A desinformação que queima o filme

A busca por uma performance melhor dos plásticos flexíveis produziu, quando submetida ao crivo da sustentabilidade, uma sequela imprevista e indigesta: produtos difíceis ou impossíveis de reciclar pela via mecânica, caso dos filmes multimaterial, de várias camadas. Outra fratura exposta: o desinteresse em coletar para flexíveis descartados, devido ao seu baixo valor de mercado e, no caso de estruturas como laminados, o custo explosivo do processo de separação e recuperação dos materiais componentes. Este encarecimento explica a elevada incidência de resíduos flexíveis incinerados em países como a Alemanha, ao menos enquanto a alternativa da reciclagem química não ganha escala e presença mundial. Desse modo, tanto a coleta como a criação de flexíveis pautada pela reciclabilidade clamam por evolução urgente para acertar o passo com a economia circular. No I Mundo, o setor tem comparecido com soluções monomaterial e monocamada para varrer irrecicláveis embalagens multimaterial de determinados alimentos, mas permanece o desinteresse pela coleta desvalorizada desse refugo e por sua reciclagem custosa. Por essas e outras, flexíveis plásticos deram de ser contestados por uma opinião pública tão passional quanto desinformada quando o assunto é plástico e meio ambiente. No Brasil, deixa claro na entrevista abaixo Rogério Mani, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief) essa situação é piorada pela dificuldade de se transpor para um país continental (cabem 20 Alemanhas), de infraestrutura, renda e consciência ambiental incipientes as normas e posicionamentos que fazem da Europa a formadora de opinião mundial em economia circular.

Mani: vetos a flexíveis tomados sem base técnica
Mani: vetos a flexíveis tomados sem base técnica

Por que a ferramenta científica das Análises de Ciclo de Vida (ACVs) costuma ser desconsiderada como argumento pró-sustentabilidade do plástico em decisões de banimento do material ou de suas embalagens, como as flexíveis?
É claro que o argumento da ACV não é considerado por quem toma essas decisões. Daria muito trabalho fazer as análises mais profundas do mérito das manifestações contra o material em embalagens. Fica mais fácil, então, sugerir sem fundamentos o banimento ou outras intransigências que na maioria dos casos, não fazem o menor sentido. Estamos trabalhando muito aqui na Abief para mostrar ao público como é preciso conhecer melhor os produtos e seu ciclo de vida antes de opinar sobre as aplicações deles. Não desistiremos até ser ouvidos.

Filmes e embalagens flexíveis pós-consumo são refugo desprezado pelo baixo valor pelos catadores O que sugere para tornar esta sucata economicamente atraente para a coleta?
Eu acredito piamente que a valorização dos resíduos flexíveis virá pela demanda dos brand owners usuários dessas embalagens e não haverá investimentos na reciclagem delas se isso não acontecer. Há muito material flexível de boa qualidade para criar receita para catadores e gestores de refugo.

De que adianta criar filmes monomaterial para simplificar a reciclagem se o catador não se interessa em coletar este refugo?
Como já mencionei, em breve haverá maior interesse em coletar flexíveis, por exigência de brand owners aliados da sustentabilidade e pelo esforço em prol de mais previsibilidade na demanda por esse tipo de reciclado. A propósito, outro detalhe importante para a reciclagem desses resíduos tomar corpo é a necessidade de seriedade no uso de plástico recuperado pós-consumo em flexíveis. Digo isso por notar no mercado ações impróprias nesse sentido, caracterizando práticas de greenwashing.

A Europa é a formadora mundial em normas e políticas sustentáveis para coleta, reciclagem e reúso do plástico. A seu ver, essas leis e procedimentos podem ou não ser transpostos numa boa para a realidade do Brasil, ditada por sua extensão geográfica, infraestrutura carente, baixo poder aquisitivo e nível educacional?
Impossível qualquer tipo de comparação entre Europa e Brasil, pois, como lembrado na pergunta, o país tem dimensões continentais, é pobre, de infraestrutura precária etc. Precisamos resolver muitos problemas de saúde pública e qualidade de vida, como a escassez de saneamento básico, antes de querer copiar o mundo desenvolvido. Nem tudo o que vem de fora é bom para nós. As aplicações do plástico, aliás, minimiza muitos problemas da população brasileira. Vale lembrar ainda que o país já está entre os que mais reciclam plásticos (cerca de um milhão de t/a), uma atividade em expansão inclusive por gerar renda para centenas de milhares de pessoas na cadeia produtiva, caso do efetivo estimado de 800.000 catadores.

A pressão ambiental da opinião pública e legislação mostra que, no futuro, a indústria de transformação de plásticos terá de vincular-se de alguma forma à reciclagem. Concorda com esta visão?
Não tenho dúvidas sobre este alinhamento. É irreversível!!! Muitos transformadores ou recicladores estão investindo pesadamente nos plásticos para segundo uso, mas reitero que o que já comentei: se houver demanda, previsibilidade e conscientização do usuário de embalagem com PCR mais investimentos, novas tecnologias virão. Quanto à difusão de conhecimentos sobre reciclagem, creio vigorar uma comunicação diária em todos os elos da cadeia plástica. Desse modo, só não sabe ou não se interessa pelo tema quem não quiser. Aliás, quantos eventos sobre isso a Plásticos em Revista já realizou ? Uma empresa que não estiver pensando em desafiar as regras do mercado e não se adequar à realidade não terá futuro no nosso setor.

Apesar do esforço para melhorar a qualidade e status do plástico reciclado, sua imagem dominante no Brasil é a de um meio de baixar custo de industrial, nada a ver com sustentabilidade. Diante da nossa realidade econômica e cultural, o badalado reciclado premium está fadado a ser um material de nicho, por limitação de escala e preço?
Ponto importantíssimo para ser esclarecido. Não dá para misturar óleo e água – Resinas virgens são commodities de preços regulados com base internacional e as resinas recicladas seguem a dinâmica de oferta x demanda x custo de oportunidade. Se o brand owner não entender que esse é o jogo não irá cumprir suas metas e não haverá investimentos por parte dos transformadores e recicladores. A conta tem que fechar – Não podemos pensar verde com resultados no vermelho !!!

Como avalia as dificuldades e desafios concretos para se ampliar a demanda por plásticos reciclados para produtos transformados no Brasil, de modo que os investidores percebam na expansão da oferta de material recuperado um negócio seguro, estável e compensador?
Acredito que muito já foi explicado acima, porém precisamos sair da inspiração e partir para a transpiração. O jogo já começou e o relógio está correndo. Precisamos encarar a realidade de que decisão de banir o plástico de aplicações é o caminho mais curto para não se resolver o problema. É preciso que todos os tomadores e influenciadores de decisões se esforcem para analisar as ACVs de todos os produtos e materiais. O mercado se autorregula no seu tempo. Necessitamos dos legisladores para desoneração fiscal da indústria recicladora e para a constituição de uma política negociada com todos os atores da cadeia produtiva determinando o uso de plástico pós-consumo reciclado nas embalagens. Afinal, apenas os compromissos voluntários e individualizados de brand owners nesse sentido têm se mostrado insuficientes para fomentar o setor da forma como precisamos.
Também necessitamos que a demanda e previsibilidade pelos brand owners seja mais firme com projetos vencedores e mostraremos ao mundo que somos capazes de ser sustentável, socialmente inseridos e rentáveis. •

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