Em pane seca

Europa luta para andar com combustível na reserva. A alemã Kreyenborg ilustra a garra do setor plástico para não ser acuado pela falta de gás

Estrategistas de investimentos produtivos e eletrointensivos, caso da indústria plástica, estão abrindo o olho para uma lição ministrada pelo mata-leão de Putin na Europa desde o início da guerra na Ucrânia. A oferta esquálida e preços insuportáveis do gás natural russo atiram o continente na recessão e inflação à solta. Embora ambientalmente correta, a alternativa das fontes renováveis intermitentes não liquida o drama. Já a saída das importações de gás natural liquefeito tromba no desmantelado frete marítimo mundial e na exigência de terminais específicos e sem possibilidade da implantação imediata cobrada pelo clima de emergência. Para os planejadores, portanto, fica o ensinamento curto e grosso da sinuca de bico: jamais incorrer na extrema dependência econômica/energética de fonte não confiável.
Pedra angular do plástico high tech, a Alemanha estrebucha enforcada pelo hidrocarboneto russo, sua principal fonte de energia, sem regra 3 à altura e hoje a vedete do saco de maldades de Putin. O setor industrial responde por cerca de 35% do consumo energético do país e por quase 20% dos empregos. Diante das cotações em brasa do gás e do temido racionamento do combustível no inverno que se aproxima, indústrias alemãs, tipo metalúrgicas, químicas e de polímeros como poliamidas, bradam na mídia intenções de interromper temporariamente a produção e há as que falam em transferir parte das atividades para fora do continente (offshoring), atrás de energia segura a preço digerível. Reflexo desses estilhaços, o instituto alemão de pesquisa IFO constatou que 50% das indústrias químicas e mais de 85% das indústrias de máquinas do país reportaram em agosto problemas no suprimento de insumos.
“Estamos sendo afetados por significativos reajustes no ferro, eletricidade e diversos outros componentes”, atesta Jan Hendrik Ostgathe, sócio executivo da Kreyenborg, suprassumo em equipamentos provedores de excelência à reciclagem mecânica. “No plano geral, temos observado as cadeias de suprimento desacelerarem desde o início da pandemia, dois anos atrás”, ele pondera. Os prazos de entrega de componentes eletrônicos, por exemplo, ficaram bem mais longos e é difícil associar essa dificuldade a um papel adicional exercido pela invasão da Ucrânia pela Rússia”. Ao final de agosto, os preços de atacado na Alemanha desvendavam inflação de 30% nos últimos 12 meses, recorde em 40 anos, enquanto a inflação do consumidor rondava 10%. Apenas nos primeiros oito meses deste ano, o preço da energia subiu 38,3%.
Sediada em Senden, na Renânia-Vestfália do Norte, a Kreyenborg não tem sido diretamente afetada, e operações como a produção, pelos cortes de Moscou no fluxo de gás natural para a zona do euro. “A maior parte do combustível que precisamos vem de nossas próprias fontes renováveis, no caso a energia solar”, justifica o dirigente. Conforme esclarece, a situação na companhia pode ser mais desconfortável na administração, área ainda dependente do gás natural. “Mas estamos estudando soluções técnicas para escapar disso, como a expansão dos sistemas geradores de energia solar, energia geotérmica, isolamento térmico de nossas instalações ou bombas térmicas”.
De outro ângulo, ele afirma enxergar na crise atual oportunidades para a Kreyenborg. “A reciclagem de plásticos explode no mundo inteiro e nós comparecemos com soluções como silos, misturadores, conjuntos para alimentação de extrusoras, sistema IR-CLEAN de cristalização e secagem de refugo para reciclagem de PET grau alimentício ou ainda o condicionador IR-FRESH, para eliminar odores emanados por contaminantes em poliolefinas pós-consumo”. Ostgathe destaca, nesse ponto, a tecnologia de luz infravermelha presente no secador IRD e movida a energia elétrica. “Pode ser enquadrada no conceito de neutralidade de carbono, pois a eletricidade do sistema pode ser regenerada e reusada”, ressalta. “É bem mais eficaz que sistemas convencionais ativados por ar quente ou combustão de gás, sendo que esta última via envolve uma fonte de energia hoje problemática na Europa”.
Ostgathe conta ter escrito a fornecedores perguntando até que ponto são dependentes do gás russo ou se têm como suprir clientes se este combustível lhes for negado por Putin. “ A avaliação correu bem e não vemos por ora maiores problemas à frente”. O industrial assinala não ter como influir em decisões políticas hoje discutidas em torno da ampliação da vida útil de plantas nucleares alemãs, medidas que colidem, tal como a reabertura emergencial de muitas usinas do poluente carvão, com a política nacional de transição energética, para combater as mudanças climáticas, encabeçada na União Europeia pela Alemanha. “A nossa região aloja, em Marl, o segundo maior parque químico do país, onde plantas geradoras de energia a gás natural têm sido fechadas e uma antiga usina para prover eletricidade do carvão foi 100% reativada”.
O encarecimento dos insumos utilizados pela Kreyenborg, fruto dos reajustes na energia a tiracolo dos lockdowns e guerra na Ucrânia, vêm sendo discutidos por Ostgathe com sua rede internacional de fornecedores. “Quase todos eles têm nos confrontado com expressivos aumentos nos preços, a ponto de, no plano geral, nossos custos caminharem para um incremento de dois dígitos, forçando o repasse de uma parcela aos clientes”. O empresário se escora em bombas relógios para não tecer previsões de desdobramentos do enrosco. “Sindicatos alemães reclamam salários maiores, China ameaça atacar Taiwan e não está claro se a Rússia vai fechar o gasoduto para a Europa”.
A tortura infligida por Putin colocou em voga na União Europeia o termo offshoring, a realocação de processos de negócios, como a manufatura, de um país para outro. Ostgathe não compra a ideia de a Kreyenborg escapar dos impactos negativos do gás russo em sua operação constituindo subsidiária em algum lugar com energia confiável a preços ok. “No momento, essa hipótese não se sustenta, por acarretar muitos desafios”, contrapõe o empresário. “Nós defendemos a alta qualidade e soluções excelentes, um padrão posto em risco se partes de nossas máquinas fossem fabricadas na China ou Índia. Além do mais, os custos crescentes de frete e a desaceleração em curso nas cadeias de suprimento logo engoliriam essa aparente vantagem do offshoring”.

ICIS

Labirinto de incertezas

3 perguntas para Antulio Borneo Jr, vice-presidente da divisão Chemical Data da consultoria Icis e especializado nos mercados de PET, PTA, fibras de poliéster, óxido de eteno e etileno glicol.

A disparada dos preços da eletricidade e o racionamento de gás natural russo pode levar à suspensão de operações de plantas químicas/petroquímicas na União Europeia?
De acordo com o banco de dados da Icis, 55% do suprimento de gás para a Alemanha vinha da Rússia antes da invasão da Ucrânia. A parada do gasoduto russo Nord Stream 1 iniciada em 31 de agosto (sem retomada até o fechamento desta edição) agravou essa situação. Fica difícil prever se haverá fechamento de unidades produtivas. Isso vai depender da intensidade energética de cada uma, se os mercados atendidos por elas podem arcar com os novos e piores custos de combustível e se existem alternativas viáveis de importação de gás (liquefeito). Muitas das pequenas e médias empresas da Alemanha precisariam de novos contratos de energia e podem não estar dispostas ou aptas a pagar pela eletricidade necessária para operar normalmente.

Indústrias concentradas apenas na União Europeia podem se inclinar agora para realocar processos produtivos (offshoring) para lugares de energia segura  e acessível enquanto a ansiada transição energética não se consumar na Europa?
O governo alemão, por exemplo, está focado em limitar a geração de energia a gás e mudou a legislação para permitir que 10 usinas a carvão e seis a óleo até então inoperantes, retornem à operação normal até fins de abril de 2023. É uma decisão contestada por ambientalistas, mas melhora o suprimento local de energia. A realocação de atividades para outras regiões é decisão a ser estudada por cada empresa com base no seu ramo de atuação. A atual derrocada da demanda europeia e internacional de produtos de consumo final, impactando por tabela químicos e plásticos, reduz por ora a cotação do petróleo. Caso uma empresa europeia decida realocar ativos em reação à escassez do gás russo pode incorrer numa situação de perda de competitividade a longo prazo por diversos fatores, desde a atual crise logística a medidas como antidumping, promovidas por seus países de origem, inconformados com a concorrência interna via offshoring.

A competitividade da União Europeia para produzir e transformar resinas foi golpeada pela explosão dos preços da energia. Como este enfraquecimento deve afetar as exportações para a Europa de resinas norte-americanas, China/SE Asiático e Oriente Médio?
Mesmo com o encarecimento internacional do gás natural, vemos que a América do Norte e o Oriente Médio mantêm vantagens de custo de produção. São baseadas no fato de a rota do gas natural continuar mais competitiva que a da nafta. A Europa importa aproximadamente ¾ de sua demanda de todas as resinas de polietileno do Oriente Medio e América do Norte, regiões superavitárias na produção da poliolefina. E essa proporção mudou muito pouco do que acontecia antes da pandemia e assim segue este ano. Já o caso de PET é bem diferente pois o grosso da produção da Ásia, cuja capacidade excedente do poliéster não tem similar mundial, contempla o continente com disponibilidade para exportar sem depender do custo internacional de produção.

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