A reciclagem química influi na redução das emissões de gases estufa? Como compará-la com a reciclagem mecânica ou com a geração do lixo plástico em energia na sua queima no incinerador? Heikki Färkillä, vice-presidente para reciclagem química da petroquímica finlandesa Neste Renewable Chemicals, destrincha incógnitas desse naipe nesta entrevista concedida ao jornal alemão K-Zeitung e reproduzida pelo site Bioplastics Magazine.
Reciclagem mecânica e recuperação do lixo em energia pela incineração são processos estabelecidos para se lidar com resíduos plásticos. Qual a necessidade da reciclagem mecânica?
A incineração equivale a à queima de recursos fósseis que tiveram breve desvio na rota de vida na condição de produtos plásticos. Sua incineração resulta na emissão de gases estufa. Como o progresso da sustentabilidade caminha na direção de alternativas de emissão zero em termos de eletricidade e geração de calor, a via da incineração, tal como a da desova do lixo plástico no aterro, torna-se menos convincente e a reciclagem sobressai, no caso, como forma de manter os materiais plásticos em circulação, A eficiência da reciclagem mecânica está comprovada, mas acusa limitações – determinados tipos de sucata plástica difíceis quando não impossíveis de processamento pela reciclagem mecânica. No mais, aplicações nos campos médico e de alimentos são impróprias para plásticos recuperados mecanicamente por insuficiência de qualidade e pureza. Já em outras aplicações o reciclado precisa ser misturado com resina virgem para o material corresponder à qualidade esperada do produto com ele transformado. A reciclagem química fecha essas lacunas provendo plásticos que estendem a abrangência de uso de materiais recuperados em aplicações consideradas sensíveis ou dispensando a necessidade de blends com resinas virgens.
Críticos atestam que a reciclagem química é eletrointensiva e gera material de baixa valorização. Quais contra-argumentos cabem aqui?
Sem dúvida, a reciclagem química demanda mais energia que a mecânica. No entanto, ela trabalha com outro tipo de resíduos e produz de refugos de recuperação complexa de matérias-primas virgens destinadas à geração de novos plásticos, Em termos de intensidade energética, a liquefação base pirólise pode obter a maior parte da energia necessária de gases não condensáveis gerados de uma corrente paralela à do próprio refugo plástico. Isso minimiza a necessidade de energia adicional. Quanto ao valor do reciclado pela rota química, até 85% do conteúdo polimérico em lixo plástico é conversível em óleo de pirólise, destinado a seguir ao processamento de matérias-primas para plásticos virgens em eficazes refinarias de larga escala.
A reciclagem química pode processar vários tipos de lixo plástico misturado, mas para atingir alto valor incluindo gasto energético, limpeza e homogeneidade do lixo plástico são requeridas. Diante disso, as reciclagens química e mecânica acabam competindo por resíduos de alta qualidade?
Se o resíduo plástico adequa-se à reciclagem mecânica, deve ir para ela primordialmente; qualquer outra via seria um contrassenso econômico. É verdade que a reciclagem mecânica não aceita qualquer material, daí focarmos para ela poliolefinas de baixo ou zero valor para a reciclagem mecânica devido às impurezas, estruturas mulimaterial ou multicamada etc. A Neste está expandindo a gama de materiais quimicamente recicláveis utilizando tecnologias internas como parte do seu projeto PULSE, apoiado pelo Fundo de Inovação da União Europeia (UE) com subsídio de € 135 milhões.
Quais categorias de lixo plástico um reciclador químico recusaria processar?
Cloro é uma das substâncias causadoras de dificuldades na reciclagem química, de modo que materiais como PVC devem continuar a esperar por uma solução de reciclagem. PET também deveria sair do escopo da reciclagem química por já dispor de uma bem azeitada infraestrutura para reciclagem mecânica. A propósito, sempre que um material é mecanicamente reciclado, sua qualidade decai um pouco e, portanto, não pode ser infinitamente recuperado por essa via. A reciclagem química comparece aqui como o botão ‘reset’ (religar em tradução livre) que restaura a qualidade do material, permitindo assim que, de novo, ele seja mecanicamente reciclado por várias vezes. Este quadro desvenda mais uma vez a complementaridade das duas rotas de reciclagem de plásticos.
Reciclagem química é considerada cara devido às de etapas pré-processo, energia e uso de químicos/catalisadores. Sob quais condições, essa via de reciclagem pode ser operada com viabilidade econômica?
A questão do custo nos trouxe à posição atual: de costas para a parede e de frente para as mudanças climáticas. Não é só com os plásticos que escolhemos a aparentemente acessível rota fóssil. Ela só é barata porque ignoramos os custos de suas consequências. Na maioria dos casos, alternativas mais sustentáveis são mais caras – mas também são mais sustentáveis. Felizmente, existem conhecidos brand owners e um crescente segmento de consumidores que valorizam soluções mais sustentáveis e, em paralelo, a regulação a respeito está evoluindo, pois é elemento-chave para a adoção de soluções circulares. Mas a expectativa é de que o custo da reciclagem química diminua à medida em que a se supere a fase de aprendizado da tecnologia e subam os volumes produzidos.
Já há plantas de reciclagem química de escala industrial na Europa?
O processo ainda está em fase de comercialização e expansão, com vários projetos de liquefação em curso. Aqui na Neste, temos refinado lixo plástico desde 2020 em nossa refinaria na Finlândia. Nosso já mencionado projeto PULSE ganhou subsídio da EU para expandir e aprimorar as capacidades de pré-tratamento para lixo plástico liquefeito na nossa refinaria em Porvoo, na Finlândia. A meta é implantar uma capacidade de 400.000 t/a de reciclagem química de lixo plástico liquefeito, um passo rumo ao objetivo de reciclar mais de 1 milhão de t/a de plásticos pós-consumo em 2030.
Petroquímicas misturam matérias-primas fósseis e não fósseis em seus processos. Repartem as quantidades não fósseis entre materiais finais bem específicos via balanço de massa (nota – aferição da quantidade de reagentes utilizada perante a quantidade obtida de produto final, para verificar a eficiência da reação) ao longo de categorias individuais de produtos e limitações dos sites. O risco de greenwashing é grande nesses casos e isso não prejudica o reconhecimento oficial da reciclagem química?
O balanço de massa é um conceito corriqueiro e não apenas na indústria plástica. É muito útil quando as propriedades do produto não diferem do contratipo convencional e a construção de infraestruturas em separado resultaria economicamente inviável. Veja o caso da energia verde. Se você a compra de um fornecedor de eletricidade, você recebe a garantia de que a quantidade adquirida provém de fontes renováveis e, assim. você está encorajando o avanço da energia verde. Mas a eletricidade da sua TV também pode ser originária de uma planta de energia base carvão, pois a rede de transmissão é a mesma para todos os tipos de energia. A situação dos plásticos é similar, mas de uma perspectiva climática, isso não importa. O que vale é o fato de que recursos fósseis estão sendo substituídos e mais reciclados e que mais biomateriais estão sendo utilizados. A transparência é importante nessa questão. O risco de greenwashing não vem do balanço de massa, mas da falta de transparência a respeito dele. Sistemas de independentes de certificação são necessários para confirmar a sustentabilidade.
Qual a relevância do reconhecimento legal e balanço de massa para o sucesso da reciclagem química?
Sem reconhecimento legal, fica difícil justificar investimentos para industrializar a reciclagem química. Quem investirá centenas de milhões ou bilhões de euros em instalações de reciclagem sem claro reconhecimento jurídico da atividade? Políticos percebem isso, mas o movimento deles ainda não acompanha a realidade de companhias que querem investir e e construir grandes plantas. Por sua vez, o balanço de massa será fundamental, em particular na fase de partida das unidades. Por algum tempo, simplesmente não havia quantidade suficiente de reciclagem para a indústria transformadora dedicar-se com exclusividade a ele, sem alternativa senão misturá-lo com resina virgem. Se o balanço de massa não é aceito, a transição da indústria plástica para a economia circular será bastante dificultada – o que se aplica a reciclados e biomateriais.
Qual a experiência acumulada pela Neste na reciclagem química e seus planos para esta área?
Nossa meta é chegar a 2030 reciclando mais de 1 milhão de t/a de resíduos plásticos. No momento, processamos quase 3.000 t/a de lixo plástico liquefeito na refinaria em Porvoo e temos vendido o material assim obtido da reciclagem química a indústrias clientes.