Jogo duro de virar

Descentralização espreita gestão de Gino Paulucci Jr na Abimaq
Paulucci Jr: Abimaq quer sensibilizar governo pela reindustrialização.

Em 57 anos de existência, a Câmara Setorial de Máquinas e Acessórios para a indústria de Plástico (CSMAIP) levita pela primeira vez com o ingresso de uma cria sua na presidência do conselho de administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Gino Paulucci Jr., CEO da Polimáquinas, pedra angular nacional em linhas de corte e solda de embalagens flexíveis, assumiu o leme da entidade em 5 de agosto último, com mandato estendido até 2026. Apesar do afago no astral dado pelo status de porta-voz de um setor nevrálgico de bens de capital, Paulucci pega uma bucha de canhão em sua gestão, pois a participação no PIB da indústria de transformação em geral, menina dos olhos dos fabricantes de máquinas fabris, caiu de 15,9% para 11,9% em 16 anos, atesta o IBGE. Em 2008, o aporte de recursos pela indústria de manufatura compunha 28% do investimento total na economia, índice rebaixado a 15% em 2021. Entre as atividades produtivas, trata-se do setor mais tributado, mérito de um nó cego de impostos indiretos. A manufatura também depende de pesquisa, inovação e informatização, trio que o empresariado aninhado na Abimaq anseia por materializar mediante reforma fiscal e créditos subsidiados do BNDES distantes das taxas do mercado privado, o que hoje não ocorre. O definhamento da indústria manufatureira também tem a ver com o fechamento da economia e distanciamento do Brasil das cadeias globalizadas de comércio e, por extensão, com o desinteresse generalizado entre a moçada conectada pelo batente em fábrica, visto como antiquado, repetitivo e sem subida rápida nos organogramas. Como se não bastasse essa pedreira à sua frente, Paulucci empunha a batuta da Abimaq numa conjuntura de um mundo em recessão, com repiques da pandemia e avarias no abastecimento de itens-chave, como microchips, para o funcionamento das máquinas. Nesta entrevista, ele abre uma panorâmica das expectativas para a travessia da Abimaq nessa zona de turbulência.

No Brasil, a indústria extrativa cresce, mas a de transformação em geral enfraquece e perde participação no PIB. Em sua gestão, como a Abimaq pode contribuir para sustar esta desindustrialização?
Trata-se de uma grande preocupação da entidade, manifestada ao longo dos anos na busca de uma forma efetiva de sugerir ações contribuintes para essa reindustrialização. Aliás, nosso corpo técnico acaba de preparar um estudo para apresentar aos presidenciáveis, intitulado “Reconstruindo a Indústria”. É uma forma de mostrar a contribuição da indústria brasileira de bens de capital aos candidatos, para constar da agenda para o mandato de 2023 a 2026. O documento foi motivado pela necessidade de sensibilizar o poder público e a sociedade brasileira sobre o uso de instrumentos promotores do crescimento do país, a partir do desenvolvimento de uma cadeia produtiva forte e moderna.

Os talentos da nova geração estão arredios a fazer carreira na manufatura, preferindo fazer sua vida profissional em serviços e no mercado financeiro. Em contraste, a digitalização e o conceito da indústria 4.0 cobram mão de obra cada vez mais qualificada no chão de fábrica. De que adianta a indústria brasileira de máquinas embarcar na inteligência artificial se os operadores não sabem lidar com os novos equipamentos a contento?
Na realidade sabemos que tudo é uma questão de oferta e procura. A retomada, que felizmente está ocorrendo, está demandando novos talentos e com isso uma necessidade de aumento de processos de qualificação dessa mão de obra que está sendo requerida. Atenta a essa necessidade, a Abimaq tem elaborado estudos e análises propondo caminhos para a profissionalização desses segmentos, até como forma de que os trabalhadores obtenham melhores empregos e salários. Afinal, a indústria necessita de mão de obra especializada e por isso paga os maiore ordenados. No documento que já citei, “Reconstruindo a Indústria”, detalhamos a necessidade de uma política de qualificação de pessoal às necessidades da indústria de máquinas, considerando os profissionais, pessoas fora da idade escolar e os jovens num projeto educacional voltado ao mundo digital.

Estudo da Abimaq defende estímulos e mudanças no ensino técnico profissionalizante. Mas como atrair para esses cursos os jovens de hoje, em geral avessos a trabalhar em indústrias, vistas como pouco criativas e de lenta ascensão profissional?
Temos trabalhado forte nesse sentido, buscando aproximar a indústria de máquinas do público em geral, preparando vídeos, disponíveis inclusive no site www.abimaq.org.br, tentando mostrar ao público a importância desse setor presente em todos os segmentos, desde máquinas para plástico e têxteis até máquinas máquinas ferramenta, agrícolas, gráficas, de mineração, rodoviárias e muito mais. E temos percebido que as pessoas que entram em contato com a indústria e passam a fazer parte do universo dos bens de capital percebem a sua grandiosidade e se orgulham de integrar uma indústria de ponta. Portanto, não vejo essa questão como um bicho de sete cabeças; nada que o estudo e treinamento não resolvam. Precisamos parar de investir em companhias campeãs nacionais e investir em campeões mundiais, caso do setor produtivo como um todo.

Na primeira sexta-feira de outubro comemora-se nos EUA o Manufacturing Day. Nesta data, estudantes, famílias e o público em geral visitam em peso fábricas para ter uma noção do progresso industrial e das suas oportunidades de trabalho. Como encara a possibilidade de transpor para cá este tipo de iniciativa para ajudar a romper a distância mantida pelos jovens das atividades fabris?
Sou absolutamente favorável a essa prática e temos notícias que várias empresas nossas associadas não têm um dia específico para esse procedimento. No entanto, elas organizam, sempre que possível, visitas em suas fábricas, não só de potenciais clientes, mas de estudantes e pessoas capazes de se interessar pelo nosso segmento.

Como a indústria brasileira de máquinas tem reagindo ao desarranjo das cadeias globais de suprimento causado pela pandemia persistente na China e pela Europa em crise econômica e energética?
Apesar de todas as crises que o Brasil vem enfrentando, inclusive a de abastecimento gerada em 2020 pelo coronavírus, a indústria de máquinas permanece vista como confiável e com boas relações comerciais com os grandes players internacionais. Muitos de nós, fabricantes de equipamentos, fizemos estoques de segurança, diversificamos fornecedores e substituímos componentes para reagir à instabilidade ainda em vigor do suprimento internacional de insumos. Cabe aqui menção especial ao trabalho da Abimaq durante o distanciamento social, buscando soluções e alternativas, a ponto de formar um grupo de ajuda ao governo durante a falta de respiradores, seja com equipes das empresas capazes de recuperar equipamentos com problemas, desenvolvendo novos modelos ou rastreando respiradores em bom estado que pudessem ser cedidos.

Pelos cálculos da Abimaq, o BNDES perdeu quase 2/3 de sua importância em termos de desembolso de recursos nos últimos 10 anos e, neste mesmo período, a Finame sofreu drástico encolhimento como fonte de crédito para comercialização de bens de capital. Qual a expectativa de reversão ou não desse quadro no próximo governo?
Realmente, temos um estudo que indica que o BNDES, principal instituição de fomento do desenvolvimento do país, perdeu quase dois terços da sua importância em termos de desembolso de recursos, ao longo dos últimos 10 anos. A Finame, primeira linha de crédito do BNDES voltada para o financiamento da aquisição e comercialização de máquinas e equipamentos de forma isolada (não integrados a projetos), vem sofrendo encolhimento, mas continua uma opção a ser considerada por tomadores de crédito. No estudo que apresentaremos aos presidenciáveis, temos sugestões específicas para melhoria do processo de obtenção de crédito para nossas associadas, como priorizar a concessão de recursos públicos para empresas de pequeno e médio porte e setores estratégicos da indústria de transformação; zerar a alíquota para 0% do IOF sobre operações de crédito, o que diminuiria o custo efetivo para o tomador do financiamento, e flexibilizar a utilização das garantias visando ampliar o acesso ao crédito com maior rapidez e menos burocracia. •

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