O buraco é mais embaixo

4 vetores selarão a sorte do plástico não só em 2021, mas até segunda ordem

Por motivos óbvios, 2020 deveria convencer o mercado da perda de tempo que é, quando bate dezembro, ruminar sobre como será o ano que vem. Mas certos hábitos são duros na queda e, de olhos fechados para o acaso, chovem nas mídias cartomantes papagueando sobre 2021 em quantidade só comparável ao envio torrencial dos clássicos votos de boas festas.

A futurologia sobre o setor plástico brasileiro em 2021 procura se ajeitar sobre uma cama dura. No plano macro, seu estofado agrupa dólar e desemprego nas nuvens, volta da inflação aos preços ao consumidor, inadimplência à solta e o fim do auxílio emergencial determinado por um governo sem caixa para substituí-lo por outros benefícios, mesmo a valores menores. No âmbito da indústria plástica, a incógnita pulsa sobre a melhora da oferta doméstica e estabilização dos preços dolarizados das resinas, clima de incerteza ligado também à escassez internacional de polímeros e fretes para importações brasileiras desde a erupção do vírus. Façam seu jogo neste cassino pouco alterável pela ansiadíssima vacinação em massa.

Acontece, porém, que o buraco é mais embaixo. No Brasil e no mundo, quatro vetores selarão a sorte do plástico não só em 2021, mas até segunda ordem. Chamam-se demografia, geopolítica, sustentabilidade e pandemia, batiza o blogueiro John Richardson do portal Icis. Eles agem em conjunto, como exemplifica a atual carência no Brasil de plástico pós-consumo para reciclagem, um xodó da sustentabilidade, efeito da coleta minada por outro daqueles vetores, a pandemia.

A sustentabilidade passou de chofre de simpatia a amor. A opinião pública mundial comprou a briga contra as mudanças climáticas e a poluição ambiental. Mesmo com bons argumentos para rejeitar a injusta pecha de covid da natureza, a situação recomenda à indústria plástica correr para se provar identificada com o clamor social. Afinal, brand owners e varejistas hoje reavaliam as necessidades de embalagens e consumidores são incentivados a reduzir o uso de plásticos. A pandemia também tem um dedo nesse angu. Mesmo quando a vacina banir o vírus, as mudanças na mentalidade e hábitos de vida que ele inoculou atestam que nada será como antes. No passado, por exemplo, a régua da demanda dos plásticos era o comportamento do PIB. A economia circular, pandemia, facilidades digitais e a globalização repensada fizeram o mercado muito mais instável e complicado.

A demografia encosta o plástico na parede por dois lados. Um deles é o crescimento mundial da população idosa e que, em regra, consome bem menos com a limitada renda da aposentadoria e sem filhos em casa. Do outro lado, interagindo com o vetor da sustentabilidade, estão os millenials, geração marcada pelo apreço à economia circular e desinteresse por possuir carros. No Brasil, já são lançados prédios sem garagem para jovens. Por sinal, a baixa do petróleo e a ascensão do carro elétrico já levam ao fechamento de refinarias no exterior, o que alimenta a crença no encarecimento da nafta a médio prazo, pela redução da oferta, e de seus derivados petroquímicos.

O colapso a longo prazo dos preços do petróleo e fatores como a sustentabilidade norteando a produção de polímeros também transpiram para pavimentar o futuro do plástico visto pelo vetor geopolítico. Não fosse o corona fervendo a demanda interna, o mega excedente norte-americano de polietileno continuaria o pesadelo para seus investidores deflagrado pela guerra comercial EUA x China, de difícil arrefecimento mesmo com a troca de Trump por Biden e o fim da pandemia. Afinal, a China tem ampliado a autossuficiência em resinas e formalizou em novembro a criação, sem os EUA, de um bloco com 15 países asiáticos totalizando 1/3 da economia mundial. No atlas do plástico, os mercados regionais ganharão força.

O boi é o animal do ano novo chinês de 2021. E como se vê, o futuro do plástico não é conversa de fim de ano pra boi dormir. •

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