Maior território do cultivo protegido no Brasil, as hortaliças têm sido irrigadas com um jorro de avanços em qualidade e produção resultantes de experimentos com estufas e mulching pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mentora da excelência tecnológica do agronegócio no país. Entre os méritos dos estudos efetuados, toma corpo a contribuição do cultivo protegido para manter a regularidade na oferta de alimentos de bom visual e qualidade mesmo quando o plantio é alvo de extremos climáticos. Com essa blindagem de plástico, alimentos sensíveis a variações térmicas e de umidade, a exemplo de hortaliças, podem ser produzidos em qualquer época do ano (inclusive em períodos de baixa oferta) e/ou em condições ambientais adversas. Além disso, o cultivo protegido enseja menos uso de defensivos no plantio, mérito do ambiente fechado inibindo a propagação de doenças. “Estas inovações não apenas aumentam a eficiência da produção de hortaliças sob condições climáticas extremas, mas contribuem para a sustentabilidade do plantio, reduzindo a necessidade de recursos hídricos, químicos e energia. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de materiais e tecnologias são fundamentais para adaptar as práticas agrícolas às mudanças climáticas, garantindo a segurança alimentar e a viabilidade econômica do setor”, sumariza o pesquisador Ítalo Guedes, responsável na Embrapa pelo gerenciamento de hidroponia e manejo da nutrição de plantas. Nesta entrevista, ele acentua os principais progressos incorporados à performance dos filmes para estufas e mulching e aponta as poucas lacunas por preencher ainda pendentes.
Quais as principais melhorias nas propriedades dos filmes de estufas e mulching para hortaliças determinadas pelas condições de trabalho mais extremas trazidas ao Brasil pelas mudanças climáticas?
A agricultura enfrenta diversos desafios em função das mudanças climáticas. Isso ocorrer, em especial, em países como o Brasil, onde a diversidade do clima implica uma variedade de condições extremas. As tecnologias de cobertura do solo, como filmes de estufa e mulching, são essenciais à produção de hortaliças por ajudarem a controlar temperatura, umidade e incidência de pragas e doenças. As mudanças climáticas, caracterizadas por temperaturas mais altas, eventos climáticos extremos mais frequentes (como secas e inundações) e alterações nos padrões de precipitação, exigem adaptações nessas tecnologias. Aqui estão algumas das principais melhorias e ajustes realizados nas propriedades dos filmes para enfrentar essas condições:
1º Melhorias mecânicas
Resistência ao vento e carga: aumento da resistência mecânica dos filmes para suportar ventos fortes e acumulação de água da chuva sem se romper.
Durabilidade: uso de aditivos anti-UV e estabilizadores térmicos para prolongar a vida útil dos filmes sob exposição solar intensa e variações climáticas severas.
2º Ajustes térmicos
Controle da temperatura: desenvolvimento de filmes com propriedades termorreguladoras, capazes de refletir a radiação infravermelha e manter o ambiente interno da estufa ou sob o mulching em faixa térmica ótima para o crescimento das hortaliças.
Isolamento Térmico: soluções para proteger as plantas sob excesso de frio e calor, através de materiais com melhor performance térmica.
3º Propriedades ópticas
Difusão de luz: ajustes na transmissão e difusão da luz para garantir distribuição uniforme da luz solar, essencial à fotossíntese, em especial em condições de alta luminosidade.
Controle da Radiação UV: incorporação de filtros UV nos filmes para proteger plantas de radiações nocivas, ao mesmo tempo em que permitem a passagem da luz necessária ao crescimento.
4º Características químicas
Resistência a produtos químicos e biodegradabilidade – uso de materiais resistentes à degradação por agroquímicos e desenvolvimento de biofilmes redutores do impacto ambiental ao final da vida útil.
Atividade antimicrobiana: adição de propriedades antimicrobianas aos filmes para prevenir contra o desenvolvimento de patógenos nocivos às plantas.
5º Ajustes para manejo de água
Permeabilidade à água e controle de umidade: desenvolvimento de filmes com controle de permeabilidade, permitindo a passagem de água necessária ao solo enquanto bloqueia a evaporação excessiva, condição crucial em períodos de seca.
Quais os principais avanços constatados nos últimos anos pela Embrapa em relação à vida útil e performance das estufas e mulchings de PE para hortaliças?
Nos últimos anos, o Brasil tem experimentado significativos avanços tecnológicos, em produtividade e sustentabilidade, nas estufas e mulchings para hortaliças. Tratam-se de progressos cruciais para o cultivo resistir aos percalços trazidos pelas mudanças climáticas. Vamos detalhar agora os principais aprimoramentos:
1º Vida útil e durabilidade
Aditivos anti-UV: protegem contra degradação por radiação acima do violeta, estendendo expressivamente a vida útil do filme com manutenção de sua performance.
Estabilizadores térmicos: aumentaram a duração dos filmes ao dotá-los de resistência às variações de temperatura.
2º Difusão da luz
Tecnologia de difusão: desenvolvimento de filmes que melhor distribuem a luz dentro da estufa, promovendo fotossíntese uniforme e crescimento saudável das plantas.
3º Melhora da sensação térmica
Filmes térmicos: a adoção de filmes com propriedades de controle de calor ajuda a resguardar as culturas de extremos térmicos.
4º Barreira contra insetos
Telas e malhas protetoras: reduzem a necessidade de aplicação de pesticidas.
5º Economia com defensivos
Proteção integrada: a combinação de melhorias físicas e químicas nos filmes reduziu a dependência de defensivos no cultivo, diminuindo seus custos de produção e impactos ambientais.
6º Controle de doenças e pragas
Propriedades antimicrobianas: alguns filmes são aditivados para resistir a microrganismos, baixando a incidência de doenças no plantio.
7º Uso mais racional de água
Irrigação de precisão: A integração de sistemas de irrigação eficientes com mulching ajuda a otimizar o uso de água, condição fundamental em regiões com escassez hídrica.
E quais pontos ainda a desejar você destaca no desempenho dos agrofilmes?
Vamos a eles:
1º Biodegradabilidade: muitos filmes para o campo ainda não são biodegradáveis ou eco friendly, representando um desafio para a gestão de resíduos. A pesquisa em alternativas compostáveis e biodegradáveis está em andamento, mas a adoção em larga escala é limitada pelo custo e performance.
2º Custos iniciais elevados: tecnologias mais avançadas em filmes de PE e estufas ainda são de acesso limitado para pequenos agricultores.
3º Desafio ambiental: apesar dos progressos, ainda são restritos o reúso e reciclagem de agrofilmes após sua vida útil.
4º Adaptação climática: embora note-se avanços de peso, permanece complexo adequar a tecnologia para atender às especificidades de diferentes microclimas dentro do Brasil.
Os avanços recentes nas tecnologias de estufas e mulchings de polietileno são notáveis e têm contribuído significativamente para o aumento da produtividade e sustentabilidade na produção de hortaliças. No entanto, para maximizar esses benefícios e torná-los acessíveis a uma gama mais ampla de produtores é crucial superar os desafios relacionados à biodegradabilidade, custos, reciclagem e adaptação climática.
A coroa plástica do abacaxi
Devido a atrativos como reduzir o ciclo de cultivo, racionalizar o uso de água e adubos e controlar a vegetação espontânea que compete por esses insumos com a planta do fruto, mulching conquistou lugar ao sol na cultura do abacaxi, um espaço que pode ser ampliado se adotados determinados ajustes detectados em testes de campo pela Embrapa. “Entre os pontos dependentes de adequação para o filme constam a possibilidade de se fabricar e usar uma versão biodegradável e a necessidade de aumentar na película sua resistência ao sol e mecânica, pois hoje são facilmente rompidos”, atesta Tullio Pádua, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura. “Ampliar a resistência do mulching deve favorecer sua aceitação pelo agricultor e, além da contribuição ambiental, o emprego sensato de adubo e água pode favorecer o cultivo do abacaxizeiro em condições mais extremas sob mudanças climáticas”.
A Embrapa chegou a considerações desse naipe em experimentos com mulching no cultivo orgânico de abacaxi, pesquisa realizada de maio de 2015 a dezembro de 2916 no município baiano de Lençóis, na Chapada Diamantina. “A região apresenta temperaturas médias mínima de 19,1ºC e máxima de 29,7ºC, com precipitação média anual de 1.057 mm”, repassa Pádua, distinguindo entre os objetivos do ensaio o controle da vegetação espontânea. “O abacaxizeiro pode crescer menos se o mato não for monitorado e concorrer por água e nutrientes com a cultura, em especial nos sete meses iniciais de cultivo”. O pesquisador acrescenta que o sistema orgânico de produção irrigada do abacaxi pode constituir uma prática de cultura mais cara, devido à necessidade de evitar aquela disputa por insumos capaz de diminuir a disponibilidade menor deles para a planta, penalizando seu ciclo e qualidade.
Na Chapada Diamantina, a Embrapa avaliou dois genótipos de abacaxizeiro: a cultivar Pérola, a mais plantada no Brasil, e a BRS Imperial, híbrido desenvolvido pela Embrapa e resistente à fusariose, principal doença a acometer o plantio do abacaxi. “Foram feitos testes em solo com e sem mulching em ambiente irrigado por sistema de gotejo”, descreve Pádua. “Houve ganho de peso e aumento de tamanho dos frutos para ambas as cultivares, com destaque para o tipo BRS Imperial cultivado em solo recoberto com mulching, além de redução nos números de frutos não comercializáveis e de capinas para controle da vegetação espontânea”. •