Esse vento está a caminho

A situação do plástico na Alemanha emite um alerta mundial para o setor
Marianne Ostgathe: indústria do plástico não sabe informar benefícios do material à população.

Marianne Ostgathe reparte o dia a dia entre sua casa na Alemanha e o comando da área de marketing da Kreyenborg, empresa ás de ouros em equipamentos auxiliares para plásticos e da qual seu marido Jan Hendrik Ostgathe, é sócio gerente. Fica claro, portanto, que esta brasileira, ex-modelo antes de passar ao mundo corporativo, desfruta de um posto de observação ímpar, como consumidora e profissional, para analisar a imagem turva do plástico na maior potência econômica da União Europeia e modelo inspirador para a legislação ambiental mundial. É o que Marianne faz nesta entrevista.

Desde quando mora na Alemanha e em qual região e cidade?
Me mudei para Marl, cidade próxima de Dortmund, na região da Renânia do Norte-Vestfália, em meados de 2014. A cidade é pequena, por volta de 90.000 habitantes, mas pertence ao Vale do Ruhr, o território metropolitano mais populoso da Alemanha e maior região industrial da Europa, com cinco milhões de habitantes.

Qual a imagem generalizada entre os alemães a respeito de embalagens plásticas e de descartáveis plásticos?
Segundo pesquisa de opinião divulgada no ano passado sobre a nova regulamentação adotada para a indústria do plástico, tenho a impressão de que os alemães têm, de forma geral, uma visão negativa do material, em especial no que diz respeito a embalagens. Eles querem medidas mais rigorosas que as já tomadas em relação ao uso de plásticos. Além da proibição de artigos one way, eles desejam o banimento de microplásticos em cosméticos e produtos de higiene. Entre outras medidas esperadas pela população, constam penalidades mais altas para empresas que descartam resíduos plásticos no meio ambiente, proibição de exportação de lixo para países com padrões ambientais e sociais ineficientes, obrigação dos fabricantes de trazer produtos duráveis e recicláveis para o mercado, etc.
Acredito, porém, que muitas respostas dadas a essa pesquisa foram imediatistas e superficiais. Não mostram uma reflexão aprofundada da importância do plástico no nosso dia a dia.

O uso intensificado de embalagens e descartáveis para evitar infecções durante a pandemia tem contribuído para melhorar a imagem desses produtos plásticos perante a opinião pública alemã?
A pandemia nos mostrou o quanto o plástico é importante. Nos hospitais, com as seringas, peças dos respiradores, tubos, máscaras, viseiras de acrílico, luvas descartáveis.Em casa, para facilitar o home office, muitos compraram novos aparelhos eletrônicos, grande parte feitos de plásticos. Nos restaurantes, as comidas puderam ser embrulhadas para entregas. Sem o plástico, nada disso seria possível. Ele é indispensável em nossas vidas.

No plano geral, os alemães reconhecem as contribuições do plástico para o desenvolvimento econômico  e para a economia circular?
O problema maior dos alemães com o plástico é no quesito embalagens, exceto garrafas PET. Nas outras aplicações ele é visto, acredito, de maneira positiva. Se compararmos o plástico com outros materiais, ele é muitas vezes mais ecologicamente correto. As embalagens de plásticos são mais leves e resistentes que as de vidro. A quantidade de energia necessária para derreter vidro é imensamente maior.

Em suas idas a supermercados, quais as principais iniciativas adotadas pelos supermercadistas, em apoio ao desenvolvimento sustentável, no sentido de diminuir o uso de embalagens plásticas e de sacolas de saída de caixa?
Aqui na Alemanha não existe o empacotamento das compras de supermercado com as famosas sacolinhas plásticas. Para toda a população é óbvio que, para se ir às compras, é necessário sempre ter consigo sacolas retornáveis. No pior cenário, é possível comprar no caixa embalagens de papel ou sacolas retornáveis.
O supermercado que eu frequento pertence a uma grande rede e não oferece a possibilidade de comprar produtos a granel, não embalados. O medo de assumir a responsabilidade por produtos vendidos sem embalagens é grande. Caso eu queira comprar produtos sem embalagens, preciso ir a uma das lojas plastic free.

Como enxerga a adesão na Alemanha de supermercados a iniciativas como lojas inteiras ou alas de produtos sem plásticos? É um movimento que tende a aumentar?
Com certeza, essa é uma tendência fortíssima e que tem crescido cada vez mais não só na Alemanha, mas em toda a Europa. O movimento Zero Waste e o aumento do consumo de produtos orgânicos estão diretamente ligados a isso. As pessoas têm demonstrado mais consciência sobre a origem e manipulação dos produtos consumidos e sobre o meio ambiente. O conceito por trás dessa postura não é somente comer algo mais saudável, mas contribuir com a sustentabilidade, diminuindo o descarte de embalagens. Mas para isso são necessárias verbas maiores e uma bela organização pelo poder público antes de o povo ir às compras. O desafio de mudar os costumes é grande e o caminho a ser percorrido é muito longo, mas muitos alemães estão dispostos a enfrentá-lo. Alguns pontos, como transporte, estocagem e logística são muito dispendiosos. Além disso, como mostrar a tabela de informação nutricional e data de validade de um produto sem uma embalagem?

Quais as iniciativas que você destaca para estimular os consumidores alemães a praticarem o descarte correto de plásticos pós-consumo?
A Alemanha possui um dos sistemas de reciclagem mais eficientes do mundo. O primeiro passo começa em casa, com a separação correta do lixo. Na minha cozinha, possuo três lixeiras diferentes: uma para plástico e metais, outra para papel e a última para lixo orgânico. Cada lixo vai depois para um container com cores específicas e, para cada um deles, há um dia delimitado para ser recolhido. No caso do plástico, o tonel é amarelo e é preciso estar atento! Como a separação do lixo pelo consumidor é lei aqui, caso o descarte seja feito de forma incorreta, ele corre o risco de o catador de lixo não esvaziar o seu container ou de receber multa que pode variar de 10 até 5.000€!
Outra iniciativa de que gosto muito é o famoso pfand, um depósito antecipado pago por mim no caixa quando determinadas bebidas são compradas. Por exemplo, se eu compro uma garrafinha de coca-cola que custa 1€, eu pago 1,25€ e, quando eu retorno a garrafa vazia, recebo meus 25 centavos de volta. Isso naturalmente encoraja as pessoas a retornarem os engradados. Praticamente em todos os supermercados existe uma máquina para garrafas com pfand. Ela escaneia o código de barra na garrafa e reconhece se ela é descartável ou retornável. Após escanear todas as garrafas, é impresso um cupom com o valor que eu recebo de volta. Posso descontá-lo numa das minhas compras ou ir ao caixa e receber o dinheiro de volta.

Sua empresa atua num setor ligado à economia circular – secagem, cristalização , armazenamento , mistura, transporte e dosagem de plásticos. A Alemanha está empenhada em ampliar seus volumes de plásticos reciclados. Como isso tem se refletido na procura pelos equipamentos da Kreyenborg no país este ano?
Aumentou exponencialmente a procura pelo nosso sistema IR-CLEAN, de cristalização e secagem do refugo de PET destinado à reciclagem bottle to bottle e certificado pela agência regulatória norte-americana Food and Drugs Administration (FDA) e pelo órgão Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA). A nova legislação europeia pressionará as empresas a se enquadrarem às novas exigências. Aqui na Alemanha, presenciamos na montagem do ano passado da K, com a economia circular como tema geral, o interesse das empresas em investir neste setor. De outro ângulo, a queda do preço do petróleo para a produção de plástico virgem contraria essa tendência.

A seu ver, a indústria do plástico na Alemanha tem sabido difundir para a população que o plástico é um aliado do meio ambiente?
Eu acho que ela não tem sabido comunicar. O plástico é muito visto como vilão, não como aliado. A responsabilidade para gerar um ciclo sustentável está em nós, consumidores, juntamente com as empresas que precisam do plástico para vender seus produtos. Essas companhias, sim, procuram melhorar a imagem do material, procurando trazer ao mercado produtos com embalagens sustentáveis. O consumidor alemão aprecia comprar produtos com embalagens recicladas e, muitas vezes, as empresas usam isso como um valor agregado, como um aspecto importante de marketing. Muitas empresas grandes, como a Beiersdorf, fabricante de produtos de cuidado com a pele e dona de marcas como Nivea, Eucerin e Labello, têm como objetivo produzir 100% de suas embalagens recicláveis, compostáveis ou reutilizáveis até 2025 e pretendem aumentar o uso de conteúdo reciclado em suas embalagens de plástico na Europa para 25%. Esse tipo de posicionamento decerto ajuda a melhorar a imagem do plástico. •

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