Prova de fogo

A Sóbolhas ia deslanchar com a capacidade ampliada e aí veio a quarentena

Trapaças da sorte. Com aquele otimismo típico de quem milita na transformação de plástico, a paulista Sóbolhas, mesmo tendo rodado suas duas fábricas com 65% de ocupação em 2019, fechou a compra e instalou na filial da Bahia equipamentos que aumentam a capacidade dela em cerca de 30%. Pois justo quando as novas máquinas iam ser ligadas em Salvador, a quarentena parou o país e deixou a empresa atarantada com o sumiço da freguesia para sua produção recém-ampliada.

“Embora 2019 tenha sido um ano de muita instabilidade, víamos uma boa chance de o mercado reaquecer a partir de fevereiro último”, explica Fábio de Almeida Leite, diretor da Sóbolhas. “Por causa disso e porque somos brasileiros, não desistimos nunca e acreditamos no nosso negócio, decidimos abrir mais opções de mercados, saindo um pouco do foco tradicional na indústria automobilística e na de eletroeletrônicos”.

Leite define a Sóbolhas como uma indústria especializada em embalagens para proteção, risco e abrasão. O portfólio reflete essa vocação com plástico bolha; filmes de polietileno (PE), inclusive shrink; mantas e peças técnicas de PE expandido; produtos de polipropileno (PP) corrugado; peças de etileno acetato de vinila (EVA) e envelopes de segurança, à base de filme coex de três camadas de PE. Em Santo André, no ABC paulista, a planta sede teve sua capacidade elevada para 200 t/mês em 2019, especifica Leite, enquanto a da filial em Salvador subiu este ano de 80 para 110 t/mês com o desembarque das novas linhas. “Investimos em torno de R$ 1 milhão numa extrusora, máquina de corte e solda e uma termoformadora de plástico bolha”, ele descreve.

Cada produto é desenvolvido conforme a necessidade do cliente, sublinha Leite. “Antes da expansão, os focos da filial da Bahia eram as peças técnicas e filme bolha para uso em indústrias, impressos e com tratamentos como antiestático, antichama e anticorrosivo”, ele detalha. “Ainda no ano passado, percebemos a necessidade de novos negócios, pois a instabilidade e volumes cada vez menores vigoravam nos setores automotivo e de eletroeletrônicos. Resolvemos então investir na filial em produtos destinados ao varejo em geral”.

Mal as máquinas chegaram e a pandemia mostrou sua cara em março. “Ficamos muito preocupados, mas não imaginávamos a proporção que o imobilismo tomaria”, rememora o diretor. “De início, achávamos que tudo voltaria ao normal após uma parada de 15 dias, mas nos enganamos”. Baixou então um pesadelo à luz do dia. “Vários pedidos já produzidos não foram recebidos, programações foram canceladas e, muitas vezes, ligávamos para clientes antes de produzir para checar se iriam receber o que ordenaram e, para nossa surpresa, ficávamos então sabendo, depois de produzir a encomenda, que a empresa compradora havia suspendido suas atividades”.

Mesmo para uma transformadora com 16 anos de janela, calejada com coices da economia como a crise financeira de 2008-2009 e a recessão de 2005 e 2016, a altura do sarrafo da conjuntura aumentou demais. “Decidimos então paralisar 50% da capacidade em São Paulo em abril e maio e desligar a unidade da Bahia de maio a julho”, conta Leite. “O impacto foi logo sentido porque trabalhamos com produtos concebidos com exclusividade e, na hipótese de cancelamento ou suspensão por tempo indeterminado, não temos como repassar a ordem a outro comprador”.

Devido aos aprontos do corona, Leite lista, entre as reações imediatas da Sóbolhas, a reavaliação do fluxo de caixa, pois a empresa compra antecipadamente as matérias-primas e insumos. “Readequamos as entradas e saídas de capital de modo a assegurar o pagamento a funcionários, parceiros e fornecedores por 90 dias. Também passamos a nos suprir apenas do necessário para estoque de segurança”.

Quanto aos clientes, não havia saída senão aguardar a volta deles à ativa. “Sabíamos que, no retorno, a maioria deles precisaria com extrema urgência dos nossos produtos”. Leite assinala que sua filial baiana tornou a operar no rastro de alguns clientes que reabriram as portas com timidez, como se viu na primeira quinzena de agosto, ajudando a Sóbolhas a desovar em boa parte o estoque.

Os produtos da empresa mais espezinhados pela quarentena, distingue Leite, foram as peças técnicas e bolhas para uso fabril, dirigidas em sua maioria a montadoras de veículos. Em contrapartida, ele comenta, o fechamento do comércio e determinados serviços na fase do distanciamento social bafejou a Sóbolhas com aumento expressivo da venda de envelopes para notas fiscais, envelopes de segurança e sacos de plástico bolha para estes. “Foi um movimento trazido pelo e-commerce”, atribui o diretor. De olho em novas oportunidades em frentes como o varejo, Leite confia, apesar dos pesares passados, fechar este ano com vendas ao redor de 3% a 4% acima de 2019. “O clima aqui é de otimismo cauteloso”, ele estabelece. “Temos de olhar para frente sem esquecer do passado, pois eventos como crises ou pandemias passam e a quem conseguiu sobreviver cabe recomeçar”. •

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