Com capacidade anual orçada em cinco milhões de veículos, a indústria automobilística brasileira deve fechar o ano com produção abaixo de 1.5 milhão de unidades, um tombo da ordem de 47% frente ao saldo de 2019 e comprovador de arrepiantes 70% de ociosidade nas montadoras. Eis aí, em uma frase, a cama de gato armada pela pandemia na prata da casa dos compostos de polipropileno (PP). O vínculo deles com as autopeças se assemelha à umbilical dependência de PVC dos humores da construção civil, mas os compostos não cabem nesse comparativo em razão da polivalência de usos e mercados que tornam PP um caso único de coringa entre os termoplásticos. Uma válvula de escape que os componedores da poliolefina andam explorando com mais afinco, tanto para alargar seu raio de ação como para amortecer os efeitos em seus negócios do setor automotivo no acostamento.
Em 20 anos de estrada, a subsidiária no Brasil da austríaca Borealis contribuiu com feitos marcantes para a evolução dos compostos de PP no setor automotivo nacional, caso dos tipos com fibra de vidro para tetos de carros. Mas o atrativo de outros mercados levou a empresa a constituir, há quatro anos, uma equipe dedicada a garimpar mais jazidas para o material no país e no restante da América do Sul. “Nosso time é muito experiente no desenvolvimento de aplicações dependentes de um balanço de propriedades que apenas a versatilidade dos compostos de PP pode oferecer”, enaltece o gerente de vendas e marketing Daniel Furió. “Por exemplo, produtos talhados para substituir plásticos de engenharia com redução de custo ou peso das peças, ou então, compostos de altíssima resistência mecânica e com retardante de chamas para uso em peças estruturais”.
Furió ressalta, a propósito, que a equipe utiliza a metodologia MVP, traduzida como produto mínimo viável. Consta da versão mais simples de um produto com as mínimas características necessárias para ser inserido no mercado. “Isso nos permite atender com maior agilidade e índice de acerto a demanda por novas formulações desenvolvidas na planta piloto da nossa sede em Itatiba (SP)”. Desse modo, amarra as pontas o gerente, a carteira da Borealis resulta hoje num misto quente de setores representativo de um terço dos negócios da empresa na América do Sul e no qual cabem indústrias a exemplo de eletroeletrônicos, mobiliário, materiais elétricos, infraestrutura e agronegócio. Em abril, o corona impôs férias coletivas à equipe de prospecção de oportunidades. “Mas essa diversificação de mercados e aplicações permitiu à empresa retomar sua produção no começo de maio e, desde então, o ritmo do negócio é crescente”, comemora o gerente.
A pandemia acendeu a primazia dos gastos em produtos essenciais, deixando à míngua os bens duráveis. Furió nota, no entanto, que segmentos dessa categoria ligados ao cotidiano do lar mostraram-se mais resilientes e logo se recuperaram do soco do corona nas vendas. “Hoje em dia, nossa quantidade de casos de aplicações de compostos em utilidades domésticas, eletrodomésticos, móveis e materiais de construção supera o saldo de 2019”. Embora não se trate de um composto, Furió distingue também a comercialização no Brasil de um grade de PP, sob o codinome HL912FB, trazido da Áustria para nãotecidos resultantes do processo meltblown e destinados a máscaras faciais reutilizáveis, de maior capacidade de barreira, laváveis e de altíssima filtragem.
Em paralelo, a Borealis trata de abrir caminho no Brasil para a linha de compostos Borcycle™ na garupa da economia circular, pois a formulação alia PP virgem e reciclado e sua performance a qualifica para aplicações antes restritas a compostos com grades de primeiro uso. No embalo, Furió exemplifica com o composto carregado Borcycle™ ME1490SYB produzido em Itatiba e presente no para-lama injetado de não revelado modelo de carro lançado este ano. “Materiais da série Borcycle™ já estão em aprovação final para peças no compartimento de motores automotivos e de produtos ligados à construção civil”, adianta conciso o executivo.
Chamariz da competitividade
Apesar dos estragos, a paulada do corona na cadeia automotiva não é suficiente para desviar os olhos da componedora de PP Mitsui Prime Advanced Composites do Brasil para outras frentes de aplicações. “Suspendemos a produção devido à queda drástica nas vendas quando a quarentena paralisou as montadoras, mas mantivemos inalterados serviços como a entrega de materiais”, conta o diretor comercial Celso Ferraz. “Em julho, porém, todos os fabricantes de autos já haviam retomado a produção e, desde então, o mercado sinaliza recuperação”.
Ferraz comenta que a queda na produção e patamares de vendas a anos luz do período pré-crise sanitária e econômica levam a indústria automobilística a podar gastos. Essa reação, ele interpreta, limpa a pista para o avanço dos compostos de PP, mediante a redução do peso e parede das peças e deslocamento de metais e plásticos de engenharia, alternativas mais onerosas. “Há inúmeras oportunidades para melhorar a competitividade e reduzir custos na produção nacional de autos”, reitera Ferraz. Ainda nessa pegada, ele salienta o empenho da Mitsui em desenvolver compostos em linha com o aprimoramento da eficiência energética, segurança veicular e da redução de emissões, pilares do programa Rota 2030.
Foco em nichos
Sem bala na agulha para duelar em custos com compostos formulados com PP nacional, a distribuidora de materiais Master Polymers volta-se para aplicações de nicho para os produtos da série Politron da israelense Polyram. O portfólio compreende compostos de PP com teores de 15% a 60% de fibra longa de vidro “São especificados para aplicações críticas como canisters para air bags e elementos estruturais como front end e para-choques de caminhão e estão homologados em montadoras como VW, Renault, Fiat Chrysler e Peugeot”, explicam o diretor Joel Pereira Araujo e o engenheiro de desenvolvimento Eduardo Nascimento.
Diante da prostração nas linhas de montagem de veículos, a Master Polymers tem ciscado em outras paragens com os compostos Polytron. “Encontramos aplicações em instalações hidráulicas na construção civil, setor esportivo, soluções hídricas para o mercado de irrigação, com peças como válvulas, filtros e conexões”, alinham os dois especialistas. Eles também cavam espaço no próprio reduto de compostos, visando substituir com melhor desempenho PP com 20-40% de fibra de vidro convencional pelo composto da resina com 60% de fibra longa de vidro acrescida de PP puro. “PP com fibra longa aprimora a resistência ao impacto, à tração e à compressão, configurando uma alternativa para peças estruturais”, acentua Nascimento.
Como a pandemia intensificou a comunicação online, Araujo e Nascimento também têm cevado o potencial para seus compostos de fibra longa em caixas de emenda óptica. No plano geral, assinalam, como esses compostos, devido a características obtidas pelo processo de pultrusão, atingem níveis de resistência mecânica, sem alterar sua baixa densidade, equiparáveis aos de poliamidas reforçadas, a porta está aberta para aplicações nos setores industrial e automotivo. Araujo e Nascimento acrescentam que a fluidez é grande preocupação dos clientes em projetos envolvendo PP com fibra longa. “Isso levou a Polyram a desenvolver formulações com fluidez de 150 g/10min utilizadas no grade de diluição Polytron P60B10-SLE, com 60% de fibra longa”, esclarecem os dois especialistas. “Essa tecnologia permite o preenchimento rápido e preciso do molde, mesmo para a injeção de peças de paredes mais finas”.
Materiais elétricos
A queda livre na produção automotiva não pegou a componedora Thermoblend no contrapé, justo ao completar 10 anos de ativa. “Como investimos muito em desenvolvimentos, tínhamos prontas para lançar, desde o início do ano, as linhas Thermofiller GW e GW Plus de compostos de PP resistentes ao fio incandescente a 850ºC e 960ºC, respectivamente”, conta a diretora comercial Fabiana Esposito. As duas séries ganharam a praça em março e, entre a gama de aplicações, Fabiana exemplifica com a adequação de ThermoFiller GW a itens do setor elétrico como tomadas, plugs e interruptores. Em paralelo, ela ressalta que o isolamento social afagou o giro de seus compostos para a produção de brinquedos e itens esportivos para entreter a criançada confinada e de ferramentas de paisagismo e jardinagem, como tesouras e cortadores de grama.
A Thermoblend engatilha para meados de setembro o início das vendas em escala comercial de um produto desenhado, conforme atesta Fabiana, para competir com importações: a linha de agentes compatibilizantes LinkBond, constituída de seis grades e produzidos a partir de resinas como PP. “Eles conciliam as características de materiais plásticos diferentes entre si, auxiliando na reciclagem e ajudando na adesão de cargas minerais, reforços e aditivos como os antichama”, esclarece a diretora. “Os compatibilizantes concorrentes exigem uso em maior quantidade para igualar o resultado proporcionado pela linha LinkBond”.
Agro é top
Com capacidade estimada de 2.000 t/mês para compostos de PP dirigidos com primazia a autopeças, a Termocolor teve de virar a chave ao dar com as montadoras deixadas na maca pela covid-19. “Trabalhamos com altos volumes, puxados por compostos como os de PP com talco, carbonato de cálcio e fibra de vidro para diversos segmentos”, nota Wagner Catrasta, gerente comercial para a América Latina. “Neste momento especial, porém, destaco as vendas de materiais para móveis de jardim e multifilamentos de ráfia para big bags de commodities agrícolas, na garupa do aumento do consumo de alimentos durante o isolamento social”.
A Termocolor tem um plus que a diferencia na raia do beneficiamento de PP: sua cancha em masterbatches, aditivos e no tingimento de resinas. “Devido a essa flexibilidade, podemos circular por todos os mercados e processos de transformação”, sublinha Catrasta. “Isso nos confere autonomia em desenvolvimentos como compostos aditivados na cor encomendada pelo cliente ou, no espírito desses tempos, acrescidos de agente bactericida ou antiviral”.
Duelo com importações
Para contrabalançar os pedidos emagrecidos de soluções para o setor automotivo, a componedora Petropol tem lutado por espaço para seu portfólio de PP beneficiado em aplicações caras a plásticos de engenharia e compostos vindos do exterior, hoje atazanados pelo dólar na lua e insuficiência internacional de frete. “Desenvolvemos formulações que tornaram nossos compostos Petrotene® muito mais versáteis e competitivos”, assinala o diretor comercial Rafael Prado Moraes. “A produção local dos novos compostos favoreceu empresas penalizadas com as dificuldades para importar”.
Entre as vedetes do esforço da Petropol para alargar suas frentes de atuação, Moraes distingue os compostos de PP antichama Petrotene® GWT. “Com resistência ao fio incandescente, eles substituem, com maior leveza e economia, a poliamida 6.6 em materiais elétricos como peças e plugs de tomadas”. No embalo, o diretor também realça a procura por seus compostos com fibra de vidro e cargas minerais para apear rivais importados em usos no agronegócio.
O mostruário de compostos de PP da Petropol engloba tipos de fibra curta e longa, integrantes, respectivamente das séries Petrotene® GF e Petrotene® VLF. Moraes distingue como lançamento do ano Petrotene® CC, linha de compostos de fibras de vidro curtas e quimicamente acopladas.”Tem um rendimento mecânico superior aos dos compostos GF e seu desempenho o aproxima dos tipos com fibra longa”, descreve o diretor comercial. “Petrotene® CC preenche a lacuna entre o composto de poliamida 6 e o de PP com fibra longa”. Conforme explica, a novidade mira aplicações dependentes de leveza e versatilidade superiores às oferecidas pela poliamida 6, acenando ainda com custo menor e processabilidade melhor que a do composto de PP com fibra longa. No setor automotivo, ele aponta, Petrotene® CC se encaixa em peças estruturais como moldura de console e painel do módulo da porta. No agronegócio, Moraes percebe campo fértil para o lançamento e para seus compostos de fibra longa em componentes para suinocultura e avicultura e peças estruturais de máquinas e implementos agrícolas. A propósito, completa, o tipo Petrotene® CC com 50% de fibras curtas e quimicamente acopladas vem tomando mercado de materiais importados. •