Assolado por um noticiário angustiante, uma embolada da carestia no Brasil com recessão mundial, Europa aos pés de Putin, espasmos do petróleo, baixas instáveis na resina virgem, cadeias de suprimento avariadas, China com lockdowns e economia a meio pau e que tais, o leitor da cadeia plástica anseia por uma trégua relax para respirar. Pois seu desejo é uma ordem.
Nada acontece por acaso, reza a cabala, mas há exceções explicáveis apenas por desatinos do destino. Uma delas, por exemplo, promoveu o impensável encontro de um colosso do petróleo global, com braço estendido em PE desde a década de 1980, e um disco capaz de tornar todo brasileiro ufanista, o seminal álbum Wave (Vou te contar, em português), de Tom Jobim, cuja gravação completa redondos 55 anos, efeméride esnobada pelas nossas editorias ditas de arte & cultura.
Mas lá fora uma pauta de Jobim não escapa das redações, caso do blog Jazz Wax, do jornalista Marc Myers, ativo fixo do Wall Street Journal. Os 55 anos de Wave, conforme ele expôs, coincidiram com o falecimento de dois gênios que aproximaram a indústria do petróleo de uma obra de arte.
Foi assim, como começava o samba-canção.
Peter Turner, fotógrafo norte-americano de publicidade revolucionou as capas de álbuns de música de alta estirpe, como jazz. Parênteses para os jovens leitores. Pré-internet e pré-CD, inexistia streaming e música era registrada em discos de vinil, cujas capas disputavam em mérito artístico com o trabalho do artista ali gravado. No Brasil, por exemplo, o capista Elifas Andreato fez história com trabalhos para a nata da MPB.
Retomando o fio, Marc Myers conta que, num belo dia de 1964, Peter Turner foi chamado para um brainstorm na petrolífera Esso, cuja joint venture em 1999 resultou no atual conglomerado de óleo e poliolefinas ExxonMobil. O pepino na mesa: a Esso queria associar sua imagem à África mas não sabia como. Turner teve uma luz: fotografar um caminhão tanque de gasolina correndo com animais tipo zebras e antílopes pelos lados sob o sol da savana. Os marqueteiros da Esso babaram, levitaram e, logo logo, eis Turner na primeira classe do voo para a África. Ele bateu a foto idealizada e, depois, ficou uns tempos por ali, atrás de tomadas para enriquecer seu arquivo, como retratos de girafas.
Em 1967, o produtor fonográfico Creed Taylor pegou a presidência da mega gravadora A&M Records, cuja subsidiária focada em jazz & bossa era o selo CTI. Um ano antes, ele visitara seu amigo Jobim no Brasil que tocou ao piano então uma versão incompleta de Wave, suficiente porém para Taylor e o compositor combinarem gravação em Nova York de LP com a música pronta e acabada. Um ano depois, quando a produção do disco chegava aos finalmentes, Peter Turner foi chamado por Taylor, baratinado atrás de uma foto para a capa de Wave. Segundo o fotógrafo, o produtor queria romper com a rotina de botar cara de artista na capa. “Ele queria uma foto em tamanho maior para o álbum, sem nada a ver com o título, e para ser apreciada pelo ouvinte. Queria marcar a identidade do selo CTI com imagens fortes, mas subliminares em suas representações”.
Turner foi para casa fuçar no arquivo e dali pescou uma foto de girafa tirada na África. Taylor topou no ato e o resto, como diz a letra de Wave, “O resto é mar/ é tudo que não sei contar”. Mas tem outro final: a imagem escolhida da girafa tinha fundo com filtro vermelho laminado com roxo. Descuido no laboratório resultou na capa original de fundo verde, erro corrigido em tiragens posteriores de Wave. Mas Turner comentou ter gostado do fundo verde, cor que, pelos humores de hoje em dia, seria aprovada de cara, pela alusão à natureza que, aliás, Jobim tanto amava. •