A blindagem da Radici

Grupo contorna com expansão mundial oscilações e atritos na cadeia de produção e mercados de PA 6 e 6.6
A blindagem da Radici

Mais de 30 unidades de produção e vendas na Europa, Ásia e América bafejaram o italiano Radici Group, jóia da coroa mundial de poliamidas (PA), com receita de € 1,453 bilhão de euros e lucro líquido de € 80 milhões no ano passado. O saldo azul é maiúsculo no gênero, pois conseguido apesar da energia europeia encarecida, das exportações turbinadas de PA 6 pela China, da continuidade da guerra na Ucrânia, da insuficiência de determinados insumos e do consumo de PAs com viés de baixa nos principais mercados mundiais. Para não sucumbir à calmaria generalizada, a Radici soltou a rédea das verbas. Tendo investido no ano passado na compra do controle total da componedora indiana Ester Industries, na modernização e duplicação da capacidade da filial na China, da implantação de duas extrusoras no México e Brasil e do sinal verde para colocação de outra linha numa das plantas do grupo na Itália. A atuação vitoriosa da Radici neste vespeiro e as perspectivas para este ano são dissecadas na entrevista abaixo por Danilo Micheletti e Cesare Clausi, respectivamente chefe executivo operacional e gerente de vendas globais para polímeros de alta performance, e Jane Campos, diretora geral da Radici Plastics no Brasil.

Nos últimos anos, a China passou de importador a exportador regular de PA 6, efeito dos aumentos de sua capacidade. Como avalia o impacto dessa mudança sobre a produção europeia de PA 6, pois suas exportações de PA 6 para a Ásia declinaram devido ao efeito China?

Cesare Clausi: A integração e consolidação da capacidade de produção chinesa para PA6 remonta a vários anos. No momento, as capacidades instaladas no país são muito maiores que as do resto do mundo. Nos últimos 10 anos, o forte crescimento da capacidade na China foi acompanhado por adaptação e readequação das capacidades regionais na Europa e EUA. A tendência nesses dois locais será adequar as capacidades à demanda regional. Se, por um lado, a grande capacidade instalada no Reino do Meio (China) vai muito além da demanda da sua região, do outro lado, as cadeias globais integradas de produção têm bem claros os fatores de risco ligados aos suprimentos intercontinentais. Vejam o que aconteceu em 2021 com a falta de meios de transporte e custos que dispararam. Por isso, as cadeias integradas de produção de PA 6 na Europa e EUA terão em pauta reduzir a dependência de cadeias de suprimento mundiais.

Como situa o grupo Radici nesse cenário?

Cesare Clausi: A Radici nunca foi exposta a exportações de mercado livre na Ásia. Opera focada no uso cativo e no mercado europeu em geral. Nesse sentido, o grupo não foi minimamente afetado por esta mudança.

O declínio dos custos de energia na Europa tem ou não revigorado a produção e exportações europeias de PA 6.6, polímero do qual a China continua dependente de suprimento externo?

Danilo Micheletti: Infelizmente, o retorno dos custos de energia a níveis próximos aos anteriores à crise em si não é suficiente para garantir a competitividade no mercado não europeu. Os custos de infraestrutura e as tendências cambiais não oferecem muitas opções. Ao contrário, a China tem e está construindo capacidade suficiente para atender a demanda interna com o objetivo de alcançar a independência das importações.

Nos últimos anos, o mercado mundial de PA 6 e 6.6 tem marcado por baixo crescimento, preços oscilantes e disponibilidade volátil e encarecimento de matérias-primas para a cadeia das duas poliamidas. A Radici considera este ambiente global mais propício para investimentos na produção ou para o aumento de fusões e aquisições entre players do setor, daqui para a frente?

Danilo Micheletti: Sem dúvida, a resposta é sim. A conjuntura global do nosso setor permite e implica, se não obriga, operações de concentração com o objetivo de manter o nível competitivo, a cota de mercado e para criar uma espécie de proteção à entrada de mais players no negócio.

Radici tem oito plantas em quatro continentes. Seus principais investimentos recentes em plásticos de engenharia de alta performance (inclusos PA 6 e 6.6) são a compra de uma componedora concorrente na Índia e a expansão de sua capacidade na China. O constante crescimento econômico tende a tornar a Índia o destino preferido dos investimentos internacionais no setor plástico antes destinados à China? E mais: a Índia caminha para ser a nova China?

Danilo Micheletti: A Índia tem um potencial de crescimento por ora não muito claro para se dimensionar. Apesar disso, os tempos estão se alongando por falta de infraestrutura adequada, baixo consumo específico interno e insuficiência de incentivos industriais. Os investimentos estrangeiros já realizados e programados para um futuro próximo na Índia não são nem um pouco comparáveis aos feitos na China; são imensuravelmente menores.
O investimento realizado na Índia pela Radici teve como objetivo específico fortalecer a nossa atuação no país, iniciada em 2006. Ou seja, buscamos a aquisição de cotas de novos mercados, presença industrial estrutural e preparação para mais desenvolvimentos na nossa área.

Por que a Radici decidiu expandir sua capacidade de compostos de PA 6 e 6.6 na China com o país em retração, sem perspectivas de voltar a crescer dois dígitos ao ano? Acha que a demanda da China começou a reagir e, mesmo com a economia ainda enfraquecida, ainda constitui um mercado para poliamidas superior a qualquer outro país no mundo?

Danilo Micheletti: A decisão tem origens diferentes. A Radici já operava na Ásia com capacidade saturada. Além disso, pesam o crescimento contínuo do consumo chinês e o empenho em ampliar nossa penetração naquele mercado que é, sim, o maior do mundo para PAs, apesar dos eventos recentes da pandemia no país – lockdowns intermitentes e demanda que segue fraca. As perspectivas são de um crescimento positivo significativo para o grupo nessa área, com taxas sempre e em todos os casos superiores às aferidas no resto do mundo.

Como a Radici avalia os efeitos no consumo chinês de poliamidas decorrentes dos contínuos aumentos gigantescos da eletrificação de sua indústria automobilística? O que deve acontecer com o setor de poliamidas com o fim do motor a combustão nas montadoras na China?

Cesare Clausi: O efeito da eletrificação não será exclusivo da China, que já produz três carros elétricos a cada 10, mas também terá efeitos claros na Europa no curto prazo. De qualquer forma, a poliamida, ao perder ‘energia’ no mundo dos motores a combustão, simultaneamente adquire e ganha participação em muitas aplicações também relacionadas ao mundo dos carros elétricos.

Oferta volátil e encarecimento da matéria-prima adiponitrila (ADN) penalizaram recentemente a indústria mundial de PA 6.6. Hoje em dia, considera a oferta internacional de ADN satisfatoriamente estabilizada e equilibrada? Por que?

Cesare Clausi: ADN já está amplamente disponível no mercado tendo em conta os novos investimentos em curso na China e os desgargalamentos ocorridos em outras zonas. A oferta e a demanda estão agora reequilibradas com preços aceitáveis. A fraca demanda de PA 6.6, principalmente na Europa, decerto trará alguma turbulência nessa balança a curto prazo. As novas capacidades de ADN programadas para os próximos dois anos vão tornar a cadeia da PA 6.6 bem suprida em todas as regiões e com fornecimento estável a longo prazo. O mercado do polímero voltará a ser influenciado por fatores históricos como a demanda tanto de intermediários químicos tradicionais como de poliamida em cada região.

Qual a capacidade global de polimerização de PA 6 + 6.6 da Radici em 2022 e ela deve passar para qual volume este ano?

Danilo Micheletti: Nossa capacidade oficial e global, em termos de PA6+PA6.6, está perto de 200.000 t/a. Não temos previsão de crescimento dela nos próximos três anos.

E qual a capacidade global de produção de compostos de engenharia da Radici em 2022 e ela deve passar para qual volume este ano?

Danilo Micheletti: Com os novos investimentos na Índia e China e alguns reajustes de capacidade nas outras plantas temos perspectiva de crescimento de 20% na capacidade de compostos de engenharia.

Em 25 anos de Brasil, a Radici cresceu aumentando a capacidade de sua planta componedora. Por que não expandiu também mediante a compra de um player local, reduzindo assim a concorrência enfrentada no país e no restante da América do Sul?

Jane Campos: A Radici iniciou seus negócios no Brasil por meio da aquisição da empresa Petronyl e vem conquistando participação de mercado a cada ano. Na realidade, hoje em dia não há qualquer competidor independente (não integrado ou global) de nosso interesse no mercado da América do Sul. O parâmetro de análise é, claro, o do produtor de compostos de PA6/PA6.6.

Nos últimos anos, a Radici estreitou muito seus laços com os grandes sistemistas globais (Tier 1) da indústria automobilística e que participam bem de perto das homologações mundiais de materiais em peças originais. Como esta aproximação recente pode influir no desempenho do negócio de poliamidas da Radici no Brasil nos próximos anos?

Cesare Clausi: A estratégia de expandir e fortalecer a nossa presença global vem de longe, 25 anos atrás, o Brasil foi o primeiro passo tomado nesta direção. O objetivo e consequência ao mesmo tempo da estratégia sempre foram incrementar a parceria com os grandes sistemistas globais que, na maioria, também têm no Brasil uma presença importante e confiam na nossa capacidade de atendê-los em cada mercado regional. Vale salientar que não faltam casos em que o desempenho da Radici no Brasil criou e continua criando oportunidades para aumentar negócios com estes clientes em outros países também.

A recente ampliação da capacidade de compostos no Brasil possibilitará a produção de especialidades da Radici Plastics por enquanto inéditas no mostruário brasileiro da sua filial?

Jane Campos: O aumento de capacidade teve objetivo de atender a demanda atual. Afinal, já estávamos no limite de nossa capacidade e era necessário preparar a planta para atender aos projetos em desenvolvimento. Adequamos também a unidade para maior automatização do processo de embalagem e para mitigar a possibilidade de falhas de manuseio.
Além de ampliar a capacidade, investimos no laboratório da fábrica. Por sinal, é uma tendência do grupo deixar todas as plantas com o mesmo padrão de equipamentos. Podemos dizer que nosso laboratório de plásticos de engenharia forma hoje entre os mais completos do segmento.

Como avalia o primeiro semestre para o negócio mundial de polímeros de alta performance da Radici e, com base neste desempenho, qual a expectativa para o negócio no exercício de 2023?

Cesare Clausi: O primeiro semestre foi afetado por uma baixa de consumo na Europa, resultante da complicação da guerra na Ucrânia, e um mercado caracterizado por estoques elevados em toda a cadeia produtiva. O mesmo comentário com relação a mercado e estoques vale para os EUA onde, em vez de eventos extraordinários como a guerra, foi a política monetária que esfriou o consumo. As perspectivas ainda são negativas para ambas as áreas para o terceiro trimestre, enquanto observamos uma leve recuperação na China e um desempenho estável no Brasil. •

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