Tropeços pontuais num caminho sem volta

Riscos de colapso no suprimento não freiam ascensão de PET-PCR
Irineu Bueno Barbosa Junior

Plástico mais preparado para o novo mundo circular, PET reciclado pós-consumo (PET-PCR) levita no Brasil em projeções de demanda crescente, mas nem por isso desimpedida de tropeços pontuais. Um exemplo: o risco, já em curso, de colapso no suprimento a determinados segmentos onde o uso do poliéster recuperado é bem mais motivado por conveniência de custos industriais que pela devoção à sustentabilidade. Na indústria química, por exemplo, algumas empresas vinham utilizando flakes de garrafas em lugar do insumo ácido tereftálico purificado (PTA). Com o recuo dos preços do petróleo e fretes internacionais diante dos valores vigentes na pandemia, PTA voltou a ficar mais barato que os resíduos de PET. Na termoformagem de chapas, por sua vez, flakes deslocam PET virgem em situações puxadas por aplicações não alimentícias. Nesse caso, o flake, ainda que um pouco mais barato que o pellet novo em folha, apresenta umidade, pontos pretos, instabilidade de cor e proporciona mais perdas que PET zero km nos filtros de polimerização. Há alguns meses, o governo federal reduziu o imposto de importação de resina PET e seu preço internacional segue em queda. Nessa situação, temos transformadores dependentes de flakes premium encarecidos e estados do Sul, como Santa Catarina, oferecendo incentivos fiscais à importação. Amarrando as pontas, aos poucos transformadores locais voltarão à praxe de trocar flakes por resina virgem.
O motor dessa combustão é a procura fervente por PET-PCR para embalagens. Claro que, com o barateamento da resina virgem a demanda do reciclado cai, mas como seu uso é a solução mais em conta para brand owners comprovarem o apreço pela logística reversa e reciclagem, a irrisória diferença de preço entre materiais zero bala e recuperado é aceitável por eles. No mais, a procura aquecida por PET-PCR tem o condão de animar investimentos na coleta de garrafas, o que normalizará o suprimento generalizado de flakes no futuro próximo. É uma boa nova para o reduto de PET reciclado grau alimentício, hoje alvo de anúncios de aumento de capacidade produtiva. Seus investidores não são novos entrantes e estão topando a parada após pesar fatores complexos como os riscos de escassez pontual de flakes, sua consequente falta de competitividade diante do preço de PET resina virgem e complicadores no mercado internacional. Durante este semestre, por exemplo, os EUA presenciam fortíssima queda no preço das garrafas enfardadas, pois uma crise no segmento têxtil, muito forte na reciclagem por lá, tem reduzido seu consumo de garrafas para gerar recuperado grau fibra. A médio e longo prazo, porém, a tendência de alta demanda pelo PET reciclado grau alimentício permanece um drive para a manutenção de preços elevados do tradicional poliéster para segundo uso.
Tramita no Legislativo, em vias de ser submetida à consulta pública, uma proposta renovadora das regras para logística reversa e reciclagem de embalagens (https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-embalagens-de-plastico). Países desenvolvidos e em desenvolvimento avançaram em legislações que consideram a necessidade de projetos de embalagens facilitarem sua reciclagem. Também delimitam que a logística reversa, reciclagem e uso compulsório de matéria-prima reciclada em novas embalagens são essenciais para a resolução do problema mundial do lixo plástico. Todas essas frentes de enfrentamento expostas pelo governo brasileiro foram muito bem aceitas pelas associações de catadores e iniciativa privada dedicada à coleta de embalagens; por recicladores, transformadores, brand owners e petroquímicas como as produtoras de PET. Se esse projeto virar lei nos próximos meses, as grandes (e mais responsáveis) marcas finais verão as menores obrigadas a cumprir a mesma legislação ambiental e, desse modo, a conta do desafio fica rateada entre todos. É a falta de uma regulamentação como esta a causa de rupturas e colapsos entre oferta e procura de PET- PCR. Sem demanda não há porque produzir nem o que coletar. O vácuo de projetos estruturantes como este a caminho é o mal que precisamos extinguir. •


Irineu Bueno Barbosa Junior é sócio diretor da recicladora Global PET

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