O pio e a galinhola

O ciclo atual da petroquímica não tem igual no passado

A galinhola é conhecida como o ventríloquo dos bichos, pois seus pios aparentam vir justo de onde ela não está. Daí o ditado russo “atire na galinhola”. Ou seja, ao caçar a ave, mande bala nela e não na direção de onde você pensa que vem o seu som. Em outras palavras, não é se deixando levar para onde o vento sopra que se toma pé da realidade.
O pio enganador da galinhola tem muito a ver com o costume de se insistir em tatear o futuro com base estrita nas lentes ilusórias do passado. Pois é o que fazem, sem exceção, todos os entrevistados da reportagem de capa desta edição, dedicada à dura conjuntura no varejo do plástico, que taxaram o atual excedente (global e local) de polietileno (PE) como mais um típico ciclo petroquímico de baixa momentânea gerada por superoferta a caminho da diluição.

Essa visão remonta aos tempos em que as projeções da demanda de resinas eram calibradas, em essência, pelo desempenho do PIB, crescimento da população, renda média, consumo per capita e o afã de substituir importações e abrir aplicações para o plástico no país. Acontece que este mundo não existe mais e quem teima em não tirar os olhos dessa página virada demonstra achar que a galinhola está na direção de onde parecem vir aqueles pios.

As rupturas entre passado e presente nunca foram tão profundas nessa era de tantas mudanças confluentes e tão aceleradas que está cada vez mais difícil acompanhá-las. “Numa busca honesta de conhecimento”, constatou o físico Erwin Schrödinger, “você tem, com frequência, de se conformar com a ignorância por um determinado período”.
Tão surreal quanto negar a necessidade de reformas estruturais no Brasil é não perceber que a conjuntura atual do plástico, aqui e no mundo, é inédita no gênero. Afinal, estamos num cenário em que, na mão oposta do passado, as resinas não encontram mais aplicações de peso para desbravar, a ponto de seu consumo maduro ser usado por analistas como medidor extraoficial do poder aquisitivo e da qualidade de vida. Tem mais: o ciclo petroquímico de hoje em dia, puxado pelo excedente recorde de PE, é caracterizado por uma rota antes inexistente: o gás originário do petróleo do Golfo dos EUA e das jazidas de xisto no país. Essa guinada deu autossuficiência aos EUA no petróleo, findou sua dependência de PE do exterior e tornou o país exportador regular da poliolefina. Em frente: nos planejamentos anteriores da petroquímica, a China, líder inabalável do consumo mundial de resinas, era vista como o melhor e mais seguro canal para a desova de excedentes petroquímicos nos prazos previstos pelos estrategistas de investimentos. Aliás, a crença equivocada na eternização do crescimento chinês a dois dígitos anuais e no barril de óleo a US$50 deram forma, ao lado do domínio do fraturamento hidráulico do xisto, à bandeirada de largada nas expansões ainda em vigor na rotunda capacidade norte-americana de PE. Para avivar o ineditismo do ciclo atual, a China barra a entrada de resinas dos EUA e tem ampliado a produção de poliolefinas, sinalizando redução gradual da sua dependência de material importado.

Outra peculiaridade inexistente nos ciclos anteriores: a mudança de hábitos dos consumidores, movidos pela consciência ambiental, em relação a embalagens e descartáveis plásticos, encarados como vilões do ecossistema. Vale lembrar, por exemplo, que 2/3 do consumo global de PE provêm das embalagens de uso único, hoje vistas com reservas no catecismo da economia circular. Pela primeira vez, o risco de encolhimento no consumo de resinas como PE será um fator a ser considerado em planos de investimentos na sua produção. Quem diria, no passado da petroquímica, que um dia se toparia na mídia com uma noticia como esta: um fundo norte-americano declara ter comprado este ano a Nadir Figueiredo, tradicional fabricante de utilidades domésticas de vidro, por apostar no declínio dos concorrentes de plástico.
A galinhola sempre aparece para quem tem olhos para ver.•

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