Fiel à fama de espelho do momento econômico, a indústria do plástico refletiu no primeiro semestre as agruras sentidas em todo o universo dos produtos acabados, sejam bens duráveis ou não, andando na prancha de uma crise que, de 2014 até hoje, passou de gripe a pneumonia. A esperança de que a simples mudança de governo reporia a economia quebrada nos trilhos logo murchou e, dos raros fatores positivos, essa desilusão contribuiu para o consenso de que a única terapia levável a sério é a da implantação das reformas estruturais, tão conhecidas e clamadas quanto obstruídas e adiadas, por conveniências muito particulares apresentadas como se fossem do interesse geral.
A reportagem a seguir capta o crescendo de quatro anos de avarias, culminando no primeiro semestre, em todos os elos da corrente plástica, de resinas, materiais auxiliares e máquinas à transformação e principais setores finais. Apesar desses pesares, as fontes da indústria demonstram incorporar duas propriedades-chave dos polímeros, resistência a impacto e resiliência, ao sustentarem a convicção de que o bem sucedido encaminhamento da reforma da previdência e a decorrente busca a sério de equilíbrio nas contas públicas configuram o início da virada da página já a partir desta metade final do ano.
Ponto de partida da cadeia produtiva, a petroquímica brasileira saiu do primeiro semestre como alguém que ousa torcer por seu time sozinho no meio da arquibancada rival. Sobraram ataques em forma da torrente de importações de poliolefinas, demanda interna encolhida, ira ecoxiita contra descartáveis e embalagens de uso único e, para fechar de vez o tempo, o impensável mostrou sua cara no desastre geológico em Alagoas, que abalou a operação de PVC da Braskem, responsável por 70% da capacidade nacional do vinil, ao parar em maio a mineração de sal gema, onerando assim sua produção da resina vinílica, na Bahia e em Alagoas, ao torná-la dependente de dicloroetano (DCE) importado. Na Argentina, por sua vez, a explosão ao final de junho de um cracker de 455.000 t/a de eteno e um blecaute sustaram a produção de polietileno (PE) da Dow, a única no gênero do país vizinho e sua capacidade da ordem de 600.000 t/a em Bahia Blanca é uma das maiores exportadoras da resina para o Brasil. A Dow também é a única fonte de eteno para a planta argentina da Unipar Carbocloro produzir PVC e que tem no Brasil seu maior cliente internacional.
Procurada por Plásticos em Revista, a Dow não informou, até o fechamento desta edição, quando deve religar seu complexo em Bahia Blanca, como fica o suprimento de eteno para a Unipar Carbocloro e como pretende atender os clientes daqui do PE que trazia de Bahia Blanca. A turbulência dessa conjuntura faz parte de balanço das resinas no primeiro semestre e perspectivas para esta metade final do ano, exposto na entrevista de Solange Stumpf, verbete no ramo e sócia da consultoria MaxiQuim.
Quais indicadores do consumo aparente de resinas no primeiro semestre mais destoaram das suas expectativas iniciais?
Em termos de produção, o primeiro semestre manteve o ritmo apresentando na metade final de 2018, com exceção dos desempenhos de poliestireno (PS) e PVC, que acusaram redução. No caso de PS, a implementação do aumento da capacidade de estireno da Innova, de 260.000 t/a para 420.000 t/a, afetou a produção da resina no primeiro trimestre deste ano. Já a produção de PVC teve um impacto, mesmo que pequeno, da paralização no segundo trimestre da produção das matérias-primas (sal gema e dicloroetano/EDC) da cadeia de vinílicos no complexo da Braskem em Alagoas. Estes eventos prejudicaram de alguma forma a demanda das duas resinas. Nas demais, o desempenho do consumo aparente no semestre passado ficou mais próximo da estabilidade, comparado ao segundo semestre de 2018, com destaque positivo para polipropileno (PP).
Por que PS e PVC estiveram tão vulneráveis à conjuntura do primeiro semestre?
Foram as resinas mais afetadas negativamente não só por restrições na oferta, mas por fatores mercadológicos. No caso de PS, alguns setores demandantes, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, estão se recuperando. Mas a participação de PS nesses segmentos vem caindo, por conta de mudanças no perfil de produto (artigos menores, multiuso, etc). Já no âmbito de PVC, a indústria da construção civil prossegue próxima da estagnação, afetando diretamente a demanda da resina. Apesar do alargamento no país das frentes de aplicação do vinil, como pisos laminados e esquadrias, o consumo da resina ainda é muito pequeno frente ao campo tradicional dos tubos e conexões.
Como avalia a intensidade do fluxo de importações de polietileno (PE) no primeiro semestre de 2019 e as participações da resina argentina e norte-americana nesse quadro?
Pela nossa metodologia de cálculo, as importações de PE totalizaram 422.000 toneladas de janeiro a junho de 2019, um crescimento de 13% comparado ao mesmo período em 2018. Da Argentina vieram 113 mil toneladas no semestre passado, queda de 8% perante o mesmo período no ano anterior. Os EUA participaram com 52% das importações na primeira metade deste ano, totalizando 221.000 toneladas. Isto representou um crescimento significativo frente ao mesmo período de 2018 – mais de 100% nas importações do polímero de baixa densidade (PEBD), por exemplo. É o efeito da nova capacidade norte-americana de PE com base no gás de xisto (shale gas) que finalmente se concretiza com mais vigor.
A seu ver, qual deve ser o comportamento das importações brasileiras de PE?
As importações de PE tendem a seguir expandindo, devido à oferta cada vez maior de resina dos EUA. A velocidade em que deverão crescer vai depender de alguns fatores relacionados à competitividade da produção local versus as importações, como os preços das matérias-primas e das resinas no mercado internacional e a taxa do dólar.
Como enxerga o impacto do consumo interno e preços de PP e PE virgens sobre o mercado de reciclados destas poliolefinas no primeiro semestre de 2019?
As resinas recicladas de poliolefinas têm mercado próprio, ainda não tão afetado diretamente pelos campos de resinas virgens e vice-versa. O que mais influencia este mercado é a oferta de resíduo plástico para a reciclagem, pois regula os preços desta matéria-prima e, por extensão, a competitividade do material recuperado. Óbvio que preços de matéria-prima virgem muito elevados tendem a tornar o negócio de reciclados mais atrativo e, assim, surgem novas demandas. Mas no momento este não é o caso para as poliolefinas, pois seus preços internacionais em baixa também puxam para baixo os preços domésticos.
Além da apatia da construção civil, o mercado e preços internos de PVC devem ser penalizados este ano pela produção da resina da Braskem movida a EDC importado após o fim da mineração de sal gema em Alagoas?
Pelo visto até julho, o impacto em valores não foi muito sentido, com o preço interno em reais de PVC mantendo-se relativamente estável. Por outro lado, a oferta restrita pode ter evitado queda de preço, como verificado nas outras resinas. Como o evento em Alagoas ainda é muito recente, as consequências no mercado poderão ser sentidas neste terceiro trimestre.
O que acha do desempenho da linha branca e descartáveis para balizar o mercado interno de PS no primeiro semestre de 2019 e quais as perspectivas para o segundo?
O mercado de descartáveis não tem crescido no Brasil, devido não só a situação econômica mas por conta de algumas iniciativas de banimento ou substituição por outros materiais, devido a questão ambiental. Isto afeta negativamente a demanda de PS e não constitui um fator conjuntural. Bem ao contrário, a tendência é termos cada vez mais restrições a plásticos de vida curta, mesmo que haja alternativas de reciclagem viáveis. O mercado de linha branca vem se recuperando este ano, mas não o suficiente para reverter a situação para o PS. Quanto ao mercado de estireno, sim, ele está mais atrativo do que PS, ao menos em termos de taxas de crescimento da demanda. Mas isto não deve afetar o mercado de PS, ainda mais agora com a nova capacidade de estireno da Innova, tornando o balanço do monômero mais folgado. Na verdade, o crescimento do mercado de estireno para outros derivados que não PS ajuda os produtores do monômero e do polímero a rentabilizarem seus negócios, apesar da perspectiva ruim para PS.
Como avalia a conjuntura para PET no Brasil?
O negócio de PET entrou na fase de crescimento moderado, uma decorrência do ciclo do produto. Isto já aconteceu com todas as outras resinas commodities; talvez PP seja a única que continue a se reinventar. Neste momento, os produtores e transformadores de PET têm que empreender grande esforço para desenvolver mais grades e aplicações, de modo a manter um ritmo de crescimento mínimo que viabilize a operação. No Brasil, se por um lado a situação se agrava pela folga entre a capacidade instalada e a demanda do poliéster, por outro ainda vemos muito mercado a ser desenvolvido, o que pode dar um fôlego para a resina. A tendência mundial a médio/longo prazo é de menor quantidade de plantas de PET entrando em operação, ajudando assim a ajustar o mercado e, em consequência, aumenta a atratividade do negócio do polímero.
De janeiro a julho, o mercado financeiro revisou 18 vezes para baixo a estimativa do PIB para este ano, Diante desse cenário, a MaxiQuim trabalha com qual previsão para o consumo aparente de resinas commodities em 2019 versus 2018?
Apesar de o primeiro semestre ter ficado aquém das expectativas iniciais, o segundo ainda é uma incógnita e pode surpreender positivamente. No geral, o mercado de resinas commodities deve crescer com moderação em 2019, com certeza acima do PIB (previsão de 0,81% até o fechamento desta edição), porém com comportamentos distintos por termoplástico. A salvação do setor aparenta ser puxada por PP, que vem numa maré boa por conta da retomada da indústria automobilística e outros setores de bens duráveis, fora o consumo crescente de plásticos no agronegócio.