Campeão mundial na logística reversa de embalagens pós-consumo de defensivos agrícolas, o programa brasileiro Sistema Campo Limpo revela recente nuance que torna sua operação ainda mais verde, gol da dupla de ataque sustentabilidade e custos. Trata-se do recebimento de maiores quantidades de embalagens fluoretadas de polietileno de alta densidade (PEAD), sinal de declínio gradual no consumo da alternativa dos recipientes resultantes do sopro coextrusado. “De três a quatro anos para cá, os volumes comercializados da embalagem fluoretada tiveram crescimento acelerado e a tendência é continuar neste ritmo. Conjugada com a demanda dos clientes, a chegada de produtores de embalagens detentores da tecnologia de fluoretação contribuiu para esta evolução”, atesta João Cesar Rando, diretor-presidente do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), gestor do Sistema Campo Limpo.
O envase de defensivos é realizado com embalagens sopradas de PEAD. O tipo monocamada dá conta de formulações desprovidas de solventes. Por sua vez, os produtos com este ingrediente podem ser acondicionados em recipientes coextrusados ou fluoretados, ambos munidos de barreira para resguardar o termoplástico da agressividade química de defensivos base solvente orgânico. Além do custo menor, as embalagens fluoretadas são mais simples de reciclar que as coextrusadas. Estas constam, em regra, de duas camadas de PEAD e uma interna de resina de barreira (2% a 5% de poliamida/PA ou álcool etileno vinílico/EVOH). Por seu turno, o outro tipo de recipiente com barreira é monocamada com ínfimo teor de flúor. Ele se adequa à perfeição à convencional reciclagem de artefatos plásticos monomaterial, pois o conteúdo inexpressivo de flúor não entrava nessa possibilidade. Já a composição de materiais diferentes na versão coextrusada requer processo específico e mais caro de reciclagem. Daí ser necessário, antes da reciclagem, separar as embalagens coextrusadas das monocamada, etapa inexistente no caso do recipiente fluoretado pós-consumo, devolvido pelo agricultor às mais de 400 unidades de recebimento do Sistema Campo Limpo.
Rando retoma o fio brandindo estimativas setoriais que atribuem aos recipientes com barreira (coextrusadas e fluoretadas) cerca de 20% do volume do mercado interno de embalagens de defensivos, computados os três tipos consumidos. “No momento, a embalagem fluoretada deve representar cerca de 30% do volume de embalagens com barreira”, distingue o dirigente do inpEV. “O crescimento da demanda das embalagens fluoretadas, ele delimita, será determinado pela combinação do custo com o atendimento das necessidades das formulações de defensivos a serem envasadas”. Uma vez atendidas as questões do custo e desempenho, acentua Rando, a reciclabilidade pode ser um fator a mais a ser considerado na seleção da embalagem pelo fabricante de defensivos, pois a fluoretada se enquadra num processo de reciclagem menos exigente, de menor custo e produz uma resina pós-consumo de boa qualidade.
Coextrusadas em casos especiais
“Nos próximos anos, as embalagens coextrusadas tendem a ser deslocadas pelas fluoretadas e sucedâneas, como as revestidas com película de plasma”, prevê José Roberto Pelaquim, gerente de desenvolvimento de embalagens na América Latina da Syngenta, viga mestra da indústria de agroquímicos. “Nos últimos três anos, migramos das coextrusadas para o tipo contendo flúor e, hoje em dia, repartimos nosso uso de embalagens entre cerca de 74% para as de PEAD sem barreira e 26% para as fluoretadas”.
Pelaquim não vê diferenças técnicas entre os dois tipos e ressalta para as fluoretadas um custo/benefício atraente e que propicia a reciclagem, viabilizando a produção de novas embalagens, entre outras aplicações de segundo uso, como conduítes, cruzetas de poste e tubos para esgoto. “A tendência é de o uso das coextrusadas se restringir a casos especiais, quando houver incompatibilidade do defensivo envasado com a barreira de fluorcarbono”. Por sua vez, ele encaixa, o espaço dos recipientes monomaterial sem flúor é ocupado por defensivos não agressivos a PEAD e com água como solvente base. “Em determinados casos, porém, uma formulação base água de agroquímico pode requerer o acondicionamento com barreira”, completa o especialista da Syngenta.
Do lado de dentro da porteira, os agricultores, após a aplicação dos defensivos, efetuam a tríplice lavagem dos recipientes e perfuram seu fundo, tornando-os inaproveitáveis, entregando-os depois nas unidades de recebimento relacionadas na nota fiscal pelo vendedor do produto. Para Pelaquim, eles estão cada vez mais conscientes e preocupados com o descarte de embalagens de defensivos pós-consumo no campo. “Uma prova é a atuação voluntária deles e de entidades representativas nas edições do Dia Nacional do Campo Limpo, promovidas pelo gestor desse programa de logística reversa, o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inPEV)”.
Avanço anual
Recipientes fluoretados também nadam de braçada no portfólio da FMC, bússola dos agroquímicos no país. “Começamos a comprar essas embalagens em 2017 e hoje elas representam 35% do nosso movimento de defensivos”, atestam Denilson Almeida e Marcelo Ferrarese, respectivamente coordenador técnico de desenvolvimento de embalagens e coordenador de compras de embalagens, ambos responsáveis pelo mercado latino-americano. Quanto às demais participações, eles atribuem 50% aos recipientes de PEAD sem barreira e 15% aos tipos coextrusados. “Nosso consumo da embalagem fluoretada aumenta ano a ano e o quadro deve continuar assim”, salientam os dois executivos. “A competitividade e o apelo sustentável da embalagem fluoretada tendem a deslocar cada vez mais a coextrusada a uma posição secundária”.
A FMC não destoa da praxe de destinar a embalagem monomaterial ao envase de produtos base água e, no caso de defensivos com solventes na fórmula, a necessidade de barreira química leva cada vez mais a empresa para o recipiente fluoretado do que para o multimaterial, de duas camadas de PEAD e uma interna de PA ou EVOH. “O objetivo é barrar o contato direto do defensivo com PE, uma migração capaz de colapsar a embalagem e permitir o vazamento do conteúdo”, frisam Almeida e Ferrarese.
Vantagem das quantidades menores
Desde 2017, as vendas de embalagens fluoretadas da transformadora Newblow crescem à média de 10% ao ano, comemora o diretor industrial Orlando Mendes Leal Junior. Fornecedor também de frascos e bombonas de PEAD sem barreira, ele julga que os recipientes fluoretados tendem a esvaziar a procura pelos tipos coextrusados para envasar defensivos. “Além de mais baratas, o fornecimento em menores quantidades da embalagem fluoretada é mais fácil e, do ponto de vista ambiental, sua reciclagem ganha em simplicidade da recuperação do modelo coextrusado”. O diretor acrescenta que, embora a preocupação com sustentabilidade esteja generalizada no setor de defensivos, fabricantes médios e menores ainda compram os recipientes movidos a preço.
O sol escaldante nas vendas para o agronegócio bombeia o projeto de aumento, a ser concluído no final do ano, da produção de embalagens monocamada e fluoretadas da Newblow. “Nossa capacidade deve ampliar de 30% a 40%”, conclui Leal Junior. •