Demanda reprimida

O efeito dominó da construção em crise sobre o maior mercado da rotomoldagem

Pente fino do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou em 2018 que 17.197 milhões dos 71 milhões de domicílios no país e 53.255 milhões de residentes não dispunham de água encanada. Em tese, essa parcela de moradias carentes traduziria prato cheio quente para a indústria de caixas d’água se fartar, não fosse a construção civil deficitária há cinco anos, como demonstra o encolhimento de 28% do seu PIB entre 2014 e 2018 em medições setoriais. A calmaria respinga direto sobre o segmento de caixas d’água de polietileno (PE), hoje sob o fogo cruzado da economia no atoleiro, competição a ferro e fogo dentro e fora do seu universo (com caixas de outros materiais) e seu potencial produtivo reprimido pelo consumo esfriado de produtos para reformas residenciais e imóveis novos. “Nossas cinco fábricas hoje somam capacidade instalada suficiente para crescermos 30%”, calcula Alysson Knapp Bakoff, gerente comercial da gaúcha Bakoff, quintessência nacional em caixas de PE e de poliéster reforçado com fibra de vidro (PRFV).

“Os reflexos inerentes da demanda em baixa nos últimos anos são a falta de repasse no ponto de venda (PDV) dos reajustes nos custos de produção e a consequente diminuição das margens das indústrias de caixas d’água”, descreve o especialista. “A conjuntura de instabilidade e insegurança econômica afeta a evolução das vendas do produto sem distinção de matéria-prima”. A propósito, Alysson comenta ter recebido com preocupação e tristeza, ao final do ano passado, a notícia da saída do concorrente Brasilit do segmento de caixas d’água de PE. Inúmeras empresas do ramo já fecharam as portas em Estados como Ceará, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, ele acentua. “Existe mercado para todos os players”, observa. “O que destoa na concorrência é a prática de venda abaixo dos preços de compra pelo lojista e indústrias adquirindo participação de mercado baseada apenas em preço, inclusive algumas propondo valores em desacordo com suas necessidades financeiras” .

Caixa dagua para Visor 659
Brasil: 17.197 milhões de moradias sem água encanada.

Fundada em 1987, a Bakof tem recall de nome vinculado à ainda muito demandada caixa de PRFV, explica Alysson, atribuindo o link aos anos de trabalho na praça com o slogan “Bakof Tec essa marca tem fibra!”. Essas caixas de termofixo são produzidas apenas na matriz, em Frederico Westphalen, também atuante na rotomoldagem de PE, processo que é o foco exclusivo das plantas filiais. Devido à melhor performance na fabricação, nota, a caixa de PE tem avançado, mesmo em momentos de retração, sobre o mercado dos contratipos de PRFV. “Isso ocorre principalmente nos grandes centros urbanos, onde o foco das compras é dominado por caixas de pequeno volume”, esclarece o especialista. No plano geral, ele reparte o mercado de caixas d’água em dois nacos. “Temos o mercado de recipientes de capacidade reduzida, até 1.000-2.000 litros ofertados no PDV em todo o país e as caixas de 3.000 a 25.000 litros”, delimita Alysson. “Os volumes maiores também giram nas lojas de materiais de construção, mas estão diretamente atrelados a obras de grande porte”.
O mix de caixas da Bakof, insere o gerente comercial, cobre qualquer cliente em busca de soluções para armazenar até 70.000 litros de água. No âmbito das suas caixas rotomoldadas, Alysson enquadra o consumidor padrão na raia dos volumes menores, até 1.000 litros. “No geral, aliás, as versões em PE e PRFV de 500 e 1.000 litros são nossos carros-chefes”. A selfie do portfólio atual da Bakof mostra 21 modelos de caixas de PRFV em três camadas (gel externo/poliéster reforçado/gel interno) e nove de PE com tampa aberta, além de 11 caixas rotomoldadas em formato de tanque. “Os modelos de PE com tampa aberta são de volumes menores porque ainda estamos no início da curva de aprendizado para rotomoldar versões de maior porte que atendemos com a tecnologia de PRFV, da qual aliás nosso negócio se originou”, argumenta o executivo.

Nos últimos anos, repassa Alysson, a Bakof imergiu em reestruturações calcadas na melhora de processos combinada com cortes em custos, ganhos na produtividade e atenção redobrada no PDV (caso da adoção de painéis explicativos sobre as caixas na loja) e no portfólio. ”Mix é a palavra de ordem no reduto de caixas d’água, pois o frete tem impacto acentuadíssimo na formação de preços”. Em paralelo, ele acrescenta, a empresa ampliou a oferta de itens passíveis de contribuir para a venda da caixa d’água, a exemplo de filtros com carvão ativado, torneiras, boias e registros. Por essas e outras, evidencia Alysson, o desempenho da Bakof no primeiro semestre saiu fora do cinzento quadrado do seu setor. “O crescimento da receita com as caixas de PE e PRFV beirou os dois dígitos”, ele dimensiona. “Com a ampliação da fábrica no Ceará e a abertura da unidade em Minas Gerais, nosso consumo de PE tende a crescer. Afinal, o Brasil é muito maior que o momento que estamos vivendo”.

Braskem

Resinas que passam na caixa

Única produtora de polietileno no país, a Braskem estima o consumo da resina na rotomoldagem em 105.000 t/a. “Reservatórios de água, inclusos tanques grandes e caixas d’água, mobilizam 75% desse mercado”, dimensiona Fabiano Zanatta, líder do segmento de rotomoldagem da empresa. Pela sua análise, o segmento de reservatórios romoldados foi abalroado pela crise que, desde 2015, emagrece o PIB da construção civil. “A conjuntura levou ao declínio na produção de reservatórios e à saída de alguns fabricantes desse mercado”. Para contornar a calmaria doméstica, Zanatta considera uma alternativa para o transformador local produzir tanques e caixa d’água em outros países, ”ampliando assim seu perímetro de atuação”.

Em favor da lapidação da produtividade, acabamento e do balanço de propriedades mecânicas (impacto/deformação), a Braskem comparece em reservatórios de volumes maiores com soluções como o grade de alta densidade (PEAD) HD4601U. O rol de resinas da empresa para rotomoldagem hoje agrupa cinco grades de amplo espectro de densidades e índices de fluidez.

João Paulo Roriz, diretor da Ecoplax, transformadora goiana de caixas d’água de PE, ilustra as avarias da construção civil em baixa sobre seu segmento com a desaceleração, forçada por verbas oficiais à míngua, do programa Minha Casa, Minha Vida, reconhecido como responsável por dois terços do mercado imobiliário nacional. “Com isso, cai a quantidade de obras de casas novas, um quadro agravado pelo aumento do desemprego e diminuição da renda”. Mesmo assim, a demanda potencial leva Roriz a estudar a montagem de fábricas em outras regiões. Como a caixa de PE pesa pouco e tem bastante volume, o frete tem custo significativo no negócio e a proximidade do mercado consumidor surge assim como um diferencial ao permitir também atender o cliente com mais rapidez e eficiência”. No embalo, Roriz adianta o plano de dobrar para 10.000 litros até dezembro a sua caácidade máxima de caixas e tanques rotomoldados de PE. “Temos observado a necessidade de armazenagem em volumes maiores, em especial em cidades com vocação agrícola”.

A Asperbras Rotomoldagem não produz caixas d‘água, mas conhece bem a realidade deste segmento pelo observatório do mercado vizinho de seus reservatórios multiuso de PE. “Com a crise desde 2015 penalizando a construção civil, o consumidor que movimentava a grande massa de vendas de caixas d’água simplesmente parou de comprar ou diminuiu ao extremo este gasto, passando a priorizar as necessidades básicas”, interpreta o gerente comercial Israel Cardoso. “Para atenuar este baque, as indústrias de caixa d’água em geral tiveram que se readequar à baixa demanda, reduzindo seus parques fabris para ajustar os custos, e empreendendo ações pontuais de marketing”.

Se, após cinco anos de azedume na construção civil, o mercado de caixas d’água não desfrutar uma volta por cima em 2020, Cardoso vislumbra que as indústrias do setor terão que rever seu foco. “Seja qual for seu tamanho, todas elas deverão buscar alternativas em outros segmentos para compensar a baixa nas caixas d’água”. •

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