Auxílio Brasil dá tiro no pé da reciclagem

Paulo Francisco da Silva

Está reaberto o debate se é Deus ou o diabo quem escreve por linhas tortas. Maior produtor e mercado consumidor de plásticos pós-consumo reciclados, São Paulo ingressou em setembro com uma ainda irresolvida escassez aguda de sucata para ser coletada e recuperada para segundo uso. No consenso informal do ramo, a falta de resíduo de resinas é reflexo direto do pagamento de parcelas mínimas de R$600,00 pelo Auxílio Brasil à população desfavorecida, informa Paulo Francisco da Silva, presidente da concorrida consultoria focada em reciclagem Agora Vai Brasil. “A população carente inclui o universo dos catadores que, em regra, tira menos que R$ 600 mensais das suas vendas informais de sucata plástica para as cooperativas”. Com os catadores de braços cruzados e refestelados no programa assistencial federal, assinala Silva, instaurou-se uma pane seca no suprimento da cadeia recicladora. “A parada do catador é fruto do péssimo hábito de se dar apenas o peixe, sem ensinar a pescar ou mesmo como construir um equipamento de pesca, resultado de uma política assistencialista incompleta”, atribui o consultor. “O Auxílio Brasil constitui grande alavanca social, mas, é necessário que os beneficiados mantenham suas atividades laborais, para realmente melhorar de vida. O subsídio não deve levar o catador a se acomodar e largar o batente, deixando assim de ajudar não só a eles próprios, mas à cadeia integral da coleta e reciclagem”.

A descida abrupta nos volumes de rejeitos recolhidos desembocou numa disparada dos preços da resina reciclada, à sombra da sua esquálida disponibilidade e em contraste com as cotações hoje declinantes dos materiais virgens. “Agora que os mercados internacional e nacional acusam baixa acentuada nos preços dos materiais virgens, no Brasil, em particular, as sucatas plásticas estão com volumes baixos e preços em forte viés de alta”, sublinha Silva. “Não há espaço para o repasse desses aumentos, mesmo para quem aposta que, por haver planos anunciados e cobranças pelo uso de reciclados em quantidades cada vez maior por várias empresas de produtos finais, o instinto de sobrevivência do empobrecido consumidor final é que vai ditar o sucesso ou o fracasso desses reajustes na matéria-prima”. Segundo o consultor, há tempos não se via tantos consumidores trocando a fidelidade às marcas pelo fator preço. “As percepções de valores estão mudando com rapidez”.

Essa reviravolta imprevista pelo governo e ambientalistas tem causado barafunda e volatilidade nas negociações entre o segmento reduzido de recicladores afortunados por conseguirem sucata para trabalhar e sua clientela de transformadores, pressionada por indústrias finais para usar cada vez mais plástico reciclado nos produtos acabados que fornecem. Em meio ao salseiro, Silva solta a pergunta de US$1 milhão: “como vai ficar a disponibilidade de sucata plástica com a tendência de o Auxílio Brasil perdurar, cogitado inclusive para subir a R$800 em 2023, como já se noticia?”

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