Conversa de surdos

Lei antiplástico em sacolas e sacos de lixo reflete comunicação truncada entre cadeia de flexíveis e STF

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, em 19 de outubro, autonomia a cada município brasileiro para legislar sobre a substituição de sacolas e sacos plásticos de lixo em uso no comércio e órgãos públicos. A decisão tem um ano para vigorar, a partir da publicação da ata do julgamento que considerou constitucional a lei 7.281 promulgada em 2011 pela câmara de vereadores de Marília (SP) e questionada na Corte pelo Sindicato da Indústria de Material Plástico de São Paulo (Sindiplast). O STF considerou de efeito geral, extensivo às 5.568 cidades do país, a constitucionalidade dessa norma. Em Marília, foi determinada a adoção de sacola retornável ou biodegradável e de saco reciclado ou bio de lixo. “Impressionante a capacidade de decidir do STF, sem estudo e apenas sob pressão de ONGs anti-sacolas plásticas”, comenta Rogério Mani, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief). “Se de fato houver autonomia em todos os municípios para legislar sobre isso, a situação ficará desastrosa”.
Mani ressalta que oponentes à sacola convencional não consideram as necessidades do consumidor mais carente e fecham os olhos para a realidade que confirma essas sobreembalagens ditas descartáveis como reutilizáveis. “Sabedor dos transtornos logísticos, o próprio STF agendou a vigência do acórdão para um ano depois de publicado”, acentua o dirigente. “Já orientamos a todas as partes envolvidas para o fato de biodegradáveis não serem uma solução, dada a oferta insuficiente e inviabilidade econômica”. Mani carrega nas tintas: “quem fiscalizará a autenticidade do biomaterial? E como falar em biodegradação num país onde a compostagem praticamente inexiste?”
A ferramenta científica da Análise do Ciclo de Vida (ACV) prova que plástico virgem de origem é menos nocivo ao meio ambiente que materiais alternativos, inclusos bioplásticos. Mani não se conforma com a ignorância de órgãos regulamentadores sobre comparativos técnicos. “Por sinal, o STF não atendeu a nosso pedido de audiência pública com todos os participantes das cadeias produtiva e comercial num debate técnico e explicativo”, pontua o dirigente, reiterando que, sem essas fundamentações realistas, a sociedade seguirá ao sabor de situações improcedentes e recheadas de hipocrisias. “Embarcaremos em biomateriais quando provadas a sua eficácia e viabilidade econômica”, ele condiciona. “Até o momento, nosso alcance se prende à reciclagem, tanto assim que estamos revisando a norma técnica para sacolas de modo a abrir lugar nelas para o conteúdo reciclável, até aqui vetado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O mundo gira e a Lusitana roda. Cerca de uma década atrás, polietileno (PE) pós-consumo reciclado aparecia livre, leve e solto em sacolas de saída de caixa. Até que foi de súbito varrido da aplicação, pois enxergado à época como material de segunda e usado e abusado em espessuras impróprias. A derrocada veio com norma técnica que estendia o acesso da sobreembalagem ao PE Verde, obtido pela Braskem da rota do etanol da cana-de-açúcar. “O precedente aberto pela lei de Marília significa o fim do uso regulamentado de PE Verde em sacolas de supermercado – tem a vantagem de ser de fonte renovável, embora de difícil comprovação do seu uso”, constata Mani

Falta conversar
Alex Duarte, líder comercial e de marketing de embalagens e bens de consumo da Braskem, tem outra visão das perspectivas para PE Verde. “Entendo que a lei de Marília não afeta a definição vigente e em linha com o Programa Nacional de Qualidade, criada pela Abief e Instituto Nacional do Plástico (INP), com especificações técnicas para sacolas camiseta”, pondera o executivo. ”São diretrizes que não delimitam PE Verde como material exclusivo em sacolas, pois no quarto capítulo a norma delimita que a sacola deve ser fabricada com resinas termoplásticas acrescidas ou não de auxiliares para gerar um produto de acordo com as condições estabelecidas pela ABNT”.
Ao reconhecer a constitucionalidade e dar repercussão nacional à lei sancionada em 2011 em Marília, cuja prefeitura se esquivou da entrevista, o STF garantiu aos municípios o poder de arbitrar sobre qual material adotar na produção de sacolas disponibilizadas em seu território até a legislação estadual traçar regras a respeito, interpreta Duarte. “Portanto, não acredito em extinção do uso de PE Verde nessa embalagem secundária”, ele contrapõe, calculando que o atual consumo interno de sacolas e sacos de lixo ronde a marca mínima de 9.000 t/mês de grades de PE.
A propósito, nos últimos balanços anuais da Abief chama a atenção o declínio da participação da categoria descartáveis, puxada por itens como sacolas, no mercado interno de flexíveis, queda atribuída à rejeição ambientalista da sobreembalagem. Nessa esteira, Duarte defende, na hipótese de alterações na jurisprudência, que sejam intensificados diálogos da cadeia plástica com agentes públicos para combater sua desinformação sobre sustentabilidade em temas como sacolas de saída de caixa. “É sabido, por exemplo, que o refugo plástico compostável pode afetar o ecossistema mais que o de base fóssil se não for submetido a um ambiente favorável à compostagem, condição inexistente na grande maioria dos municípios”.

Perrengue no varejo
A palavra de ordem é comunicar, estabelece Gisele Barbin, gerente comercial do Grupo Extrusa-Pack, potência em sacolas e sacos de lixo. “Nosso setor precisa abrir o diálogo com o poder público e o varejo para discutir as verdadeiras soluções sustentáveis”, ela sublinha. “A educação ambiental já está em curso e é hora de implantar a coleta seletiva, capacitando cooperativas de municípios para receber a rica matéria-prima do plástico”.
Para Gisele, preocupa a autonomia concedida pelo STF a municípios para escolherem o modelo sustentável de sacolas de saída de caixa e sacos de lixo ali utilizados. “Falta informação aos vereadores para legislarem sobre a matéria e é necessário envolver nessa divulgação estudos profundos como os do ciclo de vida de produtos”, comenta a executiva. “Vale também considerar que os vereadores podem ser suscetíveis a lobbies de fabricantes de determinadas tecnologias ditas sustentáveis”. A desinformação também permeia a questão dos materiais biodegradáveis, ela nota. “O termo biodegradável é corriqueiro e uma solução mais popular”, admite. “Mas mesmo essas sacolas prejudicam o meio ambiente com sua decomposição após descarte incorreto”. Em relação ao PE Verde, polímero de fonte renovável e não biodegradável, Gisele opina que o espaço do material em sacolas não está por ora restrito por regulamentação, mas sim, pelo aumento no preço da resina da rota alcoolquímica. “No momento, a reciclagem é mais importante que a fonte renovável nessa discussão” ela argumenta. “É indispensável debater sobre o reaproveitamento da sacola – aliás, de alta incidência de reúso para recolher entulho, separação do lixo e reciclagem”. Gisele aproveita a deixa para lembrar que, pela norma técnica 14937, o uso de reciclado em sacolas estava vetado, “mas a regulação está sendo alterada para permitir essa aplicação”, ela comemora. “Isso beneficia a economia circular, incentivando a coleta de plástico flexível destinado à reciclagem”.
Gisele insere ainda que ao estender a todos os municípios o poder de escolher soluções substitutas do PE convencional em sacolas e sacos de lixo o STF arranjou uma encrenca para os canais de venda. “Será um problema para varejistas adotarem e administrarem diversos tipos de sacolas no caso de possuirem lojas em municípios diferentes Brasil afora.
Âncora citada da lei de Marília, a norma NBR 15448-2-2008 seria o argumento nocaute para demover o STF de reconhecer como constitucional e validar para todos os municípios o poder de selecionar soluções sustentáveis para substituir resina petroquímica virgem em sacolas e sacos de lixo. Seria tiro e queda, deixa claro Eduardo Van Roost, CEO da Res Brasil, agente dos plásticos biodegradáveis e masters de aditivos oxibio da inglesa Symphony. “Essa norma só pode ser cumprida se o município dispuser de coleta seletiva de resíduos orgânicos e usina industrial de compostagem”, ele delimita. “Sem isso, a sacola e o saco de lixo não cumprirão os requisitos de biodegradação e ausência de resíduos nocivos prescritos na regulamentação.
Critérios de biodegradação e a falta de resíduos nocivos, aponta Roost, são o ponto em comum entre os caros plásticos compostáveis e os biodegradáveis, ambos aliás de produção ínfima face a resinas petroquímicas. “Os compostáveis se degradam em condições específicas (temperatura, revolvimento etc) em dependências fechadas de compostagem, enquanto os biodegradáveis fazem o mesmo em ambiente a céu aberto. Ambos os tipos não atendem a normas técnicas de biodegradação, ele reitera. “Como o ambiente onde esse processo ocorre pode ser diferente, as normas existentes também diferem entre si”.
A conduta do STF incute em Roost a convicção de despreparo dos 11 juízes para lidar com o caso. “Nem sempre o que eles pensam ser sustentável bate com a realidade. Antes de julgarem, deveriam pesquisar as ACVs, que são atestados científicos da superioridade dos plásticos comuns sobre compostáveis em termos de desenvolvimento sustentável”. O fornecedor de polímeros hidrossolúveis importados não digere a extensão da lei de Marília aos milhares de municípios nacionais. “Imagine cada um deles legislando à sua maneira sobre o mesmo tema das sacolas? Um local aceitando compostáveis sem ter usina para tanto; outro aprovando papel e mais outro chancelando um polímero biodegradável? Como transformadores da sobreembalagem e comerciantes poderão atender a leis tão diferentes, quais municípios conseguirão fiscalizar se o produto atende à lei? O que virá pela frente é a preferência por papel, apesar de ACVs provarem ser menor o impacto ambiental dos plásticos”.
Roost embarca no coro de quem vê no efeito geral da lei de Marília uma contagem regressiva para PE Verde em sacolas de saída de caixa. “O uso regulamentado desse material já não vinha funcionando”, ele opina. “Quantas sacolas com a marca desse PE possuem de fato esta matéria-prima? Quem fiscaliza e quem se importa com isso? As pessoas pensam que a resina é biodegradável por ser derivada do etanol e quantos explicam que não é e, portanto, não atende a legislação sobre biodegradação e compostabilidade?” •

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