Quando o custo vira investimento

Por que o status do estoque regulador de resinas está mudando na indústria transformadora
Fernando Esteves

Mudanças climáticas, insuficiência doméstica e externa de determinadas matérias-primas e o gargalo no frete marítimo internacional instauraram um ambiente de incertezas para os transformadores de plástico no Brasil. Em suma, desde meados de 2020 não temos garantias de fornecimento continuo de resinas e a escassez e encarecimento de containers e cargueiros fez com que distribuidores e petroquímicas escolhessem a quem suprir. Nesse quadro de sufoco, grandes transformadores não têm sentido um colapso no abastecimento tão contundente quanto os menores e médios. Afinal, apesar da escalada dos preços das resinas bombeada pelo câmbio e barril de petróleo, contratos globais de fornecimento salvaram muitas empresas maiores daqui da paralisação total.

Com o tempo fechado até segunda ordem, diversas práticas de gestão acabaram deletadas no setor transformador. Por exemplo, há mais de um ano o termo just in time deixou de ser aplicado ao fornecimento de resinas. Estamos vivendo um momento em que precisamos estudar uma possível demanda relativa mensal e considerar o dispêndio de matéria-prima como investimento e não mais como custo. Ou seja, havendo material na praça, tratemos de comprar e estocar internamente para não sofrer com as diferenças de valores.
Por culpa dessa instabilidade, reitero que a única saída para os transformadores é manter um estoque preventivo para coexistir com o ziguezague da oferta e consequentes oscilações nos salgados preços das resinas. Minha empresa, a transformadora de peças técnicas Injequaly, hoje compra direto de petroquímicas que trazem materiais do exterior e com quem nossa controladora Viking Plastics cultiva relacionamento mundial. Desse modo, ficamos cientes da frequência de embarque e recebimento e, portanto, temos como programar a estocagem da resina na planta sede na Grande São Paulo e, a partir do ano que vem, nas filiais que partirão em Santa Catarina e no interior paulista.

O avanço da vacinação tende a tornar a pandemia uma página virada, mas sobram projeções de que os danos climáticos caminham para se tornar mais previsíveis e severos, caso da temporada de furacões afetando petroquímicas nos EUA, ou então, de estiagens castigando o Brasil com crises hídrica e elétrica. Uma vez amarradas as pontas desse novo normal, não sobram muitas escolhas para o transformador que precisa honrar um contrato de fornecimento ou periga ser multado por não entregar o prometido. Ou seja, o investimento em estoque em casa é inescapável nessas circunstâncias. O progresso da vacinação não alivia a barra a curto prazo e, provavelmente, teremos no próximo ano um período pior não em termos de abastecimento de matéria-prima, mas de queda no consumo de produtos transformados.

Nesse contexto grávido de incertezas e sem alterações previstas por ora, o custo de estoque passou de elemento do cálculo de formatação do preço do artefato de plástico para a condição de investimento chave para o transformador cumprir seus contratos de atendimento. Para melhor digerir esse enrosco aqui na minha empresa, estamos passando aos fornecedores uma estimativa de demanda trimestral, sem vínculo com data de entrega. Desse modo, eles conseguem nos entregar conforme sua disponibilidade e, da nossa parte, vamos armazenando as resinas durante o trimestre em questão. É uma alternativa que requer capital e área de armazenagem para acertar o passo com a nova música. Nesse jogo duro, porém, cada um recorre às armas que tem.

Fernando Esteves é diretor de desenvolvimento da Injequaly.

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