof rack e gabinetes de retrovisores injetados com o grade de composto reforçado de PA 6 Durethan BKV50GH2.0 Easy Flow, embalado por predicados como o acabamento superficial primoroso, módulo de elasticidade (condição seca) acima de 16.000 MPA e resistência a UV comprovada pela escala de cinza grau 4 após 1.800 horas de exposição às intempéries. Os mesmos indicadores de elasticidade e resistência a UV são transpostos pelo técnico para o composto de polibutileno tereftalato (PBT) com poliéster (PET) e fibra de vidro Pocan T7391, outra solução de alta rigidez da Lanxess para deslocar autopeças metálicas ou eliminar a etapa de pintura.

No embalo, Maróstica distingue a introdução da linha de PA 6 Durethan P (de Performance), especialidade esculpida para ampliar a resistência à fadiga dos materiais. O lançamento, arremata Maróstica, demole a crença generalizada na praça de que PA 6 perde para PA 6.6 em resistência ao stress cracking.

Campo fértil
Componedora de peso em PA no Brasil, a Radici Plastics também assedia frentes como a oferta do polímero para embalagens dependentes de barreira (ver seção Especial). Mas seu maior mercado é ditado pelas aplicações no compartimento sob o capô, reconhece Luis Baruque, gerente de marketing e desenvolvimento técnico. Por exemplo, coletores de admissão, válvulas termostáticas e tampas de motores. Entre os avanços recentes da empresa nessa direção, ele acena com grades de PA modificada e com resistência térmica até 210ºC em contato contínuo com o ar.
Na trincheira da Krisoll, alquimista nacional do beneficiamento de PA, o diretor comercial Aurélio Mosca observa que a maior parte dos desenvolvimentos que lhe chegam envolvem modificações de compostos para substituir outros materiais e para incrementar o acabamento ou a produtividade na injeção de determinadas peças técnicas. “Mas fora do setor automotivo, um mercado que continua crescendo é o do agronegócio, onde a Krisoll comparece com materiais desenhados para componentes injetados de colheitadeiras e semeadeiras”, ele completa.

Tarugos promissores
João Rodrigues, diretor da Thathi Polímeros, distribuidora titular de plásticos de engenharia, reconhece que bom naco de sua receita é servido por sistemistas de autopeças originais. Diante do efeito dominó da economia em banho-maria sobre redutos de bens duráveis, carros à frente, ele conta vir vislumbrando outras áreas para contrabalançar esta inércia. “Por exemplo, as oportunidades para PA 6 em chapas e tarugos, espaço também aproveitado por poliacetal (POM), e filmes dependentes de barreira”. Quanto a este último campo, ele comenta que, apesar dos atrativos da viscosidade e preço, os grades de PA 6 para embalagens flexíveis constituem um material commodity, na mão oposta do valor agregado existente em formulações de cunho mais exclusivo e destinadas à injeção de peças técnicas. “Para PA 6.6 e PBT, as oportunidades no mercado de extrusão são bem limitadas”.
Rodrigues também se anima com as perspectivas para seus materiais nobres em peças de reposição para carros e clientes fora do cercado automotivo, como eletrodomésticos da linha branca e itens da hidráulica na construção civil. “No entanto, eles são menos exigentes na qualidade das resinas, o que restringe nossa atuação com materiais 100% virgens”, ele comenta, reiterando o universo automotor como o setor que mais garante a continuidade da expansão da sua distribuidora.

PA faz a cabeça
Única produtora de polímeros de engenharia no país, com sua unidade de PA 6.6 em São Bernardo do Campo (SP), também dedicada à compondagem de PA 6 e PA 6.6, a Solvay defende que a extrema resistência mecânica, química e térmica das poliamidas alarga seu raio de ação para além das autopeças, onde ocupa assento de honra em componentes do conjunto do motor. “Na esfera dos eletroeletrônicos, por exemplo, destacam-se conectores de média tensão produzidos com composto de PA 6 com 50% de fibra de vidro e dotado de estabilização à radiação UV, ou então, a carcaça e difusor de prancha (chapinha) para cabelo à base de PA 6.6 modificada e de alta fluidez, também com teor de 50% de fibra de vidro e que confere excelente acabamento superficial”, ilustram Emy Yanagizawa, head de vendas e desenvolvimento de negócios de plásticos de engenharia, e Fernando Ribeiro, gerente de desenvolvimento de produtos e aplicações de plásticos de engenharia da Solvay. “Novos grades lubrificados e termoestabilizados de PA 6.6 também são procurados para gabinetes de secadores profissionais de cabelos, devido ao alto padrão proporcionado no acabamento e estabilidade dimensional”, eles completam.

Fora do salão de beleza, descortinam Emy e Ribeiro, as poliamidas da Solvay sentem lufadas de bons fluidos vindas de componentes de sistemas de ventilação. “Fornecemos desde grades de PA 6.6 de alta fluidez para a injeção em ciclo rápido de isoladores e atendemos peças estruturais com compostos de PA 6 com 50% de fibra de vidro e PA 6.6 com 30% desse reforço”, distinguem os especialistas. As soluções da Solvay também mandam bem no compartimento vizinho de dispositivos elétricos de parede fina, como contatores e conectores, e dependentes de flamabilidade V-0 e índice de gloss wire (fio incandescente) de 775ºC, indicam Emy e Ribeiro. Entre as alternativas para suportar altas temperaturas nos componentes em contato com a corrente elétrica, eles distinguem Technyl One, poliamida de alta resistência térmica e desprovida de halogênios, talhada para avançar no terreno de polímeros de cristal líquido e poliftalamidas.

A inventividade em desenvolvimentos da Solvay desdobra-se pelo reduto de móveis e cadeiras profissionais. “O novo grade Technyl CA tem condições de desbancar compostos tradicionais de PA 6 virgem e reciclada nesse setor por sobressair na rigidez, stress cracking, índice de fluidez e acabamento”, enaltecem Emy e Ribeiro. No embalo, eles ressaltam o custo e desempenho mecânico da solução Technyl AR para botinar das abraçadeiras mais em conta opções de pior performance, como reciclados e olefínicos.

Luz alta
Do setor de óleo e gás a filmes com barreira, a multiplicidade de mercados impulsiona o negócio de polímeros especiais da Solvay. Mas a produção automotiva em banho-maria no Brasil não hiberna a busca por avanços em materiais, assinala Josimar Fazolar, diretor de vendas e marketing dessas especialidades do grupo belga na América do Sul. “Embora enfrente desafios enormes, o segmento automotivo continua muito interessado em projetos de peças técnicas valorizadoras de materiais nobres”, ele sustenta. Como prova, ele serve o desenvolvimento em curso em montadoras no Brasil de um polímero do seu portfólio desenhado para a extrusão de tubos, passível de alijar borrachas das mangueiras de carros, como já acontece no mercado automotivo europeu.

Fazolare também realça a penetração iniciada com sua linha de sulfonas Veradel em sistemas de iluminação veicular, a tiracolo da instalação de um número crescente de lâmpadas mais potentes. “Fornecedores de peças do primeiro nível (Tier’s) já comprovam em testes de a proteção térmica oferecida por Veradel supera alternativas como policarbonato resistente a altas temperaturas”, confronta o diretor.

Som na caixa
“Não vejo a hora de o nosso país retornar à fase de crescimento sustentado, com sólidas bases na industrializção de bens de maior valor agregado”, pondera Fábio Paganini, gerente de vendas e desenvolvimentos em polímeros de engenharia da base no Brasil da francesa Arkema. Importadoras de especialidades plásticas, a empresa sempre buscou minorar a dependência excessiva do setor automotivo inerente ao segmento de plásticos de engenharia no país. Ainda assim, Paganini enfatiza o empenho de sua equipe em esquadrinhar aplicações automotivas passíveis de terem metais e borrachas derrubados por polímeros de alta performance como as poliftalamidas do portfólio da Arkema. Outro prato de resistência da empresa são as poliamidas de cauda longa (PA 6.10, PA 6.12, PA 10.10, PA 11 e PA 10.12, p.ex). Segundo Paganini, os grades sobressaem no balanço de resistência mecânica e química e pelo processamento facilitado para aplicações no compartimento do motor.

Fora das autopeças, Paganini sente vento a favor para a linha Kepstan da família de copolímeros PEKK. “É recomendada para uso sob altas temperaturas de serviço e de baixa densidade, quando comparada ao alumínio, caso de elementos injetados para a indústria aeronáutica, compósito com fibra de carbono ou artefatos impressos em 3D”, esclarece o especialista. Outro desenvolvimento recente, ele encaixa é a linha de grades de fluoreto de polivinilideno (PVDF) piezoelétricos, coligada à família de polímeros fluorados Kynar. “Devido à elevada estabilidade polar, Kynar Piezotech é um solução sob medida para elementos da indústria eletroeletrônica, como transistores e alto falantes na forma de filme plano e flexível”, ilustra Paganini.

Soft touch
O mercado em fogo brando não embaça o glamour da indústria automobilística aos olhos das soluções poliméricas avançadas da holandesa LyondellBasell. “Temos visto alguma insegurança para investir em novas plataformas, de modo que a visibilidade dos lançamentos acaba sendo reduzida a um ou dois anos, no máximo”, constata Mariana Machado, gerente de desenvolvimento e marketing para essas especialidades na América do Sul. Apesar dos pesares, ela prossegue, o desenvolvimento de peças plásticas envolvendo sua empresa mantém bom ritmo no Brasil. “Um exemplo é a especificação de nossos materiais numa nova família de caminhões em que a montadora aumentou de forma significativa a quantidade de peças injetadas aqui, caso do painel produzido com polipropileno (PP) soft touch Softell TKG 300NB sem necessidade de pintura posterior. “Trata-se da primeira aplicação comercial na América do Sul desta linha de produtos destacada pela excelência na combinação do acabamento com propriedades mecânicas”, salienta a gerente.
Mariana também chama a atenção para a entrada em seu portfólio dos compostos de PP da linha Advanced Copo. “São produzidos com uma resina de excepcional performance em termos de envelhecimento térmico, similar à das poliamidas, mas com enorme redução de peso”, sublinha a executiva. Além de pista livre em peças do compartimento do motor, Mariana enxerga potencial para Advanced Copo em peças de maior exigência técnica demandadas pelo setor eletroeletrônico.

Janelas abertas
“Embora o mercado automotivo não esteja em franca expansão, ainda é vital para o setor de plásticos de engenharia e, muitas vezes, materiais distintos competem pela mesma peça”, considera Fabio Celso Bordin, diretor da operação sul americana da alemã Ineos, pilar global em estirênicos. “Desse modo, mesmo que o bolo do setor não esteja crescendo, os fornecedores desses materiais competem por fatias maiores”. Como prova, ele comemora a recente aprovação em vários fabricantes de peças originais,a exemplo de frames de alto falantes, de Novodur Ultra 4255, grade do blend de copolímero de acrilonitrila butadieno estireno (ABS)/policarbonato.

Os estirênicos da Ineos, deixa claro Bordin, também têm saído bem na foto de paragens fora do cercado automotivo. O dirigente ilistra com a penetração do ABS para cromação Novodur P2MC em peças sanitárias premium, proporcionando performance inatingível pelos tipos mais convencionais do copolímero. Na mesma trilha, Bordin enaltece a receptividade degustada pelo copolímero de acrilonitrila estireno e acrilato de butila (ASA) em materiais de construção como perfis vinílicos de janelas e portas. “Aplicada por coextrusão, a camada superficial de ASA garante ao perfil excepcionais retenção de cor e resistência a UV”, ele esclarece. Para arrematar, Bordin informa que um tipo de copolímero de estireno acrilonitrila (SAN), de alta resistência térmica e já consolidado em colunas de carros, impressiona quando, na forma de pó, integra o beneficiamento de PVC como meio de aumentar a resistência do composto vinílico à temperatura de deflexão térmica. •

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