A grande muralha

China freia de súbito consumo de PA e o mercado vem abaixo
Marcos Curti
Marcos Curti

O mundo das poliamidas (PA) 6.6 e 6 vivencia ciclos hoje muito curtos no binômio comportamento de preços e disponibilidade. O cenário volátil afeta o planejamento dos compradores dos polímeros e, principalmente, das áreas técnicas responsáveis pela sua especificação em projetos que, muitas vezes, têm ciclos longos (mais de três anos). O segundo semestre de 2022 e este início de 2023 trouxeram ainda mais combustível para esta complexidade.

Voltando um pouco no tempo, vale lembrar o plano desenvolvido pela China na segunda metade da década passada para ampliar sua produção têxtil na cadeia de PA 6. Em decorrência, a estratégia acabaria diminuindo a dependência de importação de caprolactama e polímeros. Mais do que isso, o esquema garantiria um programa robusto de aumento de número de empregos locais em uma das indústrias mais intensivas em mão de obra, mesmo que parte deste fluxo migrasse para países mais pobres do sudeste asiático, como Vietnã.
Assim, milhares de toneladas de caprolactama e polímeros foram adicionados ao parque industrial chinês, provocando uma reestruturação na cadeia mundial de PA 6. Fusões, algumas recentes, e aquisições de companhias da cadeia pipocaram por todos os lados. Bom, até aí era tudo para o consumo interno chinês.

O caminho de PA 6.6 na China foi um pouco diferente, pela complexidade tecnológica e devido ao controle mais restrito dos fabricantes mundiais consolidados sobre o insumo adiponitrila e seus derivados. Mas isso não impediu o crescimento das capacidades de polimerização e até a construção de plantas de químicos de base voltadas a esta matéria-prima. Mas, neste ingrediente em particular, a China continuava com déficit e sendo uma base forte para exportação dos excedentes americanos e europeus. Assim os mercados maduros tinham estabilidade de preço e um certo conservadorismo e a China e o Sudeste Asiático tinham preços flutuantes vis-à-vis o balanço oferta/procura.

Mas eis que a China, por fatores externos ao seu interesse – redução da demanda por seus produtos nos EUA – tem de colocar os dois pés no freio do consumo de PA. Aí o engarrafamento acontece. Os preços despencam, as compras passam a ser feitas no curtíssimo prazo, os fabricantes mundiais tentam buscar alternativas de venda e todo o mercado fica confuso. E a China, de importadora de PA 6 e 6.6, passa a ser exportadora do seu excedente. A qualidade do material, outrora vista como inferior, parece não ser tão verdadeira assim e compostos de plásticos no Brasil e em vários outros países passaram a ser feitas parcialmente com polímero base chinês. Em maior escala na poliamida 6, que já tinha uma presença na cadeia têxtil, mas também no próprio polímero 6.6.

A Europa, que sofreu com o aumento gigantesco do custo de energia pelo efeito gás russo, começa a voltar a respirar com o reequilíbrio de custos deste insumo, mas enfrenta uma redução do consumo interno pela redução de exportações de manufaturados para a Ásia. E os Estados Unidos continuam a ser os únicos com um equilíbrio entre produção e consumo e, provavelmente, rentabilidade.

O Brasil tem pequena relevância no consumo mundial de PA e sofre mais fortemente os efeitos dessas oscilações. Assim, sem uma aceleração da indústria local, principalmente automotiva ou mesmo de eletroeletrônicos, a briga continuará sendo pelo pedaço que sobrou do bolo. Crescimento baixo não combina com investimentos e, sim, com canibalização do mercado. As inovações não estão sendo suficientes para garantir o modelo de ampliação orgânica do setor. •

Marcos Curti é presidente
da consultoria MCurti.

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