Ao cair nas graças da moda, o termo disruptura demonstra como o funcionamento da máquina do mundo mudou. Globalização, aprontos do clima, enguiços nas cadeias de produção e distribuição, o repúdio às fontes fósseis sem respaldo à altura nas renováveis. Nada escapa da disruptura para definir qualquer reviravolta. No âmbito da cadeia plástica, a disruptura arreganhou os dentes com a erupção do shale gas nos EUA, rosnou com a guerra comercial aberta por Trump contra a China e piorada por Biden e desembestou de vez com a Europa aniquilada pela recessão e abstinência de gás por Putin x Ucrânia. Nesse ínterim, o Brasil, que jamais influiu em preços de plásticos, foi passando de país adepto de importações complementares para a condição atual de ávido dependente de polietileno (PE) e polipropileno (PP) do exterior. Pesaram nessa mexida a persistente sobra mundial dos dois polímeros e consequente baixa nos seus preços e o fato de a parcela da capacidade instalada brasileira para PP e PE destinada ao mercado nacional estar cada vez mais tomada. Como o desenrolar dos preços mundiais e da economia circular prenunciam que a América do Sul se tornará cada vez menos produtora e cada vez mais importadora de PE e PP, fica claro que o varejo brasileiro de poliolefinas embica para a disruptura rumo ao novo normal que, aliás, já começa a se esboçar. Nesta entrevista, Simone de Faria, diretora da consultoria Townsend Solutions para a América Latina, abre pistas do que promete vir por aí – e não é pouca coisa.
Acionadas pela geopolítica, ambientalismo e crise econômica mudanças inéditas sacodem a indústria plástica mundial e o impacto é sentido no Brasil. Como vê a distribuição de PP e PE nacionais no novo normal do mercado daqui a poucos anos?
A distribuição nacional decerto vai sofrer maior concorrência com produto importado, tanto vendido por traders e distribuidores internacionais como pelo próprio produtor estrangeiro, tipo ExxonMobil, Dow, Sabic, etc. Mas, além do cenário externo, entra em cogitação um fator interno: a possível venda do controle acionário da Braskem. Se ocorrer, pode ter um impacto ainda maior nos distribuidores nacionais que os efeitos globais.
Como este quadro deve influir sobre as importações brasileiras de PP e PE da China nos próximos anos?
As importações de PP da China cresceram muito este ano; até outubro representaram 13,8% do volume total desembarcado dessa resina. Sem dúvida, a fraqueza econômica em vigor no mercado chinês tem contribuído para a busca de outros destinos para o PP asiático, de forma geral. Sem muita opção, pois a Europa também não está demandando produto e os EUA ainda enfrentam uma situação logística complicada e encaram produção crescente de PP no Nafta, a América Latina desponta como destino interessante e, dentro dela, o Brasil é o país de maior consumo. É natural, portanto, que o assédio de PP asiático cresça por aqui.
Já no caso de PE, continua a participação maciça e ascendente do produto norte-americano. A petroquímica dos EUA vem tendo sua excessiva capacidade ainda mais ampliada e sem encontrar na China a demanda necessária de PE para absorver a contento o excedente da sua produção.
Derrubada pela crise de energia e estagflação, a Europa não volta tão cedo ao mapa dos produtores e consumidores relevantes de PP e PE. Como esse declínio do continente deve remanejar o comércio dessas resinas dos EUA e Oriente Médio nos próximos anos e como deverá se situar o Brasil no rol dos importadores delas?
A Arábia Saudita também vem aumentando a participação no volume de PP importado pelo Brasil. No acumulado de janeiro a agosto último, a média ficou em 22,2%, mas em setembro essa fatia subiu para 27,3% do total. Embora o consumo brasileiro de PP seja muito baixo, se comparado com China, Índia e EUA, estamos entre os top 10. Então, é compreensível que o Brasil seja um mercado no foco das petroquímicas e traders. Além disso, o fato de o país ter um único produtor nacional de poliolefinas deixa a concorrência menor para o produto importado. O preço por aqui também ainda é muito convidativo, mesmo com a queda recente dos impostos de importação.
Sob pressão do excedente global de PP e PE previsto para prosseguir nos próximos anos, como avalia a possibilidade de petroquímicas internacionais que hoje atendem o Brasil à distância, via traders ou revendas spot, constituírem representações locais, para cobrir o mercado de perto?
Isso não é novidade. Nos últimos anos, tem crescido a presença de petroquímicas de fora com operações comerciais no Brasil, como ExxonMobil, Petrocuyo e traders com distribuidores no mercado interno, como a Snetor (com a Eixo) e Vinmar (com a Apta). Não me surpreenderia que mais casos como esses apareçam nos próximos anos, principalmente se equacionarmos questões tributárias pendentes, caso das vendas apoiadas nos incentivos fiscais de Manaus.
O varejo brasileiro de PP e PE deve continuar com mercado suficiente nos próximos anos para justificar a rede atual de cinco distribuidores da Braskem?
Em época de margens baixas, o volume de vendas tem de aumentar para proporcionar bom resultado. Mas o negócio de distribuição de resinas no Brasil tem características um pouco diferentes de outras regiões. Somos um país de grande dimensão e um distribuidor de baixo volume regional pode ter espaço para atuar localmente, pois os custos logísticos são muito altos (prazo de entrega, valor do frete, armazenagem). O cliente pequeno pode se abastecer, sem comprometer seu caixa com volumes grandes de uma só vez. Nossa infraestrutura logística ainda é muito ruim – não temos trens, as estradas são péssimas. Então é um nicho de atuação importante.
A distribuição comercializou no país 500.000 toneladas de resinas commodities e de engenharia em 2014. Três anos depois vendia 220.671 toneladas de PE e 94.247 de PP. No ano passado, foram 100.916 de PE e 38.959 de PP. Essa descida pode ter volta nos próximos anos?
Respondo com uma pergunta: o mercado total caiu?
A resposta é não.
Então, quem ganhou participação? Venda direta? Importados direto do produtor? Importado via traders? Distribuidores fora do quadro da Associação Brasileira de Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast)?
Para uma análise, temos que entender para onde foi esse volume. Lembro que, em 2014, havia mais distribuidores filiados à Adirplast e a saída posterior de alguns deles (Piramidal e Mais Polímeros) pesou para reduzir o volume de poliolefinas comercializadas aferido pela entidade.
Um dado importante é o market share do produto importado – tem crescido e assim tende a continuar. Então, em relação a distribuição do produtor nacional, sim, a tendência é a sua participação cair, mesmo que o volume de vendas se mantenha o mesmo.
O encolhimento dos volumes de venda dos distribuidores de PP e PE nacionais pode continuar, nos próximos anos, a ser compensado por fatores como dólar alto e alta dos preços internacionais, como se viu em 2019 e 2020?
Abertura de mercado aliada à redução dos impostos cria concorrência maior e, em decorrência, a tendência é que a participação do volume nacional caia. Além disso, as capacidades internas de produção de PP e PE já estão no limite. Diante desse cenário, o importado deve ganhar cada vez mais espaço, independentemente do dólar.
O portfólio dos distribuidores de PP e PE nacionais precisa então diversificar mais indo além de materiais de engenharia e reciclados, para eles se ajustarem ao novo normal que se aproxima?
Eu sempre gostei da ideia de diversificação. Acho que quanto mais se consegue agregar, com sinergias e sem aumentar o custo, melhor. Não só porque aumentam as chances de venda, criando maiores oportunidades, mas porque possibilita melhorar o serviço, com oferta de um portfólio mais amplo, que dê ao cliente tudo o que ele deseja. Uma outra via de atuação é o ensaque de produtos com marca própria pelo distribuidor. Lá fora isso é muito comum, mas, há uma grande barreira a ser vencida na petroquímica brasileira para esta modalidade virar realidade no mercado.
A internacionalização do negócio seria um imperativo para a sobrevida desses distribuidores nos próximos anos?
Os negócios, de forma geral, precisam estar sempre em movimento para não correrem o risco de diminuir a ponto de deixarem de existir. Então, crescimento e modernização são sempre importantes para a sobrevida. E cada empresa tem que achar a melhor forma de crescer. Se não é possível mais crescer localmente, a internacionalização é uma saída. E, falando especificamente de distribuição, os brasileiros não precisam buscar mercados distantes. Aqui ao lado, temos países onde a distribuição poderia começar vendendo aos poucos, montando um negócio, ou adquirindo um varejista local. Países sem produção e com cultura semelhante à nossa, como Paraguai, Bolívia, Peru, etc.
Pelo andar da reformulação em curso no mercado, fusões e aquisições tendem a ser mais consideradas por esses distribuidores, para melhor atuar no novo normal?
O negócio de distribuição pressupõe faturamento elevado, margens baixas e uma grande capacidade financeira para investir em estoque e financiar as compras dos clientes. Para tudo isso é necessário ter giro alto, ou seja, muito volume de venda. Fusões são muito bem-vindas, mas não me parece ser a cultura local. Já a aquisição de distribuidores por fundos privados ou mesmo empresas de fora que desejam expandir sem iniciar um negócio do zero, é uma alternativa mais aceita por aqui.
Apague o passado
Não há ciclo petroquímico anterior similar ao atual
Em lugar da entrevista solicitada sobre como pretende lidar com sua rede de distribuição de polipropileno (PP) e polietileno (PE) num mercado em acelerada ruptura com o passado, a Braskem mandou este sintético comunicado: “A Braskem entende que a indústria petroquímica passa por ciclos que podem, eventualmente, influenciar na demanda e oferta de resinas. A empresa destaca que trabalha em parceria com seus distribuidores para manter o nível de excelência no atendimento a seus clientes”.
Só tem um porém. Na voz unânime dos analistas, o ciclo atual nada tem a ver com os habituais no histórico do setor petroquímico, não é mais um típico do setor, como dá a entender a Braskem. “A tônica dominante nos ciclos passados de poliolefinas era a dos choques de oferta, a cargo da construção de novas capacidades produtivas que seriam absorvidas em determinado tempo”, pondera Roberto Ribeiro, diretor de pesquisa e análise da consultoria norte-americana Chemical Market Analytics. “O que temos agora é uma mistura de situações diferentes”.
Ribeiro abre com o aumento da oferta na China. “Aqui já se começa a destoar dos ciclos petroquímicos anteriores, pois além do aumento de capacidades com foco em disponibilidade e competitividade de PP e PE, caso dos investimentos na América do Norte e Oriente Médio, temos em cena a expansão da produção do maior comprador mundial dessas resinas”. No ano passado, ele assinala, sob consumo ampliado de plásticos combinado com crise logística global e suprimento dificultado nos EUA por furacões e tempestades de inverno, o mercado entendeu o cenário como um novo normal no qual o céu era o limite para margens de lucro. “Mas no início deste ano já se via um mercado mais balanceado por longo prazo e aí veio o inesperado com a guerra na Europa e os contínuos lockdowns na China limando o consumo mundial de poliolefinas”. Ribeiro então amarra as pontas. “Há um choque de consumo com um problema inexistente no passado: o maior consumidor e produtor de PP e PE com o crescimento baixo que desmascarando a real magnitude de sua autossuficiência”. Nessa toada, ele segue, o mercado interno da China diminui sua dependência de matérias-primas com um agravante: “aquele pellet antes importado não acha destino alternativo com a recessão globalizada e, com 200 milhões de chineses em recaídas no lockdown, cai a demanda doméstica e, por tabela, a de resinas”.
Números fuzilam controvérsias. A régua da consultoria inglesa Icis mediu a participação de crescimento dos mercados regionais relevantes no aumento da demanda global de PP, PE, PS, PVC e fibras de poliéster entre 2002 e 2021. Deu China na cabeça, com mega salto de 67%. Américas do Sul e Central acusaram avanço de 4%, tal como a Europa, e a América do Norte registrou crescimento de 2%, um ponto percentual abaixo do Oriente Médio. Não existe, portanto, ainda mais com a Europa em coma induzido por Putin, opção à altura da China para uma desova satisfatória do excedente mundial de poliolefinas.
Por causa da interação dessa roda viva de variáveis aqui apontadas, o abarrotado mercado mundial de PP e PE está pisando no calo do canal de distribuição no Brasil. “Não dá para dourar a pílula. O que era para acontecer em 2020 ou 2021, acontece agora por conta do decorrente aumento do consumo mundial sob distanciamento social e os gargalos logísticos que desde então impactavam a remessa de produtos das origens aos destinos”, percebe o analista. “Mas o que está por vir pode ser pior do que esperávamos, devido ao crescimento menor que impede a China de absorver, como antes, o grosso do excedente global de poliolefinas. Daí a superoferta de materiais como PP no mercado chinês e, por extensão, a convivência com um novo competidor no comércio exterior de resinas”. E não é bem mais um mero competidor.
Está armada, portanto, a cena para a distribuição brasileira de PP e PE no novo normal, deixa claro Ribeiro. “Trata-se de um mercado competitivo ao extremo, pois fontes de origens diversas continuarão em busca de um porto onde haja consumo, capacidade de pagamento e economicidade”, ele descreve. “Esse risco chega à distribuição de resinas locais e à competitividade do seu produtor. Assim, os distribuidores no meio dessa cadeia acabam mais pressionados e suas armas para concorrer são limitadas”. Ribeiro recomenda aos distribuidores da Braskem reagir à sinistrose lapidando suas vantagens competitivas “e fazer da experiência da compra a ideal para o cliente, de modo que o custo da troca por outro fornecedor saia caro para ele”. No mais, ele sumariza, o reequilíbrio do mercado de PP e PE depende de retomada global, em particular da China. “O que é totalmente imprevisível a essa altura”.
Sem escapatória
José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast): “O cenário de maior participação da distribuição no varejo de resinas, seja ela com foco na produção doméstica ou com materiais importados, é uma tendência em toda parte do mundo. E no Brasil não poderia ser diferente. Bastou que tivéssemos a estrutura de acesso ao mercado igual à de nossos concorrentes para que o fornecimento e distribuição de matérias-primas também buscassem se adequar a tal cenário”.
O voo cego no radar
Distribuidores marcam em cima a travessia da zona de turbulência
A saraivada de choques recebidos pela petroquímica mundial, desferidos pela geopolítica, transição energética, repiques e sequelas da covid e a colisão frontal entre a recessão global e a super sobra de PP e PE a preços de queima de estoque desembocam numa nova era para a cadeia plástica brasileira e, em seu bojo, para o varejo de poliolefinas. “Não se trata de mais um típico ciclo no nosso setor, interpretado por oferta, demanda e PIB, mas de uma ruptura para valer, sem lugar para a mentalidade formada no passado pelo empresariado da distribuição”, ponderam Wilson Cataldi e Amauri dos Santos, timoneiros da Piramidal, ponta de lança ente os agentes da Braskem. A percepção deles é corroborada por Laercio Gonçalves, fundador e CEO da Activas, outra madeira de lei da rede Braskem e presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast).
A abundância de PE e PP na praça global, capitaneada por ampliações nos EUA e China e piorada pela Europa à deriva com a energia nas mãos da Rússia, caminha para cortar na carne do atacado e varejo de poliolefinas no Brasil. Afinal, avaliza o consenso dos analistas, a parcela da produção doméstica dessas resinas para o consumo interno se aproxima do seu limite. Sem notícias de planos de aumento em sua oferta, manda a lógica que a expansão da demanda nacional caia cada vez no colo das importações. De acordo com a palpitaria nas esquinas, isso significa que a parcela da capacidade instalada da Braskem destinada ao suprimento interno estaria basicamente preenchida. “Hoje em dia, a distribuição total de PP e PE nacionais e importados oscila entre 800.000 e 900.000 t/a; a rede de distribuição Braskem comparece nesse volume com algo entre 180.000 e 240.000 toneladas e a revenda independente gira na faixa de 20.000”, projeta Gonçalves.
Cataldi e Santos prevêm para este ano importações brasileiras de 1.170.000 toneladas de PE e 420.000 de PP. São volumes destinados a inflar mais nos próximos anos, sob o “novo normal” prenunciado para o mercado interno, bombeado pela irrevogável lei da oferta e da procura. Gonçalves retoma o fio lamentando que, suas vendas mensais de poliolefinas caíram muito nos últimos anos, desempenho que ele enxerga generalizado em seu setor.
Ímpeto refreado
Sem mais investimentos no horizonte para ampliar a oferta interna de PP e PE, atesta a voz corrente nos canais de venda, a Braskem hoje opera no cenário doméstico praticamente vendida. E mesmo se houvesse alguma expansão engatada, o histórico demonstra que projetos petroquímicos desse quilate, à parte a ira ambientalista que hoje despertam, consomem em regra sete anos da construção à produção comercial, situa Cataldi. Essa calmaria de hoje em dia, intercede Gonçalves, pesa para abrandar o ímpeto, a gana por aumentar as vendas que é o excitante do ofício de distribuidor. “É o desafio de colocar a matéria-prima sobrante que energiza e entusiasma o nosso setor”, acentua o CEO da Activas. A propósito, ele opina, uma forma de a Braskem ajudar seus distribuidores a melhor se amoldarem ao novo normal que vem por aí, fora das querelas sobre preços e condições financeiras, seria liberar os agentes para exportar suas resinas para países vizinhos – vendas externas aliás sempre praticadas por distribuidores mundo afora.
Sem acenar com maior disponibilidade de PP e PE para o mercado interno, a Braskem pende para uma revisão estrutural de sua distribuição. Afinal, nota o consenso dos analistas, o mercado dela vem diminuindo a ponto de não comportar mais a atuação a contento da rede de agentes, “devido à diminuição da oferta interna de resina e queda no consumo”, acentua Gonçalves. E daqui por diante, reiteram as lunetas da praça, seus distribuidores estarão cada vez mais expostos a concorrentes múltis atraídos para desovar seus hiper ofertados PP e PE no maior mercado da América Latina. Vários deles, por sinal, portam no coldre avançados grades inexistentes na hoje menos folgada produção nacional.
Nos idos de 2019, PP e PE da Braskem incidiam em 80-85% da receita da Activas, participação reduzida a 50-60% nos dias de hoje. “O declínio tende a continuar puxado pelas importações e pela diversificação do nosso portfólio”, considera Gonçalves.
Pesos e contrapesos
A reviravolta em curso no varejo de poliolefinas não pegou Piramidal e Activas de calça curta. Maior distribuidora brasileira de termoplásticos, a Piramidal atingiu em 37 anos uma solidez que a blinda de coices e sustos no negócio de poliolefinas. Nos idos de 2017, contam Cataldi e Santos, PE mobilizava 90% das vendas da Piramidal e hoje a participação ronda 50%. Em contrapartida, outros materiais commodities e nobres contrabalançaram na receita a redução da dependência de PE, um esforço que prossegue a todo vapor. A providencial virada no balanço transcorre desde cinco anos atrás, quando a empresa passou a priorizar a diversidade do seu portfólio focando em produtos de maior valor e gama de aplicações e com demanda compatível É com base neste foco, por exemplo, que um staff interno de cobras em plásticos de engenharia tem desenvolvido aplicações individualizadas, não raro de braço dado com os fabricantes de produtos finais e transformadores que os atendem e integram a fornida carteira da Piramidal.
Um destaque na diversificação do mostruário atende pelo nome Eccoar. Trata-se de uma série de resinas recicladas premium (commodities e de engenharia) fornecidas por recicladores parceiros da Piramidal. No tocante a PP e PE reciclados, a Piramidal tem luz verde da Braskem para comercializar os reciclados da empresa e os contratipos Eccoar. Ainda no ano passado, a Piramidal constituiu uma unidade de negócios de soluções circulares, sem similar no varejo nacional do plástico, responsável aliás pela família de grades reciclados com marca da empresa. O desdobrar do leque de materiais commodities e especiais contemplou a Piramidal com um divisor de águas em 2021 – foi a única distribuidora de resinas no país a faturar R$ 1.150 bilhão. Em conjunturas sem surpresas, durezas e incertezas, a empresa gira em média mensal de 7.500 a 8.000 t/mês, como aconteceu em 2019, indicam Cataldi e Santos. Nos dois anos pandêmicos seguintes, eles esclarecem, resinas como as poliolefinas da Braskem acusaram contingenciamento e este suprimento inconstante explica porque o giro médio da distribuidora empalideceu então em volume. Em contrapartida, porém, o negócio de plásticos de engenharia seguiu fortalecendo seu peso na receita da Piramidal.
Repaginada geral
Adepto de planejamentos anuais cobrindo quinquênios, Laercio Gonçalves pressentiu a mudança nos ventos no negócio de poliolefinas desde que espocaram, em meados de 2018, as unidades iniciais da primeira rodada de expansões da capacidade norte-americana de PE, bombeadas pela matéria-prima mais barata do planeta, o gás natural extraído de jazidas de xisto e de bacias do Golfo dos EUA. Gonçalves rememora que, desde então, a Activas entrou numa repaginada geral, mediante investimentos pesados em digitalização, P&D, logística reversa, plástico reciclado pós-consumo, bioplásticos e plásticos de engenharia. Entre as sacadas de repercussão, destaque para o primeiro movimento de internacionalização – o escritório de representação no México, dentro do bloco Nafta, inaugurado com a oferta de ácido polilático importado e aditivado pela componedora paranaense ERT. Outro sucesso: a articulação de um esquema de logística reversa com flexíveis. “Juntos com a Ambipar, recolhemos sacaria vazia de PE em clientes produtores de stretch e a remetemos para reciclagem na empresa Boomera”, descreve Gonçalves. “O reciclado volta para reúso em stretch pelos mesmos transformadores e, mais à frente, está nos planos lançar com marca própria o stretch desse PE reciclado, também extrusado pela Boomera”.
Fora vestir com garbo esta camisa verde, o corintiano distribuidor adianta os preparativos para lançar uma razão social à altura da reconfiguração da sua companhia. “A proposta visa constituir uma holding, alojando em seu bojo as operações de transporte na empresa Act Log; de beneficiamento de resinas na Act Plus e, na Act Bank, parceria nossa com uma plataforma digital fintech. Contribuirá para as vendas atuando com facilidades como cash back (sistema pelo qual o consumidor recebe parte do valor de volta ao comprar algum produto, depois do pagamento integral cobrado pelo fornecedor)”. A ideia de fusões ou aquisições com empreendedores do exterior não pisca por ora no radar da Activas, mas Gonçalves, já sondado pré-pandemia por distribuidor dos EUA, pondera ser o tipo de cogitação que o novo normal no seu setor poderá trazer à tona.
Além das resinas
Para operar mais a contento na transfigurada distribuição dos próximos anos, a bola da vez na Eteno, única distribuidora da Braskem sediada no Nordeste, são as plataformas digitais. “Estamos investindo em automação para baixar custo e tempo do atendimento e aumentar a interação com clientes por meio de serviços não relacionados a resinas, como soluções logísticas e linhas de crédito”, expõe o diretor Rodrigo Brayner Fernandes. Uma referência prática é a ferramenta Eteno Express, para o comprador rastrear com rapidez e exclusividade dados como a tramitação de seu pedido, nota fiscal e laudos laboratoriais
Como polímeros mais consumidos no planeta, óbvio que PE e PP liderem em volume de vendas os balanços da distribuição. Fernandes acompanha o desdobrar da caça a mercados para desafogo do excedente mundial de poliolefinas. Por sinal, o governo brasileiro suspendeu ao final de outubro o antidumping para PP dos EUA, pleito da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Com mais de 25 anos de estrada, a Eteno também representa no N/NE a Unigel em PS e da Cromex em masters e auxiliares. Mas Fernandes está empenhado em alargar o raio de ação da Eteno. “Já atuamos com reciclados de marca própria e estamos arquitetando parcerias em áreas fora da comercialização de resinas”, acena lacônico o dirigente. As oportunidades para se aventurar no exterior não são desconsideradas, mas ele prega os olhos por ora só no mercado interno. “Ele ainda mostra muitas carências e o preço e atendimento nos garante competitividade”.
Olho na janela
Ricardo Guerreiro Mason, diretor da Fortymil, agente oficial de poliolefinas da Braskem e revendedor independente de polímeros estirênicos, já transita pela heterogeneidade do catálogo com resinas recuperadas e compostos servidos pela Plastimil, recicladora do Grupo Fortymil. “A cultura da diversificação é um dos fatores do sucesso em 50 anos de mercado a serem completados pela Fortymil em 2023”, ele sublinha. Quanto às possibilidades de internacionalizar seu negócio. Mason as considera uma estratégia merecedora de análise. “Nada temos planejado a respeito para o curto prazo, mas como as janelas não tem hora certa para abrir, convém estar sempre pronto para esses momentos”.
Em relação ao mercado interno, Mason tem uma sugestão concreta, à parte da areia movediça dos preços das resinas e diretrizes financeiras, para a Braskem respaldar sua rede de agentes no repaginado varejo de PP e PE. “O melhor suporte que ela poderia dar seria alguma medida para minorizar ou zerar a atuação alastrante de empresas agraciadas com benefícios fiscais, caso daquelas com base na Zona Franca de Manaus, e estão contaminando o mercado nacional de PP e PE com práticas tributárias questionáveis”.
Aleijões tributários
Aberrações fiscais são a justificativa-chave para a queda livre nos volumes da distribuição oficial de PP e PE (resinas nacionais e importadas) no país, distingue Osvaldo Cruz, gerente geral da Entec do Brasil, subsidiária da distribuidora norte-americana e transnacional. Pela métrica da Adirplast, seus filiados vendiam cerca de 315.000 toneladas das duas resinas em 2017 e fecharam 2021 com saldo arredondado em 140.000 toneladas. Cruz não titubeia. “Nos últimos anos, a queda na participação de mercado detida pelos agentes associados à Adirplast decorre fundamentalmente da legislação tributária, criadora de uma devastadora deformação nas relações comerciais ou concorrenciais”, atribui o calejado distribuidor. “Essa jurisprudência é um caldo de cultura para práticas heterodoxas, permitindo ‘vantagens” fora das regras estabelecidas em lei e nada ou pouco acontece para corrigir esse estado de coisas”.
À margem do sanatório fiscal, Cruz comenta que a situação se agrava para os lados da rede Braskem em razão da capacidade produtiva da petroqupimica rondar o cume, quando não já foi superada, para determinados grades de poliolefinas, a exemplo de PEBD, PEBDL metalocênico e copolímeros menos convencionais de PP. “Esse descompasso entre oferta e demanda internas criará as condições objetivas para o inevitável crescimento das importações”, vaticina o gerente geral. Sob este prisma, aliás, seu balcão sai bem na foto, pois a Entec distribui aqui PE da Dow (inclusas resinas produzidas e remetidas da Argentina ao Brasil com isenções tarifárias do Mercosul) e PP exportado pela Borealis, Esenttia e Petroken. A propósito, Cruz entende que, sob pressão do indigesto excedente mundial de poliolefinas, tudo leva à constituição de mais representações de global players no Brasil. Além da extensão territorial, o país tem peculiaridades regionais, culturais e econômicas que exigem uma atuação permanente e perto do mercado, argumenta Cruz. “Mas a abertura de mais escritórios depende do rumo tomado pelo próximo governo”, ele condiciona. “Se for o da realização das reformas atrasadas há mais de 20 anos, haverá um clima favorável para a atuação local das petroquímicas internacionais”.
Importações bafejadas
Distribuidora multibandeira de poliolefinas, caso de petroquímicas tipo Sabic, Petroken e Repsol Ypf, a Replas também pressente a chegada de mais representações de petroquímicas e traders do exterior. “A super oferta global de resinas tende a exacerbar o ambiente competitivo do mercado brasileiro e múltis deverão buscar parcerias de longo prazo com distribuidores daqui bem estruturados e capitalizados”, sustentam Marcos Prando, sócio executivo e Eder Ottolini Balbani, responsável por vendas técnicas da Replas. “Fatores como a oferta crescente de PP e PE de marcas globais e a provável redução dos nossos impostos de importação aumentarão a competitividade de quem desembarcar essas resinas, mesmo tendo que lidar com variação cambial e prazo de entrega até 90 dias”. Com isso, eles apimentam, os distribuidores oficiais sentirão cada vez mais a disputa “movida por grandes transformadores e pelas pequenas revendas recorrentes na sonegação e que abrem e fecham sem se importar com a origem do material”.
O tempo também deve fechar sobre as plantas brasileiras de PP e PE, percebem Prando e Balbani. “Apesar da manutenção satisfatória, são unidades antigas e de baixa produtividade”, eles avaliam. “E como há algum tempo não se investe em mais fábricas no país, torna-se lógica a carência de alguns grades nos próximos anos, possibilitando aos materiais importados abocanhar uma fatia considerável do mercado interno”. A propósito, eles encaixam que o Brasil nunca foi grande importador de poliolefinas da Europa, situação imutável com o continente sem chão desde a guerra iniciada em fevereiro. É provável, portanto, o aumento das importações de PE e PP dos EUA e China para cá, completam Prando e Balbani.
Virar a chavinha
“Teremos que estar prontos para enxergar as oportunidades, as mudanças já ocorrem, serão profundas e quem não se adaptar ao novo jeito de trabalhar ficará fora do mercado”, vaticina sobre o novo normal Cleber Motta, diretor da Place Resinas, revendedora independente de termoplásticos importados. “As importações são complemento essencial para a transformação brasileira de PP e PE, pois suas indústrias podem se recuperar com rapidez e, para atendê-las a tempo, a matéria-prima de fora é imprescindível, pois a capacidade de aumento da produção local não reage com a necessária velocidade e, ao que eu saiba, não há projetos de expansão dela”, percebe Motta.
“O Brasil tem muitos empreendimentos pela frente, como no saneamento ou construção civil, segmentos que dependerão de PP e PE de oferta doméstica já insatisfatória, vácuo a ser preenchido com resinas do exterior. Aliás, a importação é o único mecanismo regulador de preços no mercado interno”.
No embalo, Motta considera que o acesso ao excedente mundial de poliolefinas pode engordar a envergadura do Brasil como exportador de manufaturados, ocupando a lacuna deixada pela Europa vergada pelo custo da energia na estratosfera. Ele ressalva, porém, que essa oportunidade não sai do chão sem o governo fazer sua parte na infraestrutura, em especial portuária, e com benefícios fiscais para venda externa de transformados de plástico. “Temos que virar a chavinha importando matéria-prima para exportar produtos de maior valor agregado”. De outro ângulo, Motta fecha com a voz corrente na praça de que o Brasil pode atrair mais representações de fornecedores internacionais hoje obcecados por atenuar o excedente de PP e PE que a China em crise não consegue absorver. “O nosso mercado ainda é muito protecionista, além de complexo e com regras tributárias e insegurança jurídica integrantes do Custo Brasil”, expõe o diretor da Place. “Mas, pondo essas barreiras à parte, o país é importante nessa meta de amenizar a mega oferta mundial de poliolefinas. Ainda temos bastante espaço por ocupar aqui no nosso mercado”.
Motta também acha que o novo normal desenha um panorama mais propício para o revendedor autônomo do que para o distribuidor autorizado de PP e PE. “Continuo a crer na estratégia de independência, da liberdade para negociar preços”, ele coloca. “Se até mesmo os distribuidores locais sofrem com o ataque a clientes menores desfechados pela petroquímica nacional, o mesmo pode acontecer com um player de fora que recorre ao agente autorizado para fortalecer sua marca aqui e depois começa a concorrer direto com ele”. Diante dessa ameaça, Motta entende que a ideia de ser distribuidor oficial apenas para ter um produto exclusivo na praça não funciona mais. ”Hoje em dia, marcas diferentes adotam o mesmo processo petroquímico, de modo que o argumento diferenciador cai por terra”. •