Nestlé anuncia a troca de plástico flexível por papel em embalagens de chocolate na Europa. Ao mesmo tempo, a empresa divulga ter entrado como sócia de recicladora química de flexíveis pós-consumo no México. Pela sua visão, essas duas ações são contraditórias ou coerentes?
Marcos Curti
Presidente da consultoria MCurti
“Meu primeiro desafio, ao colocar o ponto de vista sobre este tema, foi excluir o lado emotivo da resposta. O que foi quase impossível e mostra algo importante a refletir. Confiança. A marca aqui citada permeou a minha vida e, com certeza, a de todos nós, representando algo bom e, na maioria das vezes saudável, mesmo com excesso de gorduras. Assim, o simples fato de pensar na marca traz a credibilidade frente às suas iniciativas aqui apresentadas e aquela tendência de ‘passar um pano’ na questão. Mas vamos lá. Ser crítico com relação aos plásticos não significa criminalizar o tema e, sim, contribuir para a busca de um maior esforço na melhoria da sua gestão pré e pós-consumo. A qualidade de vida evoluiu e continua evoluindo através desta nobre invenção. Assim, sou fã deste material que está intimamente associado à minha vida profissional.
Trocar o plástico de uso ou consumo único pelo papel e, em paralelo, investir na sua reciclagem são ações coerentes. Elas buscam diminuir o impacto ambiental da Nestlé. É o mantra de reduzir o uso e ajudar a sociedade a reciclar aquilo que a empresa gerou. Foi a empresa quem gerou e isso precisa ficar sublinhado. As iniciativas têm que ser ampliadas, até considerando a permeabilidade global que a Nestlé tem. Não há necessidade de aguardar a lenta legislação se mover e, sim, mover-se por conta própria, mostrando que você faz mais e melhor que a concorrência. As pessoas reconhecem o valor destas verdadeiras iniciativas. Desde que sejam, entre aspas, ‘verdadeiras’ ”.
Simone de Faria
Diretora da consultoria Townsend Solutions responsável pela América Latina
“Não vejo essas iniciativas da Nestlé como ações contraditórias, mas complementares. A ressalva que faço é que tenho minhas dúvidas se essa embalagem de papel usada nos chocolates realmente tem todo o seu impacto ambiental avaliado, do início ao fim do processo. Não vi a embalagem, apenas conheço o que saiu na mídia sobre ela – por exemplo que o papel é revestido e há uma barreira de metal fino para manter a barra de chocolate fresca. Mas, se a Nestlé garante que toda a avaliação do ciclo de vida do produto foi cumprida, acho que o movimento adotado é positivo, desde que atenda também as exigências de qualidade do consumidor. Por sinal, a Nestlé teve sequência recente pela concorrente Mars no Reino Unido alterando embalagens de determinados chocolates em prol do papel. Mas o xis da questão é que ações individualizadas como estas são muito pequenas e isoladas perto do volume diário de embalagens de plástico usadas e descartadas. São necessárias, portanto, muitas outras iniciativas para que todas os objetivos de sustentabilidade colocados pelos brand owners sejam atingidas. E não podemos esquecer de que há sempre a meta de vendas e de resultado da empresa final andando em paralelo com suas metas ambientais.”
José Ricardo Roriz Coelho
Presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast)
“Não vejo as decisões de uma empresa global do porte da Nestlé como contraditórias, pois cada mercado assinalado na pergunta (Europa e México) possui especificidades e demandas diferentes, o que decerto leva a posturas e decisões distintas. A Nestlé estuda o tema desde 2019, tendo realizado investimentos significativos para ajustar suas plantas e não está efetuando essa substituição do plástico por embalagem de papel sem fundamentos sólidos em relação aos mercados em que atua.
Por outro lado, os investimentos em reciclagem química estão em conformidade com a possibilidade de reutilizar suas embalagens plásticas em produtos alimentícios, bem como desenvolver estratégias adequadas para uso, logística reversa, reciclagem e utilização de conteúdo reciclado em suas embalagens. São investimentos muito alinhados com a estratégia de sustentabilidade e utilização de conteúdo reciclado, em linha com compromissos e metas globais de ESG”.
Paolo De Filippis
Presidente da fabricante de equipamentos Wortex
“Acho coerente a Nestlé ter entrado como sócia de uma recicladora química de plásticos flexíveis pós-consumo, porque assim estaria alinhada a uma política global de atender os anseios de proteção do meio ambiente buscando soluções inovadoras. Entretanto, a decisão anunciada de utilizar papel no lugar de plástico para embalar chocolate não me parece uma solução interessante, devido ao custo a ser refletido no preço ao consumidor e em razão da inviabilidade de reciclar a embalagem substitua do plástico. Afinal, para evitar que o chocolate grude nele, esse papel decerto requer o acréscimo de uma pequena camada de plástico.
O apelo de marketing é muito interessante, mas considero essa opção totalmente inviável. Este marketing, na verdade, deveria ser dirigido pela Nestlé à educação e conscientização de toda a sociedade, inclusos meios de comunicação e classe política, quanto à criação de leis e incentivos em favor da correta separação, seleção/classificação e destino do plástico pós-consumo, resultando em 100% de seu reaproveitamento e impedindo que acabe despejado em aterros sanitários”.
Eduardo Van Roost
Diretor da Res Brasil, agente dos aditivos da inglesa Symphony
Cecília Kuk
Diretora da Nold Politech Filmes e Embalagens
Paulo Francisco da Silva
CEO consultoria Agora vai Brasil Soluções em Plásticos
“Os grandes geradores de embalagens primárias estão sob uma forte pressão para terem atitudes, planos de ação e comportamentos alinhados com as exigências ambientais. O que vai muito além de apenas seguir as leis. Espera-se deles, no mínimo, ações e posturas em sintonia crescente com os discursos de economia circular, produtos e embalagens amigas da natureza e à prova de certos hábitos com que a maioria da humanidade ainda emporcalha o planeta. Muitas coisas entram nessas tomadas de decisão da Nestlé, entre elas mostrar de forma clara e inequívoca que a empresa ajusta-se plenamente a esta nova conjuntura, por vezes até tentando se antecipar às determinações e tendências vislumbradas.
A Nestlé forma entre as companhias que, em cada região do globo, olham mais intensamente para algum tipo material entre várias alternativas, considerando-o como base de produção de embalagens e avaliando seu potencial de reúso.
Isso em parte explica as diferentes políticas tomadas pela empresa, por vezes ‘conflitantes’ aos olhos do consumidor comum. Há materiais de coleta, reciclagem e reúso mais fáceis em determinada parte do planeta do que em outra. Daí vermos coisas como a empresa substituir embalagem plástica flexível por papel num região. Já em outro local do planeta ela se associa a uma indústria de reciclagem química. Eu friso e reitero que a rota da reciclagem avançada é ótima para dar destinação correta a sucatas plásticas pós-consumo de difícil recolhimento e reciclagem mecânica.
Diante do relatório “Climate Impact of Plastics”, lançado no ano passado pela consultoria Mckinsey e provando que o plástico é a solução de menor emissão de gases do efeito estufa, eu me pergunto: o que farão agora todos os detratores das embalagens plásticas? Voltemos ao dilema base da deseducação ambiental de uma humanidade que habita e consome o planeta feito vírus parasita. Ela se mata pouco a pouco com sua falta de atitude correta quanto ao lixo que gera. Que venham, portanto, mais empresas de porte que entendam e atendam a essas necessidades com as mais variadas iniciativas. ”
Fernando Paixão
Sócio e diretor da fabricante de equipamentos Wefem
“Hoje em dia virou moda criticar o uso do plástico, tendo boa recepção o uso do papel. Muito desse critério é defendido pelo fato de que o papel desaparece em contato com a água, passando despercebido aos nossos olhos e, assim, agrada ao grande público simpatizante da sustentabilidade. Porém, já foi comprovado que o uso de papel é muitas vezes mais caro e prejudicial ao meio ambiente quando comparado com o plástico, apresentando inclusive grandes riscos de desmatamento. Além do mais, é necessário muito mais energia e água para produzir celulose que plástico .
Na Europa esse tema pegou feito febre e ninguém quer ficar de fora, com o uso do plástico sendo substituído por papel ou até mesmo o vidro em diversas embalagens . Como foi anunciado, a Nestlé é mais uma que seguiu essa tendência, aplicando o papel para embalar as barras de chocolate. Porém, nos países emergentes, esta visão ainda é mais difícil de ser implementada, pois os recursos são mais escassos e a tecnologia da reciclagem ainda está em desenvolvimento. O melhor para uma empresa fazer é se fundir à solução que lhe parece melhor encaminhada, Foi o que a Nestlé fez ao se associar a uma empresa de reciclagem química de plástico pós-consumo no México.
Pode parecer contraditório, mas, na minha opinião, é melhor se adequar às circunstâncias, pois o principal é lutar junto pelo meio ambiente e futuro sustentável. No momento certo, o consumidor deverá entender sua fatia de responsabilidade no assunto, não apenas na utilização, mas na participação para que tudo seja reciclado da melhor forma”.