Não bastassem as vendas terem apenas saltitado em 2019, com 0,69% de avanço nas medições oficiais, a indústria de produtos de higiene e beleza, irmã de fé dos frascos, potes e tubos plásticos, anda tumultuada pelas avarias no mercado das grandes marcas causadas pelo assanhamento de um monte crescente de pequenas. Entre elas, tomam corpo grifes de cosméticos focados em insumos naturais. Aos pés do oratório da sustentabilidade e saudabilidade, elas influem cada vez mais na reforma geral dos critérios de desenvolvimento de produtos de cuidados pessoais como um todo e, em tiro de ricochete, esquadrinham até o talo o currículo eco correto dos materiais de suas embalagens.
“Nosso público é muito engajado na causa ambiental”, sublinha Giulio Peron, CEO da CASA feito brasil, ao volante das marcas feito Brasil Cosméticos e Quintal Dermocosméticos. “Com frequência, recebemos feedbacks sobre o tema em nossas redes sociais, sempre questionando a quantidade de embalagens e até o material utilizado na proteção dos produtos dentro das caixas de envio pelo correio”. Peron descreve seu público como majoritariamente (90%) feminino, na faixa de 24 a 34 anos e pertencente às classes B e C. “No nosso e-commerce, o ticket médio gira em torno de R$ 250”.
O portfólio da Casa feito brasil abriga cosméticos veganos, sem aditivos artificiais e insumos de origem animal, tendo um produto certificado como natural e outro como cosmético orgânico. A certificação dessas categorias cabe a entidades como o Instituto Biodinâmico (IBD) e Ecocert. Conforme análises especializadas, os cosméticos naturais são norteados por exigências como o veto a aditivos químicos em sua composição, esta franqueada a ingredientes de origem vegetal e mineral. A certificação Ecocert reconhece como naturais os cosméticos em que, no mínimo, 95% do conteúdo da composição sejam de elementos naturais e 5% de ingredientes artificiais, estes permitidos pelo certificador e não arrolados entre os seguintes materiais proibidos: fragrâncias, corantes e conservantes sintéticos; derivados de petróleo e propeno; amônia; silicone; dietanolamidas e substâncias geneticamente modificadas, testadas em animais ou provenientes do sofrimento deles. Por seu turno, os cosméticos orgânicos são identificados por conterem, no mínimo, 95% do conteúdo da composição a cargo de ingredientes orgânicos (naturais e baseados nos métodos do sistema orgânico de produção) e 5% de água e outros insumos naturais.
Peron retoma o fio ilustrando o rigor das entidades certificadoras com o mostruário da Quintal Dermocosméticos. “A marca possui dois produtos certificados pelo padrão Cosmos e entre suas exigências consta a adoção de embalagens mais sustentáveis e que assegurem a qualidade do produto”, esclarece o CEO. “Para dar uma ideia, esta norma lista requisitos para o uso de materiais de embalagem que, por sua vez, passam pela validação de um oficial de certificação”. Assim, para cosméticos orgânicos com a chancela Cosmos, conta Peron, “é proibido o excesso de embalagens ou filmes desnecessários, com o objetivo de minimizar o impacto ambiental”, ele explica. “Também é vedado nas embalagens o uso de poliestireno e PVC, tal como seus derivados, e de materiais como couro, que levem animais à morte”. No ano passado, a propósito, encaixa o porta-voz, a Quintal lançou o primeiro produto certificado pelo padrão Ecocert Cosmos Natural. “Trata-se do bálsamo biomimético Blemish Blur, ofertado em bisnagas de polietileno verde”, esclarece Peron, aludindo à poliolefina produzida pela Braskem pela rota do etanol extraído da cana-de-açúcar. “A embalagem atendeu as expectativas nossas e dos clientes em termos de aplicação, praticidade, envase e conservação do cosmético”. Já o cosmético da Quintal certificado como orgânico é a bruma restauradora energizante, ofertada em frasco de vidro com spray. Indagado sobre a possibilidade de trocar o vidro desta embalagem por PET reciclado grau alimentício, Peron não fecha a porta. “Estamos sempre de olho nas soluções do mercado e buscamos as que melhor se adaptem à necessidade de cada produto”.
Peron não discrimina qualquer matéria-prima de embalagem. “Por acreditarmos que todo material deve ser reciclado, causando o menor impacto possível na natureza, apostamos em logística reversa”. O CEO reconhece ser muito complexa a avaliação do desempenho sustentável de cada material. Nenhum deles é perfeito, mas cabe a nós, como cadeia consumidora, criar a demanda para incentivar o mercado a desenvolver soluções de embalagens cada vez mais ecologicamente corretas”.
É sob este mesmo prisma que Peron avalia o futuro do plástico, hoje crivado de flechadas ambientalistas, em embalagens de produtos de higiene pessoal e beleza. “Tudo se orienta para a redução da quantidade das embalagens utilizadas e busca por novas matérias-primas”, ele considera. “Por exemplo, empresas apostam em recipientes maiores e refil, para reduzir o volume de plástico, e no desenvolvimento de embalagens biodegradáveis de derivados de celulose”. Na mesma trilha, ele ressalta que a demanda crescente de produtos multifuncionais, por conta de um público adepto do consumo consciente, converge para a redução do uso de materiais de embalagens como o plástico. “Limpar a pele com apenas um produto, em vez de três, é outro exemplo dessa postura”.
Juliana Tenório, sócia da Aymara Una, fabricante de cosméticos naturais e veganos, não embarca na visão abrangente e contemporizadora de Giulio Peron quanto às perspectivas para a embalagem plástica na indústria de artigos de higiene e beleza. “Não vemos um futuro para o material no setor, a menos que haja uma opção acessível, biodegradável e com pegada de carbono neutra”.
Fundada em 2017, a AymaraUna tem aferido lento crescimento das vendas, “mas 2020 promete ser melhor que 2019”, confia Juliana, elegendo o desodorante como carro-chefe da sua grife. Seu perfil padrão de cliente é a consumidora da classe B, de 25 a 40 anos e nível de escolaridade superior. Como referências do grau de consciência ambiental do seu público, a dirigente comenta de clientes que gostariam de retornar os frascos vazios e perguntam a respeito do selo eureciclo.
Juliana confirma que a afinidade do material da embalagem com a proteção ambiental influi na decisão de compra dos cosméticos da AymaraUna. “Talvez vendêssemos mais se tivéssemos uma embalagem identificada como verde”. A empresa utiliza o plástico em bisnagas para o hidratante e gel dos tipos dental e sabonete facial e nos frascos opacos para xampus e o desodorante roll on.
Entre vidro, papel e plástico, Juliana elege o último como o material de embalagem mais nocivo ao meio ambiente. “Papel é o menos prejudicial, pela sua biodegradação”. Na esteira, ela revela a intenção de reduzir o número de cosméticos da AymaraUna acondicionados em plástico, “porque ele demora a se decompor”, alega. •