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A receita da RFX para escapar da vala comum da reciclagem
A receita da RFX para escapar da vala comum da reciclagem

Seduzidos pelo canto da sereia ambiental, entoado por companhias donas de grandes marcas de bens de consumo (brand owners), novos recicladores entram no mesmo mercado com os mesmíssimos produtos. Diante da economia hoje na retranca, demanda flagelada por inflação e Selic de dois dígitos e piora do custo de vida, a guerra de preços sangrados pela informalidade tonteia as margens do plástico recuperado e põe empresas do ramo contra a parede. Entre as saídas de emergência apalpadas, toma vulto a especialização em serviços. Fala por si a recicladora paulista RFX. Em nove anos de ativa, sua capacidade saltou de 4.000 para 7.000 t/a, a salvo dos tiros cruzados, graças ao foco limitado à recuperação de polímeros sob encomenda. “Devemos fechar o ano com aumento considerável no volume de reciclado e os planos de expansão incluem mais uma extrusora e um sistema completo de moagem e lavagem”, festeja João Paulo Metring, gerente de novos negócios da empresa administrada pelos fundadores Francisco Falcão e o filho Francisco Daniel.
“No início da operação, comprávamos e recuperávamos sucata e vendíamos o granulado”, sintetiza Metring. “Os custos eram altos e a volatilidade da demanda e cotações das resinas interferiam no fluxo financeiro do negócio”. Outra cruz nas costas era a guilhotina fiscal. “Na venda, havia a tributação de 100% do ICMS no preço da resina, mas não tínhamos crédito a ser abatido na compra da sucata, o que apertava nossa margem”. Diante desses estorvos e do crescente interesse de grandes empresas finais por logística reversa e economia circular, amarra as pontas o gerente, “percebemos uma oportunidade na prestação de serviços de reciclagem”.
O descritivo tradicional da reciclagem exige investimentos muito altos e giro maior ainda, pondera Paulo Francisco da Silva, dirigente da consultora Agora Vai Brasil, radar dos plásticos para segundo uso. “O reciclador precisa procurar onde estão os refugos; negociar preço e qualidade; pagar adiantado na maioria das vezes e arcar com frete”, ele assinala. “Na sua planta, ele separa, mói, lava e prepara o material para peletizar, tendo ainda de assimilar perdas operacionais, estocar, fechar venda, providenciar em regra a entrega e correr o assumido risco de crédito”. Já no caso do prestador de serviços, como a RFX, Silva ressalta o diferencial do capital de giro envolvido, bem menor, pois restrito apenas à atividade operacional. O serviço transcorre à margem da volatilidade dos preços e o ônus é do cliente, ele comenta.
Entre as razões para um transformador usuário de reciclado convocar a RFX, Silva se aferra ao maior controle do processo de mutação do resíduo em granulado para segundo uso, uma tributação menos insultante na transação e a tradição da garantia do material entregue ao cliente. “O controle da produção pela RFX é minucioso e ela vive atrás de meios para agregar qualidade e economia”, atesta o consultor. “Por sinal, especialização nesse tipo de serviço é um caminho que começa a ficar claro para o mercado do plástico pós-consumo”.
Silva reconhece haver na praça um sensível arranque na quantidade de recicladores de melhor padrão, atuando da compra da sucata à venda do recuperado, em contraste com um aumento miúdo de empresas dedicadas apenas a serviços de reciclagem. “Isso tem a ver com a falta de planejamento de médio e longo prazo notada na maioria folgada dos recicladores”. Mas o quadro é passível de alterações com o passar dos anos e ao sabor das circunstâncias do mercado, ele suaviza. Cada modelo de negócio tem prós e contras”, pondera o consultor. “Se dispõe de fonte atraente de aparas e sucata, é vantajoso para o reciclador atuar na produção e venda de recuperado e, embora sua estrutura financeira seja diferente, vale o mesmo para o transformador verticalizado na reciclagem para alimentar sua produção”.
João Paulo Metring confirma que sua planta em Bragança Paulista efetua moagem, lavagem, separação, secagem e extrusão/granulação de materiais rígidos. “Trabalhamos principalmente com frascos pós-consumo de polietileno de alta densidade (PEAD), resíduos de reciclagem dependente de triagem apurada de contaminantes como silicone e de lavagem eficaz”, detalha o executivo. “Também recuperamos aparas de polipropileno, poliestireno, policarbonato, poliacetal e copolímero de acrilonitrila butadieno estireno”. Em PET, a RFX comparece por ora apenas com moagem e, embora não preste este serviço, recicla rótulos dos resíduos de PEAD rígido que recebe. Metring enaltece em seu parque fabril a extrusora Wortex (ver box), a selecionadora óptica para classificar cores de flakes e a máquina adaptada, na reta final de desenvolvimento, para lavagem com aditivos.
O mercado interno de plástico para segundo uso pega este ano uma maré turbulenta, efeito da demanda amortecida de reciclados no rastro das quedas na montagem de bens duráveis, como carros e eletroeletrônicos, consumo final de bens de consumo lesionado pela estagflação e sinais enervantes como o fechamento de mais de 1,1 milhão de empresas de 2021 para cá, indica a pesquisa IPC Maps. A consequente disputa a ferro e fogo entre recicladores foi sacudida pela entrada de um capitalizado mega player amparado em PP e PE virgens, a Braskem/Valoren, com fábrica para recuperar 14.000 t/a de poliolefinas rígidas pós-consumo em Indaiatuba (SP). No biênio 2020/2021, avalia Paulo Francisco da Silva, a geração de sucata caiu, os preços dispararam e, em paralelo, vários nichos da transformação se voltaram mais para o reciclado, como alternativa diante da disponibilidade insuficiente da também encarecida matéria-prima virgem. O enrosco desemboca este ano num mercado de reciclado acuado pela conjuntura de juros básicos recordes e endividamento e inadimplência de mais de 70% das famílias. “Sob tanta pressão, uma alternativa para os recicladores convencionais tocarem o barco seria partir para uma atuação bem mais regional”, defende o expert. “Outra possibilidade é a do foco em serviços, como faz a RFX, pois a procura por reciclados de bom nível está em expansão, efeito da crescente adesão de companhias às normas ESG e de consumidores aos valores sustentáveis.”
Interferências de toda sorte atazanam na saúde financeira de recicladores de plástico pós-consumo. Metring destaca entre elas a instabilidade no preço da resina virgem, na oferta de sucata e na demanda por reciclado. “Nos últimos anos, novos recicladores entraram no mercado, ainda abalado pela escassez de refugo instaurada pela pandemia, resultando no descompasso entre oferta e procura de reciclado hoje em dia”, comenta o gerente. Mas como não há mal que sempre dure, Metring confia que, uma vez serenado o horizonte, o mercado e indústrias identificadas com reciclados de qualidade, como a RFX, se darão bem. “Consequência dos compromissos ambientais assumidos por grandes grupos empresariais”, ele atribui.

Sempre em frente
A RFX roda há nove anos com extrusora nacional Wortex apta a produzir 600 kg/h de PEAD reciclado e munida de linha de granulação com 120 mm de diâmetro, especifica Paolo De Filippis, presidente da fabricante do equipamento. “O modelo é composto de sistema de degasagem a vácuo e filtragem por troca tela com acionamento hidráulico para agilizar a operação”, ele destaca. Outros recursos-chave comopreendem o sistema de peletização com unidade de corte tipo anel de água, mecanismo de transporte do reciclado para o silo, ensaque com controle automático de pesagem para saco valvulado e com válvula de descarga manual para big bag.
Filippis também ressalta os diferenciais a linha da Wortex na ativa na RFX. Ele abre com o sistema de alimentação da extrusora com fluxo constante e uniforme e geometria de rosca e cilindro projetados para maximizar a plastificação. “A excelência do processo também se nota na remoção dos gases gerados pelo PEAD na plastificação e no resfriamento e uniformidade dos grânulos obtidos”, completa o dirigente, ressaltando ainda o sistema de centrifugação para reduzir a umidade residual dos pellets.
Evidente que, de 2013 para cá, a concepção dessas extrusoras da Wortex não parou no tempo. Filippis exemplifica a evolução da tecnologia com o controle de vazão na alimentação do equipamento e versões de rosca e cilindro de superior plastificação e homogeneização. “Também foi aumentada a capacidade de retirada dos gases com menor consumo de energia por quilo produzido”, insere o dirigente, enfatizando ainda tópicos do naipe do atualizado acionamento do sistema de corte, proporcionando maior vida útil e manutenção facilitada à extrusora. •

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