Mercado quente

Brasil entrou para ficar na rota da desova do excedente internacional de poliolefinas
Brasil entrou para ficar na rota da desova do excedente internacional de poliolefinas

Sócio executivo da maior distribuidora de PP e PE da Braskem, Wilson Cataldi não deixou pedra sobre pedra em recente palestra em evento setorial. Como a América do Sul responde apenas por 2% do mercado mundial de poliolefinas, dominado por EUA, e a petroquímica da região está fadada à estagnação, por falta de competitividade nos custos de matéria-prima (gás natural). Cataldi assinalou ainda que, além da integração obrigatória upstream, o sarrafo das capacidades de poliolefinas de classe mundial subiu a ponto de ser ilustrado por uma leva de novas plantas de até 1.5 milhão de t/a. No Brasil, por exemplo, ainda rodam plantas de PP com idade média de 40 anos e até há uma de PEBD com 65. Daí porque o distribuidor da Braskem arrematou sua fala atestando que, dada a compreensível ausência de investimentos locais, caberá às hiper ofertadas resinas importadas atender o inevitável crescimento do consumo interno. Essas perspectivas e os meandros do irresistível fortalecimento das vendas dos polímeros internacionais no Brasil, apesar de ser um país de elevadas taxas alfandegárias, são dissecados na entrevista a seguir por duas das lunetas mais precisas do front das importações: Roberta Duarte, diretora executiva da distribuidora Conecta Resinas, e Eder Ottolini Balbani, dirigente da Ottolini Representações e responsável por vendas técnicas da distribuidora Replas.

Roberta Duarte: saltos acima de 20% nas importações brasileiras de PE e PP.
Roberta Duarte: saltos acima de 20% nas importações brasileiras de PE e PP.

Segundo consenso do setor, o varejo de PP e PE fechou o primeiro semestre com vendas acima do mesmo período em 2022. Com base neste retrospecto e no desaquecimento notado neste segundo semestre, qual a expectativa para o desempenho da comercialização de PP e PE importados no exercício atual frente ao do ano passado?

Roberta Duarte: O Brasil importa cada vez mais resina plástica, pois sua capacidade instalada não acompanha a expansão da demanda e modernização da tecnologia de produção das petroquímicas internacionais que gera cada vez mais resinas a custo extremamente competitivo se comparado ao do grade nacional. Nos últimos anos, a capacidade norte-americana de PE cresceu bastante, consequência da exploração da rota mais acessível da mineração do gás de xisto (shale gas). Ela não só reativou a petroquímica dos EUA, mas a tornou formadora de mundial de preços e exportadora regular e intensa de PE e PP, mérito da redução desfrutada no custo da matéria-prima (etano/eteno) para polimerizar. Apesar do ritmo atual lento, o mercado brasileiro continua a crescer e se a petroquímica nacional não investir, a expansão da demanda por poliolefinas será alimentada cada vez mais por importações. Por razões nessa linha, entre novembro de 2022 e novembro de 2023, as importações brasileiras de PE e PP subiram, respectivamente, em torno de 25% e 23% pela régua da consultoria MaxiQuim.

Eder Balbani: As vendas de PE e PP importados ficaram acima do projetado no terceiro trimestre. Com base nesse consumo, acredito que o ano corrente mostrará um crescimento de 1,5% sobre 2022.

Como interpreta a atípica retração do mercado em setembro/outubro, período tradicionalmente de maior aquecimento nas vendas internas de PP e PE e quais os reflexos desse quadro na reposição de estoques pelos transformadores?

Roberta Duarte: Os meses de setembro e outubro último foram muito bons para a Conecta, minha empresa. Não sentimos uma retração do mercado; ao contrário, a procura por resinas importadas foi muito alta no período.

Eder Balbani: se a gravidade da seca atual se repetir, o desembarque de resinas por Manaus deverá cair.
Eder Balbani: se a gravidade da seca atual se repetir, o desembarque de resinas por Manaus deverá cair.

Eder Balbani: A queda no consumo se deu pelo reajuste nos preços das resinas. Os transformadores tiveram que incrementar os estoques antes dos aumentos e a consequência foi a queda nas vendas de resinas. Quanto ao transformador, a queda nas vendas ocorre em função do baixo poder aquisitivo da população em geral, agravado em particular pelo alto endividamento das classes C e D.

Pela sua estimativa, as vendas para o varejo de PP e PE devem fechar o ano com quais respectivas participações estimadas para a revenda autônoma/importadores e para a distribuição da Braskem?

Roberta Duarte: A produção interna de poliolefinas foi reduzida este ano, impactando o nível de utilização da capacidade instalada. Ele recuou treze pontos percentuais na média do exercício corrente, ficando em apenas 68%. Ou seja, uma preocupante ociosidade superior a 30%. Devido a este recuo interno e com a entrada de muitas novas capacidades de PP e PE na América do Norte e China nos últimos meses, deparamos agora com um desbalanceamento entre a oferta e a procura, justo numa fase desfavorável da economia mundial, Brasil incluso. Sob este prisma, as fatias de mercado no Brasil da revenda independente e da distribuição oficial de resinas importadas tende a aumentar no país daqui por diante, à sombra do crescente mega excedente global de poliolefinas.

Eder Balbani: A definição dessas participações vai depender muito da politica de preços praticada este ano pelo único produtor de poliolefinas no Brasil (Braskem). A vantagem competitiva das petroquímicas do Oriente Médio e dos fabricantes situados nos USA é significativa, assegurada pelo preço da matéria prima, à base do gás natural, escala produtiva de classe mundial, cadeia logística bem engrenada e carga tributária inferior à nossa.

A piora das mudanças climáticas causou a seca atípica no Amazonas que vem dificultando e onerando o desembarque de PP e PE importados pelo porto livre de Manaus. A hipótese de futura reprise dessa calamidade na região norte pode influir para se transferir o desembarque por Manaus de uma parcela razoável dos volumes de PP e PE para outros portos incentivados em regiões a salvo dessas secas sazonais?

Roberta Duarte: O estado do Amazonas passa por seca histórica. Todos os anos este fenômeno acontece ali com impactos na transformação de plástico local. Desde outubro, porém, a situação anda pior que a dos últimos anos. A logística da Zona Franca hoje é realizada em 95% via transporte fluvial e desse índice, 70% chega por navio e o restante via balsas carregando carretas e contêineres. O rio Negro, por exemplo, atingiu o menor nível em Manaus desde 1902, segundo dados da Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico. Por utilizar rios como malha viária, as plantas de produtos acabados da Zona Franca arcam agora com prejuízos, tanto para o recebimento de insumos quanto para o escoamento nacional da sua produção. Respondendo enfim a pergunta: sim, a imprevisível ameaça de graves secas sazonais na região, tende a transferir o desembarque por Manaus de uma parcela razoável dos volumes de PP e PE para outros portos incentivados, ao menos no período previsto para as secas no Norte.

Eder Balbani: O impacto das secas sazonais na região amazônica é enorme. Se a gravidade da seca deste ano for mantida ou piorar daqui por diante, parte significativa das importações de PP e PE desembarcadas em Manaus deverá migrar para os portos incentivados de Santa Catarina.

Não há investimentos em petroquímica previstos para o Brasil e, dada a limitação das capacidades locais, o consenso no mercado é de que o crescimento da demanda interna de PP e PE deve ser suprido por importações daqui por diante. Diante disso hoje vale mais a pena competir no Brasil como revendedor de resinas importadas ou como distribuidor autorizado das poliolefinas nacionais?

Roberta Duarte: Há espaço e mercado para todos os agentes. Uma das principais causas do aumento nas importações e, por extensão, da maior procura por um fornecedor de resinas importadas, é a competitividade dos preços dos materiais internacionais. A super oferta global resulta em pressão nos preços, tornando as importações atrativas. Além do mais, é muito importante considerar, em muitos casos, superioridade da tecnologia atualizada e qualidade final das resinas internacionais.

Eder Balbani: É do conhecimento geral que as plantas locais são pouco produtivas e algumas já estão mais que ultrapassadas. Hoje é mais interessante usar as fontes localizadas nos EUA, Oriente Médio e até China.

Como avalia a hipótese de o governo atender as reclamações de “preços internacionais predatórios” apregoadas pela Abiquim e elevar ainda mais em 2024 as já altas tarifas de importação de PP e PE?

Roberta Duarte: O Brasil tem uma das maiores tarifas de importação para resinas. A média global gira em torno de 7% e o Brasil pratica quase o dobro. As indústrias de transformados plásticos estão perdendo competitividade, porém, estamos sob a gestão de um governo de característica protecionista.
Há uma discussão política muito intensa e a petroquímica nacional têm sido alvo de pesadas críticas de empresas de transformados plásticos, que compram matéria-prima nacional e importada. Eu acredito que, a qualquer momento, seremos surpreendidos com aumentos de impostos de importação e medidas que criam barreiras e dificuldades no processo. Porém, também acho que o material importado tem hoje espaço garantido no mercado brasileiro e, apesar das tentativas de inibir seu ingresso, a procura por ele continuará forte e ascendente.

Eder Balbani: A hipótese de o governo aumentar as alíquotas de importação e os impostos sobre os materiais importados é uma espada apontada para os transformadores e importadores e não nos esqueçamos de outro problema em paralelo: o conflito Israel x Hamas no Oriente Médio, influindo nos preços do petróleo e derivados. Minha avaliação é de que a hipótese de mais aumento das tarifas de importação de PP e PE terá impacto negativo sobre a inflação e nos custos de um setor que já opera com margens extremamente baixas. •

 


 

Veja cobertura completa na edição especial de Plásticos em Revista 701. Clique aqui.

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário