Tal como a construção civil para PVC, o setor de alimentos sela a sorte das embalagens flexíveis, um braço da transformação que embaça o consumo brasileiro de resinas. No ano passado, a soma dos volumes de PEBD com PEBDL, dois polímeros irmãos de filmes, mobilizou participação fixada em 25,8% do consumo nacional dos termoplásticos e, se acrescidas as parcelas de PP e PEAD dirigidas ao setor, o quinhão dos flexíveis bate fácil a marca de 30%. Os reflexos da sobressaltada conjuntura atual em todos os mercados desse setor, por sinal um sonar extraoficial do padrão de vida da população, afloram do relatório sobre o primeiro semestre burilado pela consultoria MaxiQuim para a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief). Nesta entrevista, Rogério Mani, presidente da entidade, analisa os resultados colhidos num exercício que abriu nublado pela retração, mas se aprumou graças à agilidade com que os fabricantes de produtos finais usuários de flexíveis, com alimentos à frente, se adequaram ao bolso do público pagante.
Em maio último, sua visão era a do setor de flexíveis golpeado pela inflação, juros altos e queda na renda. Diante disso, foi surpresa o crescimento de 4,3% na produção no primeiro semestre sobre o mesmo período em 2022?
Na realidade, quando analisamos o quadro de forma macro, sentimos os efeitos perversos de juros alto, inflação e queda de renda. Porém, as embalagens plásticas flexíveis acabam tendo uma dinâmica e uma vantagem interessante em relação a seus sucedâneos de outros materiais e até mesmo do próprio plástico. Como somos puxados pelo acondicionamento de alimento, conseguimos em pouco tempo nos adequar às novas demandas para embalagens mais econômicas, que caibam no bolso do consumidor, enquanto o consumo de embalagens para o e-commerce continua a crescer. Embalagens flexíveis têm essa vantagem. Seguindo a mesma lógica, estão ocorrendo migrações de algumas embalagens rígidas (plástico, vidro e lata) para stand up pouches – por exemplo, em linhas de atomatados, conservas e artigos de higiene pessoal.
Com base no desempenho dos primeiros seis meses, qual passa a ser sua expectativa de percentual de crescimento para o setor neste exercício de 2023? E qual era essa mesma expectativa sua no início do ano?
Estamos mais otimistas para fecharmos 2023 num patamar muito melhor que 2022, com crescimento em torno de 5%. Vale lembrar que a base de comparação semestre x semestre também ajuda a compor um número melhor. Para ser bem sincero, nossa otimista expectativa original era de crescermos no máximo 3% no exercício atual, mas, como explicado anteriormente. a velocidade de adequação tem respondido satisfatoriamente.
Supermercadistas ressaltaram no primeiro semestre o alastramento de alimentos embalados em porções menores para atender o grande público movido a preço e limitado poder aquisitivo. As embalagens maiores (econômicas) foram então menos ofertadas nos PDVs. A seu ver, este comportamento influiu de alguma forma no desempenho de filmes para alimentos entre janeiro e junho?
Como já esclareci, conseguimos capturar as mudanças das indústrias usuárias de flexíveis, principalmente as de alimentos. Não acredito que as embalagens maiores tenham perdido espaço; o segmento continua a aumentar, porém com consumo mais maduro e, desse modo, contribuindo muito para o desempenho positivo do primeiro semestre. As mudanças estão acontecendo e não tenho dúvidas de que as embalagens flexíveis devem crescer.
No início do ano, a Abief se preocupava com o nível de ociosidade em sua capacidade de 3,5 milhões de t/a, decorrente de intensas expansões do seu parque de extrusão em 2020 e 2021. O desempenho positivo da produção do setor no primeiro semestre elevou a ocupação da capacidade a ponto de tornar aceitável o atual nível de ociosidade?
Tenho batido na tecla de que, nos últimos 10 anos, crescemos muito não em peso, mas sim em unidades. Como prova, basta compararmos nosso desempenho com os índices de expansão de alguns setores, como o de alimentos. Se ajustarmos as novas capacidades de flexíveis, aquelas que entraram em operação de janeiro 2020 a dezembro de 2022, deveríamos ter uma ociosidade gigantesca, o que não ocorre. Estamos produzindo muito mais unidades com menos peso, logo precisamos de mais máquinas para atender a esta nova realidade. Aliás, essa postura também demonstra que praticamos economia circular há uns 10 anos, se considerarmos as mudanças no peso e formato das embalagens durante esse período.
Pelo balanço da Abief, o Brasil importou no primeiro semestre 241.000 toneladas de PP e 635.000 de PE. Quais os respectivos percentuais dessas importações destinados a flexíveis e qual a parcela desembarcada por Manaus nessas importações de PE no primeiro semestre?
Não temos como apurar e fazer essa qualificação, mas é sabido que o grande volume é predominantemente destinado à indústria de flexíveis.
Qual a sua estimativa da parcela da transformação na Zona Franca na produção nacional de 1.070 milhão de toneladas de flexíveis no primeiro semestre?
Essa participação girou em torno de 20% na primeira metade do ano.
Quais os principais tipos/categorias de filmes e embalagens flexíveis cuja produção nacional é liderada hoje pela Zona Franca?
Destacamos stretch como o caso mais expressivo: em torno de 85/90% dos transformadores desse filme hoje possuem planta em Manaus. A Zona Franca também sobressai na produção nacional de shrink e filmes de PEAD para sacolas de supermercados.
Quais os principais tipos de flexíveis que integraram as 33.000 toneladas desembarcadas no país no primeiro semestre?
Preponderantemente BOPP (nota: 13.000 toneladas) e BOPET.
Stretch, shrink e sacos/sacolas compuseram 28% da produção de flexíveis no primeiro semestre. Neste período, os três segmentos encolheram em relação aos seis meses iniciais e aos seis meses finais de 2022. Por que?
Não acredito que a cobrança ambientalista seja o fator determinante do declínio e, de novo, chamo a atenção para a questão peso x unidade. Este recuo contém influência de algumas mudanças de hábitos dos consumidores que migram para outros tipos de bebidas, por exemplo. Sobre os três produtos indicados notamos que, nos anos anteriores, também não houve estabilidade no histórico da sua produção – oscila muito e está muito relacionada a movimentos da economia.
A Abief trabalha em seu planejamento com a projeção de as importações de PP e PE responderem cada vez mais, daqui por diante, pelo crescimento do mercado de flexíveis, devido à insuficiência de determinados grades locais de PE e à ausência de novos investimentos na capacidade brasileira e sul-americana de poliolefinas?
As importações estão se mantendo constantes e assim seguirão, porém precisamos considerar que, da mesma forma que entram, os traders podem sair a qualquer momento se não estiverem fazendo resultados. Não há no horizonte sinal algum de investimentos petroquímicos no Brasil. Portanto, haverá muito espaço para as importações.
Como enxerga a probabilidade de esta conjuntura levar ao incremento forte de importações brasileiras de flexíveis dos países exportadores globais dos superofertados PE e PP?
No caso da balança comercial de flexível, a lógica deveria ser o inverso do enunciado da pergunta. Ou seja, é o Brasil quem deveria ser o grande exportador regional. Não entendo que estejamos ameaçados por um incremento de importações acima do normal, salvo no caso de embalagens commodities tipo stretch, shrink, BOPP e BOPET. É muito complexa a importação de filmes mais trabalhados. Nada é impossível, mas a hipótese de aumento desse tipo de bobina é improvável.
Pororoca de importações
“O volume total de PE importado (inclusive EVA), segundo dados do governo, aumentou 37% de janeiro a junho de 2023, comparado ao primeiros seis meses de 2022. Já o volume desembarcado de PP cresceu 40% no período”, constata Simone de Faria, diretora para a América Latina da consultoria Townsend Solutions.
Embora o Amazonas se mantenha como o principal destino do PE importado, com participação de 40%, Simone ressalta a queda no índice de quase dois pontos percentuais na metade inicial de 2023. “Por sua vez, Santa Catarina, aumentou a participação em 54%, recebendo 34% do volume de PE remetido ao Brasil”. Para a reverenciada analista, essa mudança pode estar relacionada ao fato de que, com o excedente de produção do polímero no mercado norte-americano, os fornecedores internacionais aumentaram o volume de importação direta para o mercado brasileiro. “A maior parte do volume de PE importado provém dos EUA e Canadá”, distingue Simone. “No primeiro semestre, a América do Norte respondeu por 75% dessas remessas para cá, um crescimento de 11 pontos percentuais em relação ao igual período de 2022”.
Em relação ao PP, o principal fornecedor no primeiro semestre foi a Arábia Saudita (26%), que assim ampliou em 3% sua participação no comparativo com o mesmo período em 2022, analisa Simone. “No entanto, o maior ganho em volume foi da Colômbia; ela aumentou em 9% o fornecimento ao Brasil e conquistou market share de 23% nos seis meses iniciais de 2023”. Já a fatia da Argentina caiu de 23% no primeiro semestre de 2022 para 10% no mesmo período desse ano”, calcula a consultora. Noves fora, completa, o volume total de PP subiu 40% no primeiro semestre, perante o mesmo período em 2022.
O principal destino do PP importado é Santa Catarina, com 50% do total descarregado pelos seus portos incentivados, destaca Simone. O Amazonas vem a seguir, com quase 23%, mas foi o estudo cuja participação nesses desembarques mais cresceu entre janeiro e junho último (53%), ela observa.
“A principal razão por trás do aumento de importação este ano é a maior oferta global versus uma demanda enfraquecida”, julga Simone. “Apesar do volume de poliolefinas transformado pelo Brasil ser pequeno comparado a China e EUA, nós estamos entre os 10 maiores consumidores do mundo”. Uma desaceleração desses países tem efeitos muito grandes no comércio mundial, sobrando mais PE e PP para exportar entre os grandes produtores, ela argumenta. “Além disso, os preços aqui são bons em comparação com alguns outros destinos”. Ela pondera ainda que players globais em poliolefinas atuam hoje no país, muitos traders e distribuidores já se consolidaram na praça e os transformadores aprenderam a comprar material importado. “A entrada pelo porto livre de Manaus contribui para o cenário, principalmente no caso do PE, mas, na minha opinião, não é o grande driver do aumento da importação brasileira de poliolefinas”, atesta Simone.
Tem gosto de quero mais
O filme biorientado de PP (BOPP) fechou o primeiro semestre com participação de 23% no consumo aparente brasileiro do polímero, atesta rastreamento da consultoria MaxiQuim. A capacidade nominal nacional de BOPP é arredondada em 200.000 t/a e sua produção entre janeiro e junho último atingiu 89.000 toneladas versus 97.000 na metade inicial de 2022 e 196.000 no exercício completo. Pelo relatório da Abief, o Brasil exportou 13.000 toneladas e importou 15.000 de BOPP no primeiro semestre.
No pano de fundo, o consumo aparente de PP no país registrou 786.000 toneladas nos primeiros seis meses deste ano.
Na calculadora da consultoria Icis, a capacidade global de PP foi da ordem de 100 milhões de t/a em 2022 perante demanda de 84 milhões de toneladas no último período. A propósito, segundo a mesma fonte, as Américas do Sul e Central respondem por 3% da capacidade e 4% da demanda mundiais de PP. Entre 2022 e 2024, a Icis projeta subida de 15% na capacidade e de 9% na produção global de PP.
Entre as principais regiões produtoras, a capacidade no nordeste asiático deve crescer 21% entre 2022 e 2024; a da Ásia-Pacifico, 18% e a da América do Norte, 14%.
Números à parte o consenso dos analistas em petroquímica antevêm a continuidade de China e EUA como mega exportadores regulares de PP (A China atingiu autonomia produtiva em homopolímeros há cerca de dois anos); aumento intenso do consumo de PP na Índia hoje em ebulição industrial e contagem regressiva, por falta de competitividade operacional, para plantas antigas e menores de PP como várias situadas na Europa e América Latina. •