O futuro está nos combos

Equipamentos que embutem várias etapas do processo vão transfigurar a reciclagem mecânica

À margem do estrelato mundial hoje saboreado pela reciclagem química, bombeada por investimentos de produtores de resinas, a reciclagem mecânica começa a se transfigurar numa revolução silenciosa. Frutos de anos de pesquisa, sobem ao palco do mercado sistemas que agregam várias etapas do processo numa única operação, a exemplo da trituração, alimentação e extrusão, ou então, moagem, lavagem e secagem, ou ainda, no campo específico da recuperação de PET, máquinas agrupando manuseio, alimentação, extrusão e peletização.
A junção num único equipamento de etapas ou funções afins é visível na manufatura de produtos finais, como bem ilustram dos canivetes suíços a iPads, e de bens intermediários, onde desponta a reciclagem de plásticos. No consenso da praça, a tendência de máquinas combo nada tem de modismo e é inescapável. “Ao valorizar as resinas pós-consumo, a economia circular contribuiu para o avanço de equipamentos para a reciclagem mecânica”, atesta Frederico Hartmann, diretor comercial para a América Latina da Lindner, grife austríaca do segmento. “De um lado, temos recicladores bem mais capitalizados atrás de novas aplicações e materiais diferenciados de entrada; do outro, uma busca crescente por reciclados premium para usos mais nobres”, ele expõe. Os pesos na balança pressionam pela evolução do maquinário num cenário apimentado pelo aumento de recicladoras concorrentes. Em decorrência, amarra as pontas o dirigente, a otimização dos investimentos em bens de capital e controle de custos operacionais ganha força para nortear o reciclador na escolha da tecnologia. “Com base nessa tendência”, encaixa Hartmann, “a Lindner criou soluções para integrar etapas distintas da reciclagem mecânica em linhas para trabalho com poliolefinas e PET denominadas ‘all in one’, caso da separação óptica da sucata, trituração, pré-lavagem, lavagem e secagem”.
Bruno Igel, CEO da recicladora Wise, adquirida pela Braskem, não deixa por menos. “Já há no Brasil recicladores utilizando extrusoras de dupla rosca, sistemas de desodorização, lavagens de ponta e os mais diversos sensores para separação prévia de refugo processável”, ele observa. “Por sua vez, fabricantes de equipamentos andam oferecendo soluções cada vez mais integradas”. No momento, nota, os fornecedores de maquinário específico e não multifuncional estão à frente na disputa. “Por enquanto, é mais comum no setor comprar a extrusora de um fabricante e o sistema de filtragem de outro, ou montar linhas de lavagem com componentes de diversas marcas, resultando num conjunto customizado conforme as peculiaridades do reciclador”.
No balcão das máquinas nacionais, Paolo de Filippis, CEO da Wortex, estrela guia das extrusoras para reciclagem, refuta o rótulo de modismo para a tecnologia combo. “É uma realidade a ser seguida por grandes fabricantes de equipamentos, por ser atividade dependente de alto capital de giro e de recicladores de escala e fôlego financeiro para investir a médio e longo prazo”. No momento, ele assinala, o Brasil está fora do quadro por razões como insegurança jurídica gerada por insatisfatória regulamentação relativa ao setor reciclador e por características culturais e estruturais. “A coleta seletiva precisa melhorar, garantindo suprimento constante de sucata aproveitável, para que possamos desenvolver sistemas mais eficazes de processamento”. A seu ver, as etapas da reciclagem mecânica se adequam a uma visão de encargos. “Constariam a triagem manual ou óptica; lavagem e moagem com tratamento de água; sistemas de secagem e extrusão e granulação independente”, fecha Filippis.
Adriano Tanaka, diretor das recicladoras Clean Plastic e Raposo Plásticos, assina embaixo do diagnóstico de Paolo de Filippis. “São muitos os entraves que afetam o ciclo de reciclagem no Brasil, notados ainda antes de os materiais chegarem às recicladoras”, ele constata. “Por exemplo, a coleta seletiva é bastante deficitária e falta conscientização sobre a importância do descarte correto para encaminhamento do resíduo em melhores condições de processo às cooperativas e recicladores”. À margem dessas carências, Tanaka enxerga a tecnologia caminhando para facilitar a reciclagem mecânica e a união de etapas é um atalho para isso. “O processo de funções agrupadas reduz a margem de erro por ser mais automatizado”.
A economia de custos, mão de obra e energia é um senhor argumento de venda para a integração das etapas de reciclagem, entende Décio Boschetti, diretor da recicladora Sulpet. “No entanto, algumas etapas do processo ainda são difíceis de serem agrupadas numa única máquina”, ele sustenta. “A triagem, por exemplo, precisar ser realizada em isolado para garantir a qualidade da sucata; já a aglutinação e extrusão são etapas agrupáveis. A indústria recicladora ganhará muito com a entrada dessas inovações”.
João Paulo Metring, gerente de desenvolvimento de negócios da recicladora RFX, titubeia quanto à eficiência tiro e queda das máquinas multietapa. “Os ganhos em custos e produtividade dependem dos resíduos processados”, ressalva. “Quando os materiais estão separados ou reunidos em grades de especificações semelhantes, sobe a eficiência nas fases inciais de moagem, secagem e lavagem e não acredito no desempenho de um equipamento integrado sem triagem prévia e simultânea de rígidos e flexíveis, devido as peculiaridades de cada tipo de material para a operação naquelas etapas preliminares”. Metring martela a tecla de que a reciclagem mecânica depende do equilíbrio entre custo e produtividade. “Se tenho um resíduo composto de diversas resinas a custo atraente e um equipamento automatizado e capaz de unificar com eficácia a moagem, lavagem e triagem, conseguirem uma vantagem no preço final do reciclado, mas resta saber se o valor da linha compensa o custo de produção e a compra do resíduo”.
Com as escoras da atualização de dados em tempo real e da possibilidade de intervenção direta nas variáveis do processo, o agrupamento das etapas da reciclagem é exigida pela própria evolução do mercado, considera Fernando Paixão sócio executivo da Wefem, ás nacional em extrusoras para o setor. Segundo assinala, as etapas abrangem três blocos: “No primeiro, a triagem dos resíduos segue isolada: no segundo, integração de moagem, lavagem, tanques de decantação, secadoras e tratamento de efluentes e, por último, alinham-se silos para estocar matéria-prima tratada, extrusora com alimentação forçada e dosagem de aditivos, degasagem a vácuo, filtragem, granulação direta, peneiras seletoras de grãos e silo de homogeneização de lote com envase”.
A junção de etapas num equipamento é reta de mão única na reciclagem mecânica, engrossa o coro Andres Grunewald, diretor para a América Latina da alemã Gneuss, titular mundial em soluções para reciclagem. Sua convicção toma como referência o progresso aferido em cerca de 20 anos na redução de tempo e tramitação da recuperação de resíduos de garrafas PET. “Por exemplo, para se produzir fibras, era preciso transformar antes os flakes alavados em pellets, enquanto hoje tudo ocorre num único passo – fibras, lâminas ou fitas de embalagens são processadas direto a partir dos flakes, zerando assim a dupla degradação do poliéster”, enfatiza Grunewald. “Outro encurtamento da reciclagem foi proporcionado pela exclusão das etapas de cristalização e secagem dos resíduos de PET”. Neste ponto, o dirigente enaltece os préstimos da tecnologia de extrusão multifuso MRS da Gneuss. “Permite a reciclagem de flakes das garrafas sem depender de processo térmico antes da extrusão e com total descontaminação assegurada à resina recuperada final, munida de grau alimentício”. Outra recente simplificação do processo transcorreu na recondensação do material. “Com a nossa tecnologia MRSjump, é possível manter ou aumentar a viscosidade intrínseca de forma monitorada numa única linha de extrusão, sem precisar de reator de estado sólido ou líquido”.
Fora do cercado de PET, Grunewald destaca a disponibilidade no mercado de processos de reciclagem e extrusão de embalagens de poliolefinas e poliestireno sem lavagem prévia ou utilizando apenas moagem com água. “O processo intermediário de granulação de reciclados tende a declinar em razão da chegada de tecnologias para o processamento direto de material moído, seja na injeção ou extrusão de filmes”. •

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