O mercado amarelou

Consumo de PA derrapa na curva com ociosidade das montadoras

Poliamidas (PA) 6 e 6.6 são a locomotiva dos plásticos de engenharia no Brasil, um segmento coabitado por polímeros e compostos nacionais e importados. Seu foco na injeção de peças para bens duráveis, à frente componentes automotivos, explica a vulnerabilidade dos atores do segmento à inflação injuriada, taxa de juros Selic a 13,75%, crédito inacessível e empobrecimento da população. No consenso dos analistas, o tempo nublado não muda tão cedo, mas, mesmo assim, o reduto brasileiro de PA 6 e 6.6 não atenua o jorro de inovações em aplicações e grades, em linha com a estratégia de reagir à retração estendendo sua presença em múltiplos campos e nichos. Está é a tônica da entrevista abaixo, ministrada por cinco megafones do setor: Gentil Boscolo, head de plásticos de engenharia para a América do Sul da Basf (única produtora do polímero de PA 6 no Brasil e componedora dos tipos 6 e 6.6); Jane Campos, gerente geral da componedora Radici Plastics no Brasil; Vladimir de Oliveira, diretor comercial da componedora e distribuidora (Basf) Krisoll, e Julio Casarotti, diretor comercial da componedora Primotécnica.

O consumo brasileiro de plásticos de engenharia segue há anos em queda. Em PA 6 e 6.6, as importações totais de 60.348 toneladas em 2021 caíram para 57.300 em 2022. A tendência para este ano é de continuidade na queda, estabilização ou retomada?

Gentil Boscolo: Teremos um período de estabilização com algum viés positivo de retomada entre este ano e o próximo. Os ciclos que frearam, de alguma maneira, o crescimento dos plásticos de engenharia foram encerrados. Três pilares justificam a queda de consumo do material nos últimos anos: perda de competitividade industrial brasileira; plásticos de engenharia substituídos por outras resinas em determinadas aplicações e, por fim, uma importante mudança no portfólio da indústria automotiva. Ela deixou o patamar de 4 milhões de unidades, dos quais 70% eram de veículos “populares” e, portanto, muito mais acessíveis, para um patamar atual de 2,5 milhões de veículos.
A combinação desses três fatores tem sido determinante para reconfigurar o ambiente nacional dos players de plástico de engenharia. Agora, a indústria nacional mostra sua força e criatividade e, neste sentido, tanto a Basf, minha empresa, quanto seus clientes, vêm trabalhando cada vez mais em questões como processabilidade, produtividade, sustentabilidade, expansão de portfólio local e simulação digital. Esses esforços combinados têm apresentado um novo tom à indústria automotiva e, por isso, vejo dias melhores à frente.

Jane Campos: A tendência para este ano é de estabilidade, precisamos levar em conta que 2021 tivemos na economia o efeito da ‘bolha de consumo’ e 2022 começou a equilibrá-lo. Quanto à queda do consumo específico de plásticos de engenharia nos últimos anos, está diretamente relacionada à falta de competitividade dos produtos brasileiros e transferência para outros países mais competitivos de algumas linhas de produção não necessariamente relacionadas apenas com segmento automotivo.

Vladimir de Oliveira: Apesar de as poliamidas terem relevante participação em mercados ainda em estágio emergente, é incontestável a influência direta em seu consumo de segmentos como o automotivo. Dessa forma, os primeiros quatro meses de 2023 prenunciam mais um ano difícil pela frente no Brasil. Atingir os mesmos resultados de 2022 já seria uma conquista, mas parece algo longe de chegar.

Julio Casarotti: Estamos praticamente na metade deste e vemos, sim, uma redução nas vendas e preços. Os mercados estão começando a acusar uma queda brusca no consumo, seja no automobilístico, agropecuária e varejo, os mercados em que a Primotécnica, minha empresa, mais atua. Eu atribuo o cenário à falta de dinheiro no bolso das pessoas. Com a pandemia, muitos mercados sofreram, e a liberação daquela demanda reprimida está acabando.

Montadoras de carros, maior mercado de PA 6 e 6.6, amargam retração na produção e demanda devido a juros altos, crédito inacessível, carestia e inadimplência recordes, situação prevista para persistir este ano e extensiva aos bens duráveis em geral que PA 6 e 6.6 também atendem. Quais as alternativas para atenuar ou frear o declínio em curso do consumo brasileiro de PA 6 e 6.6 em carros novos?

Gentil Boscolo: Embora tenhamos observado quedas das vendas de veículos e, por extensão da produção nacional, alguns requisitos técnicos ou regulatórios têm demandado por novas aplicações automotivas com uso de PA 6 e/ou 6.6. Em certos casos, mesmo aplicações consolidadas com o emprego de outras resinas têm sido submetidas a novas validações com o uso de PA. Não obstante adversidades do cenário para veículos novos mencionadas na pergunta, deve-se salientar que o mercado de reposição tem contribuído para mitigar parcialmente esse impacto. Para além das fronteiras do setor automotivo, estamos atentos às demandas de clientes de PA dos mais diversos campos, tipo agro, mineração, eletrônicos etc.

Jane Campos: O consumo de poliamidas vem crescendo na substituição de metal por plásticos, em especial no segmento agrícola, trucks, transporte de pessoas em geral e construção civil. Devido à versatilidade dos polímeros, é possível encontrar aplicações para eles em diversos segmentos. O período corrente indica retração no Brasil, devido à incerteza política e, somada esta conjuntura aos juros altos, temos pela frente um 2023 desafiador. Precisamos manter nosso pipe line (fluxo de projetos/desenvolvimentos) sempre cheio e estar atentos às novas tendências para conquistar mais mercados para PA e investir nas exportações de grades para o Mercosul. Esta é uma boa sugestão para manter o negócio e esperar a tempestade no Brasil passar.

Vladimir de Oliveira: A busca por novas aplicações em outros segmentos é constante na Krisoll, minha empresa, visando portanto reduzir a dependência das nuances do mercado automotivo. Embalagens flexíveis, automação, eletroeletrônicos e construção civil ainda têm elevado potencial de crescimento, com PA substituindo materiais convencionais, além dos efervescentes mercados do agronegócio e médico-hospitalar. Há que se considerar que, hoje, PA 6 e seus derivados com fibra têm custo-benefício bastante interessante em aplicações de alta exigência técnica.

Julio Casarotti: O declínio do consumo de qualquer material plástico se dá por duas razões: preço e consumo. Quando PA está com o valor muito alto, a tendência normal de um mercado como o automobilístico é desenvolver e migrar para uma matéria-prima mais barata. E quando o valor dessa matéria-prima cai e fica mais próximo de alguns polímeros commodities, a tendência é mantê-la no mercado.

O mercado brasileiro de autopeças de reposição ficou mais relevante que o de carros novos para componentes de PA 6 e 6.6? É tendência irreversível até a Selic baixar ou o hoje estrangulado poder aquisitivo do comprador brasileiro de carros novos vai exigir mais condições animadoras que a queda dos juros e retomada do crédito?

Gentil Boscolo: Sem dúvida que, nesse cenário, o mercado de reposição passa a desfrutar participação proporcional maior. No contexto geral, todavia, o segmento de carros novos permanece o grande driver para plásticos de engenharia.
A retomada do mercado automotivo passa pela redução da taxa de juros e retomada do crédito, mas isso é apenas parte da equação. Nos últimos dias, temos ouvido bastante acerca do novo carro ‘popular’. Enquanto o tema segue no campo das possibilidades, a indústria automobilística tem buscado fazer a lição de casa, no sentido de melhorar a competitividade e proporcionar, de certa maneira, custos mais baixos. Por exemplo, a substituição de componentes metálicos por plásticos de engenharia constitui importante caminho. Além de reduzir o peso do carro, permite a construção de peças com melhor design e, portanto, melhores possibilidades de aplicação. Isso também contribui para a redução das emissões dado o alívio de peso no componente plástico, um ponto a favor da sustentabilidade defendida pelo setor e, por sinal, sua demanda por material com conteúdo reciclado é crescente e a Basf está preparada para suportar os clientes nesta direção.
Jane Campos: A frota brasileira de carros usados é grande e sem condições de rápida renovação, devido aos preços e juros para os autos novos. O mercado de reposição é uma alternativa mas, em sua grande maioria, usa plásticos de engenharia reciclados. Precisamos estar atentos aos movimentos e necessidades deste mercado para oferecer o que o mercado quer e pode comprar. A queda de juros deve acontecer em breve com o equilíbrio da economia, melhor que seja de uma forma suave e equilibrada ou teremos mais um problema de consumismo e inadimplência no futuro. Precisamos ser cautelosos e ter paciência, o mercado brasileiro tem necessidade de consumo, isso é que nos garante a continuidade do negócio e a convicção de que a atual falta de demanda é temporária.

Vladimir de Oliveira: O aftermarket automotivo tem ótimo desempenho comparado com anos anteriores, muito por conta das dificuldades de aquisição de veículos novos. Mas no âmbito de PA, ele ainda não atinge a mesma relevância do segmento principal dos autos novos, pois as exigências técnicas diferem bastante. Os sistemistas precisam de formulações mais elaboradas, nas quais tipos premium de PA são triviais, enquanto o mercado de peças de reposição é mais flexível. Os fatores macroeconômicos serão decerto determinantes para o desempenho do setor automotivo brasileiro, já bastante comprometido pelo primeiro terço de 2023.

Julio Casarotti: Sim, o mercado de reposição de peças aumentou. Óbvio que, quando não tem dinheiro para comprar carro novo, o consumidor arruma o que está quebrado e minha empresa, a Primotécnica, está fornecendo bastante para esse mercado. Sobre a taxa de juros, eu enxergo que tudo esteve com valores muito alto nesses últimos anos pós-pandemia e, para que a economia não parasse, os juros estavam muito baixos. Com isso o brasileiro conseguiu adquirir muitas coisas. Mas agora, com pouco consumo e juros altos para a segurada da inflação e os valores voltarem a ser mais tangíveis, precisarmos de paciência para o mercado se auto equilibrar. A própria economia ditará isso.

Para as vendas da indústria automobilística reagirem, o governo propõe a volta do carro popular, mais barato e com bem menos tecnologia embarcada que os modelos atuais de maior valor agregado e menor volume de vendas . Essa ideia favorece ou prejudica a demanda por peças de PA 6 ou 6.6 para autos leves?

Gentil Boscolo: Precisamos redefinir primeiro o que entendemos por ‘carro popular’. A última iniciativa dessa natureza, provocada pelo então presidente Itamar Franco, fazia jus a veículos com preço de venda ao redor de US$ 7.000. Numa conversão direta, estaríamos falando de um carro novo com preço ao redor de R$ 35.000. Entretanto, aquele conceito de carro popular não cabe mais nos dias de hoje. Vamos lembrar que falávamos de carro sem retrovisor do lado direito, sem vidros e travas elétricas, sem ar-condicionado e direção hidráulica. Consegue imaginar isso atualmente? Por outro enfoque, temos, felizmente, novas regulamentações que trazem tecnologias embarcadas que visam não apenas mais segurança no trânsito, como menor impacto ambiental advindo das emissões de dióxido de carbono. Falamos de freios ABS, air bags, catalisadores, canisters etc. Cada um desses componentes se associa a outros, com sensores, micro processadores etc. Enfim, tudo isso consta de um desdobramento múltiplo de tecnologia e, em consequência, de custos. Não deveríamos, em hipótese alguma, pensar em reduzir custos do produto em detrimento dessas tecnologias. Algumas soluções, como as que mencionei, poderiam contribuir nessa busca por um veículo a preços mais atraentes para as faixas de entrada.

Jane Campos: Estamos falando globalmente na redução na emissão de dióxido de carbono e entendo que a quantidade liberada não seja interessante com tecnologia defasada hoje associada à imagem do carro popular. O objetivo das montadoras é contar com veículos de mais valor agregado e menos volume de vendas. Por outro lado, com incentivos governamentais é possível que as montadoras revejam suas metas e objetivos, não sei dizer. Quanto à redução de consumo de plásticos de engenharia, como disse, o importante é ter valor agregado e não somente volumes.

Vladimir de Oliveira: Esta iniciativa parece muito mais um remédio imediato para a correção da discrepância nos preços dos carros novos, porém configura algo anacrônico em tempos de substituição de motores à explosão por elétricos. Os modelos populares demonstram, sim, grande potencial de uso de PAs, mas mesmo que este projeto aventado pelo governo decole, não parece que terá vida muito longa.

Julio Casarotti: O carro popular ajuda nas vendas, sim, e isso favorece as empresas brasileiras, direta e indiretamente. Porém essa proposta só ganhará contornos mais concretos com a ajuda do governo tornando mais aceitáveis os custos de produção, não apenas no quesito da matéria-prima em si, mas na melhoria da carga de impostos, ensejando cortes de gastos para atrair as montadoras a investir novamente no Brasil.

Como avalia as oportunidades para PA 6 e 6.6 ampliarem a penetração em implementos agrícolas no Brasil?

Gentil Boscolo: As oportunidades e aplicações são muito interessantes. Na mão oposta do que observávamos no passado, temos sido demandados nos últimos anos de maneira mais intensa e, embora os volumes se mantenham proporcionalmente menores quando comparados a outras indústrias, percebe-se que o número de projetos e desenvolvimento no agronegócio cresce em ritmo avançado. Parece que o mercado de veículos pesados e implementos agrícolas se rendeu às vantagens dos plásticos de engenharia em detrimento de peças metálicas. Por óbvio, ainda há certa resistência, mas pouco a pouco temos visto grades de PA ganharem espaço e respeito junto aos fabricantes. A propósito, quanto aos materiais adotados, as aplicações nem sempre requerem um composto específico, mas, quando isso se faz necessário, quase sempre temos em nosso portfólio (local ou importado) um produto para atender ao requisito do cliente.

Jane Campos: Existe sim a oportunidade de ampliarmos a participação no segmento agrícola; para isso temos no portfólio a linha Radistrong. Consta de um polímero especial a base de poliamida com alto teor de fibra de vidro e o destaque entre as características são as elevadas propriedades mecânicas, tornando o composto apropriado para deslocar metais (alumínio, magnésio, zamak etc) de aplicações estruturais, sobressaindo ainda pela menor absorção de umidade e qualidade do acabamento superficial.

Vladimir de Oliveira: Veículos e implementos agrícolas são mercados que afloram no Brasil para PA 6 e 6.6. Tanto para usos dependentes de extrema resistência térmica em compartimentos de motor, como para aplicações de alta resistência mecânica, em peças de colheitadeiras e semeadoras, compostos de PA com fibra de vidro são de fundamental importância. Alguns grades específicos foram desenvolvidos para este segmento, caso de PA 6 e 6.6 ST ‘Super Tenaz” e compostos reforçados com base sustentável.

Julio Casarotti: Essa penetração se mantém positiva e reitero que, no mercado agro, a troca de metais para plástico só acontece por custo de produto e produção. Vendemos muito para a área agrícola compostos de PA 6.6 com carga mineral, e tipos com fibra de vidro. Aplicações no agronegócio também recorrem muito às nossas linhas P-200 e P-700 que integram a família de grades industriais de PA 6.6; são soluções boas porque preservam as propriedades aferidas em materiais novos, de primeiro uso, utilizando reciclados na sua composição e assim ajudam o meio ambiente.

Quais os novos tipos específicos de especialidades em PA 6 e 6.6 agendados por sua empresa para introdução no Brasil este ano?

Gentil Boscolo: Temos um grande time técnico debruçado sobre a nacionalização de vários produtos da linha Ultramid, até então apenas importados. Tratam-se, sobretudo, de grades da família de PA 6, mas o mostruário não se limita a essa linha de produtos. Também temos em curso a nacionalização de determinados compostos de PA 6.6 e PBT da linha Ultradur. São materiais modificados ao impacto, com aditivos que resistem às mais altas temperaturas e envelhecimento térmico; alguns deles focalizam aplicações bastante especificas, mas de alto valor agregado. No mais, anunciamos para o mercado, no fim do ano passado, a entrada em cena do programa de circularidade Circulaí, que visa revalorizar os refugos de PA 6 e PA 6.6 de clientes, empregando essas aparas recicladas numa família ‘verde’ de nossos compostos com base nos dois tipos do polímero. Dois grades já estão em comercialização e outros dois em fase final de desenvolvimento e lançamento agendado para breve. Mais novidades virão por aí, mas por ora deixo aqui apenas este spoiler.

Jane Campos: Nosso principal lançamento este ano é a linha sustentável Renycle, polímeros baseados em PA 6 e PA 6.6 obtidos através de materiais (resíduos reciclados) 100% selecionados com certificado de origem, pós-consumo e pós-industrial. Ela se distingue pelo baixo e mensurável impacto ambiental, calculado para cada nova formulação, sem comprometer a segurança, confiabilidade, rastreabilidade e qualidade do produto. Suas aplicações abrangem uma diversidade de setores e o principal é o automotivo, por sua busca incessante por meios para reduzir a pegada de carbono na produção de componentes.

Vladimir de Oliveira: Além das nossas famílias premium Sollamid A e B de PA 6.6 e PA 6, respectivamente, estamos trazendo para o Brasil a opção do tipo PA 6.10, uma poliamida bio-based para injeção de baixa absorção de umidade, e a PA 6T amorfa, com boas propriedades de transparência para processos de sopro e coextrusão.

Julio Casarotti: Estamos lançando a linha BIO, blenda de PA virgem combinada com percentual de aparas industriais recicladas, para atender a produção de baterias automobilísticas, um mercado que cresce muito. A grande diferença do lançamento está na redução do custo de matéria-prima e no apelo ambiental envolvido. •

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