Recicla – ?

O governo federal lançou em 13 de abril último o Programa Recicla +, que institui o denominado Certificado de Crédito de Reciclagem...
Irineu Bueno Barbosa Junior

O governo federal lançou em 13 de abril último o Programa Recicla +, que institui o denominado Certificado de Crédito de Reciclagem, com os objetivos anunciados de prover renda extra a um efetivo arredondado em 800.000 catadores e atrair investimentos na reciclagem de produtos e embalagens descartados pelo consumidor. Eu entendi que a iniciativa atuará como uma forma de melhorar a remuneração de catadores e empresas envolvidas com a logística reversa de embalagens, mas não funcionará como uma ferramenta que impulsione a expansão da demanda por plásticos reciclados. A meu ver, qualquer alternativa que facilite o cumprimento de obrigações com a logística reversa de embalagens através da aquisição de créditos sobre materiais reciclados por outras empresas é um desincentivo à inovação, pesquisa e desenvolvimento de materiais mais recicláveis e de técnicas mais eficientes de se reciclar os materiais plásticos que já nos servem.
Não vejo vantagens, assim, para a cadeia de reciclagem do plástico em geral. A propósito, a comercialização de créditos de logística reversa já ocorre no Estado de São Paulo. Algumas empresas que utilizam embalagens de difícil reciclagem e sem valor comercial para os catadores compram créditos de logística reversa para justificar seus programas junto à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Contudo, os plásticos que dão origem a esses créditos são aqueles que são reciclados, de valor comercial e que já cumprem seu papel na economia circular. Nesse cenário, os plásticos de difícil reciclagem continuarão sem investimentos no desenvolvimento da sua reciclagem e de novos materiais que atendam às necessidades técnicas exigidas e exibam melhor reciclabilidade. Esse cenário poderá ser reproduzido Brasil afora com o Recicla+ e, nesse caso, estamos diante de um potencial para instituir um greenwashing nacional legalizado.
Sempre sendo possível piorar, receio que a demanda pelos plásticos recicláveis diminua quando o mercado oferecer condições comerciais desfavoráveis à eles em detrimento de plásticos virgens e da aquisição de créditos de plásticos reciclados.
Eu sempre repito, à exaustão, que a melhor forma de fomentar toda a cadeia de reciclagem é através da estruturação de demanda por materiais reciclados. Apenas uma demanda estável é capaz de manter a dinâmica e remuneração de cooperativas a longo prazo. A substituição da demanda pela ideia de comercialização de créditos de logística reversa tem potencial de deixar as cooperativas sem vendas para a maioria dos produtos que são coletados, formando um cenário insustentável a médio prazo.
Qualquer programa que vise fomentar a economia circular e sustentabilidade deve: a) estimular o desenvolvimento de materiais de fácil reciclagem; b) estimular o consumo de materiais reciclados em detrimento dos contratipos virgens; c) oferecer uma tributação justa e compatível com o interesse do país em ter uma matriz sustentável de produção de embalagens e bens de consumo; d) facilitar o acesso de pequenas empresas nacionais a novas tecnologias de reciclagem; e) instituir programas de combate ao greenwashing por parte da iniciativa privada e f) regular a proibição do uso de materiais que dificultem a reciclagem de embalagens.
Nenhum desses quesitos é atendido pelo Recicla+.
Há um ponto em que o programa pode ajudar muito, forçando o fim da informalidade que ainda existe no setor. Contudo, há que se atentar para que o oposto não comece a ocorrer. Não me surpreenderá se algumas cooperativas surgirem através de esquemas fraudulentos apenas para emitir notas fiscais, com a finalidade de levantar recursos através da venda de créditos de logística reversa. Reconheço que essa questão está protegida pela necessidade de se registrar os deslocamentos de resíduos no Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Manifesto de Transporte de Resíduos (SINIR-MTR), mas permanece um ponto merecedor de atenção. •


Irineu Bueno Barbosa Junior
é diretor comercial da
Global PET Reciclagem

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário