Rogério Mani
Presidente da Abief
Entendo ser um caminho sem volta. Os números mostram há muito tempo a indústria brasileira de transformação (no plano geral) perdendo relevância no PIB. Pelos indicadores oficiais, ela representava 27,3% do PIB de 1986 e atualmente pega 11,3%. Até hoje, governo algum se preocupou em reverter esse quadro, mesmo ciente da atuação da indústria como mola propulsora de uma nação. Transpondo o cenário para o mundo específico do plástico, entendo que o número oficial (IBGE ) de 12.000 transformadoras é teórico, pois, na prática estimo por volta de 9.000 o efetivo dessas indústrias na ativa aqui no nosso país. Explico: número de CNPJ não significa que uma indústria esteja em operação. A propósito, os EUA, com 330 milhões de habitantes e consumo per capita de 100 kg de plástico (35 kg no Brasil, com população de 220 milhões), possuem cerca de 5.000 transformadoras.
Tocando adiante: a pirâmide da faixa de produção das nossas indústrias de transformação mudou muito nos últimos anos. Indústrias médias passaram a grandes e grandes viraram megas, enquanto as pequenas foram as que mais estagnaram. Os pontos-chave para mutação do cenário incluem ganho de escala, tecnologia atualizada, acesso a crédito e matérias-primas, profissionalização empenho em inovação e a ocorrência da maior concentração dos clientes, em especial as companhias à frente de grandes marcas de produtos de consumo (brand owners). Na mesma linha, devemos considerar que o parque industrial brasileiro é considerado obsoleto (50%-60%), o que implica a exigência de muito capital para sua atualização. Não tenho dúvidas de que o número de transformadoras de plásticos no Brasil deverá passar por uma depuração gradativa e ela não será pautada por tamanho das indústrias, mas pela estratégia e disposição de cada empresário.
José Ricardo Roriz Coelho
Presidente da Abiplast
A desindustrialização é um fato amplamente observado na economia brasileira. Nos anos 1980, a indústria chegou a representar mais de 35% do PIB tendo despencado para menos de 11% na década seguinte. Hoje em dia, a indústria nacional responde por apenas 1,2% da produção mundial e 0,8% das exportações globais. Esse processo de desindustrialização e baixa produtividade fabril decorre, em especial, do Custo Brasil, que engloba burocracias para questões como abrir e manter um negócio, honrar tributos, ter acesso a crédito e insumos competitivos ou contar com ambiente estimulador de inovações.
A transformação de plásticos também sofre com esse fenômeno. Afinal, seu desempenho responde de forma bastante consistente com o comportamento da indústria em geral, haja vista a presença do plástico em todas os setores industriais. Ainda temos especificidades na cadeia do plástico que potencializam a compressão de margens dessa indústria e afeta sua capacidade de investimentos. Câmbio é um exemplo claro. Quando temos oscilações fortes nas cotações, esses movimentos são praticamente repassados pelos fornecedores de resinas para o transformador que, por sua vez, em geral não tem a mesma capacidade de repasse a seus clientes. Tal impacto é sentido direto na margem da transformação, que assim se descapitaliza e compromete a prospecção de investimentos.
Outra especificidade estrutural que impacta os transformadores são as altas barreiras à entrada competitiva de matérias-primas. Como o setor petroquímico é naturalmente bastante concentrado, as alíquotas de importação elevadas são entraves à concorrência no acesso a matérias-primas. Mesmo com a recente redução linear de 10% nas alíquotas, que passaram de 14% para 12,6%, elas ainda são bem maiores quando comparadas ao índice de 6% praticado nos 35 países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo. Além disso, convivemos com direitos antidumping que reduzem ainda mais nosso acesso a mercados competitivos e, em alguns casos, essas sobretaxas vigoram há 25 anos. Outro estorvo em meio a essa trajetória da desindustrialização é a imagem do plástico de vilão ambiental.
Portanto, a desindustrialização é um fenômeno geral que, aliado a questões estruturais do nosso setor, impacta na competitividade dele realizar investimentos. Em momentos de crise, como o que observamos sob pandemia e ao longo de 2020/2021, com a pandemia, bem como com o desabastecimento de matérias-primas no momento de desbalanceamento das cadeias e estoques, tais questões se amplificam e dificultam ainda mais a retomada da economia, investimentos e geração de empregos por parte da nossa indústria.
Maurício Russomanno
CEO da Unipar
A indústria química brasileira é uma atividade que segue o comportamento internacional de preços das commodities. Nesse contexto, os produtores nacionais enfrentam a competição de mercado principalmente com Estados Unidos e China. E o cenário atual coloca estes dois competidores em vantagens em relação ao Brasil porque aqui se paga mais caro pelas matérias-primas utilizadas na indústria, como o gás natural, energia elétrica e etileno. Ou seja, os Estados Unidos, por exemplo, têm alto volume e condição de custo melhor. O outro maior produtor mundial, a China, se beneficia por ter uma economia fechada, condições de trabalho bem distintas da realidade mundial e brasileira e utiliza matriz energética não renovável, poluente e de baixo custo, como o carvão. Isso tudo cria assimetria nas condições de competitividade para os produtores brasileiros na disputa comercial. Essa situação se reflete diretamente na nossa indústria química e em todas as outras dependentes dos produtos fornecidos por ela. São afetadas, por exemplo, a indústria de transformação de plástico, automobilística, têxtil, materiais de higienização e limpeza doméstica, entre outras. Isso impacta fortemente a industrialização no Brasil. Mas é possível reverter esta tendência se houver priorização para a competitividade dos produtores nacionais. É necessário haver marcos estruturantes, como a lei do gás, e a adoção de medidas contra práticas desleais de comércio (antidumping) em situações específicas e concretas, em linha com regras e diretrizes da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ciro Marino
Presidente Executivo da Abiquim
Acredito que a causa para a redução no número de empresas necessita de melhor análise. Pode ser um indicativo de desindustrialização, no entanto, o setor apresenta sinais de vitalidade. A indústria brasileira de transformação plástica é robusta, competitiva e segue investindo em equipamentos e tecnologia de última geração. Além disso, o consumo de resinas termoplásticas é crescente, o que comprova o aumento de produção no setor. Isso sem falar nos relevantes aumentos da reciclagem plástica. De qualquer forma, o setor pode apresentar potencial de crescimento com a melhora do ambiente de negócios e redução do Custo Brasil. Isso passa, inclusive, pela redução dos custos de matéria-prima e energia com a regulação do mercado de gás e pela ampliação da oferta de nafta e matérias-primas renováveis. Conferir ao país maior segurança jurídica é outro fator primordial. Outro caminho para robustecer ainda mais o setor de transformação é construir diferenciais diante de um cenário em que a economia circular já é uma realidade. Ou seja, agregando valor ao produto por meio do design for recycling e investindo em produtos inovadores com múltiplas aplicações e fácil reciclagem. Mas para que isso ocorra, é preciso utilizar-se do conceito de cadeias ampliadas, o que implica grande articulação entre os elos da cadeia industrial do plástico.
Amilton Mainard
Presidente da CSMAIP – Abimaq
De fato, o setor de serviços vem crescendo ano após ano no PIB em detrimento da indústria. É o resultado da falta de uma política industrial consistente. O ideal seria a indústria se manter forte, alavancando serviços e contribuindo para um PIB crescente. O setor sempre teve os melhores empregos e salários mas sua desindustrialização em marcha impede um crescimento sólido e contínuo do PIB. Em nosso setor plástico, não tem sido diferente. Tínhamos 12.000 transformadoras há 10 anos, hoje elas beiram 10.000 e o recuo pode continuar. Convivemos há anos com agruras como câmbio instável, juros pornográficos, manicômio tributário, e imprevisibilidade jurídica; uma soma de vulnerabilidades que dificulta o crescimento industrial. Porém, nem tudo está perdido. Até bem pouco tempo, a transformação de plástico lidava com um parque fabril quase obsoleto e ele vem passando por mudanças profundas. Já havia uma reação nesse sentido quando chegou a pandemia, incendiando a demanda de produtos de consumo essencial a ponto de obrigar os transformadores ligados a esses segmentos a acelerar os planos de expansão e modernização da capacidade. A imagem do plástico melhorando sob a pandemia, mérito da proteção contra o vírus proporcionada por vários artefatos transformados, e até mesmo algumas condições econômicas favoráveis me fazem acreditar em dias melhores.
Edilson Luiz Deitos
Diretor presidente da Zandei Plásticos
Vejo na queda da quantidade de transformadores um movimento natural de maturidade do setor. A indústria de transformação vem sendo cobrada por brand owners nos quesitos da profissionalização e preços mais competitivos e, nesse contexto, estão sobrevivendo as empresas que realizaram o dever de casa. Ou seja, buscaram mais produtividade, eficiência energética, redesign de produtos, lançamentos, engajamento na economia circular e adoção de práticas de ESG. Não considero o encolhimento da transformação de plástico um caminho sem volta. Por sinal, a Abiplast e representações da indústria nacional, no plano geral, trabalham fortemente para eliminar as mazelas do Custo Brasil. Na conjuntura atual de crise logística internacional, com desabastecimento e encarecimento do frete, percebo uma janela de oportunidades para nossos transformadores fornecerem ao mercado interno e restante da América Latina uma série de itens plásticos hoje supridos pela China.
Amarildo Bazan
CEO da Consultoria A Bazan
A redução do número de empresas não deve ser parâmetro para analisar a performance do setor transformador de plástico. O processo de evolução dos mercados favorece um cenário com produtividade e melhor tecnologia. Apesar da tendência de queda no número de CNPJ´s, isto não representa necessariamente um enfraquecimento da transformação de resinas. Afinal, das 10.891 empresas aferidas no último levantamento setorial, 8.277 (76%) são responsáveis por apenas 9,1% da receita líquida gerada. Além disso, 22% (2.396) são indústrias consideradas médias e respondem por 39,3% da receita líquida e apenas 2% ou 217 empresas são consideradas de grande porte. Mas estas respondem por 51,6% do faturamento da transformação de plástico no Brasil.
Uma das explicações para a redução notada no efetivo de transformadoras é a necessidade de as empresas buscarem competitividade através do alto investimento em tecnologia, qualidade e escala. Esses fatores impossibilitam os pequenos empresários de manter o crescimento e competitividade, levando-os a procurar um comprador para o negócio ou simplesmente fechado as portas e partindo para outra atividade com menor exigência de capital.
Analisando o histórico de faturamento do setor transformador em valores constantes, constato crescimento de 2,25% de 2012 a 2020 e, no período específico de 2019 a 2020, avanço impressionante de 5,5%. Isto mostra que o setor continua forte e progredindo. Não devemos, portanto, esperar por um número maior de transformadores, mas sim por empresas munidas de maquinário moderno e produtivo e de excelente padrão de governança.
Antonio Domingos Trevisan
Diretor presidente da transformadora Cobrirel
No setor de utilidades domésticas (UDs), onde minha empresa, completa meio século de existência este ano, anda impossível concorrer com exportadores como China, Índia, Hong Kong e Paraguai, favorecidos por preços FOB sobre produtos transformados inferiores às cotações das resinas produzidas no Brasil. Esse quadro também se nota em campos como artefatos plásticos demandados por indústrias como as das áreas de cosméticos e higiene pessoal. Os preços das resinas nacionais refletem não só o peso do câmbio e petróleo nas cotações internacionais, mas características da petroquímica brasileira como a produção de cada termoplástico concentrada nas mãos de bem poucos produtores e que desfrutam do respaldo de tarifas de importação entre as mais altas do mundo e do deferimento de direitos antidumping não raro fora da lógica, pois concedidos e volta e meia renovados para vários termoplásticos mesmo sob oferta doméstica insuficiente. Ao lado dos conhecidos estragos do até hoje inatacado Custo Brasil no ambiente de trabalho das indústrias, essa dependência da matéria-prima nacional numa economia fechada na prática ajuda a explicar o declínio do número de transformadoras no Brasil apontado na pergunta. Agora, vem a questão: é possível ou não deter essa descentralização na terceira geração do plástico? Bem, isso depende de vários fatores pendentes dentro e fora do setor transformador. Além das causas que já falei, hoje pesa contra a sobrevida da transformação o maior atrativo exercido sobre os novos talentos pelas empresas de serviços e do mercado financeiro. São vistas pelos jovens como atividades mais vibrantes, criativas e digitalizadas do que, como se diz por aí, meter a mão na graxa numa fábrica de manufatura. Outro ponto que conspira para afastar não só jovens, mas novos investidores na transformação de plástico é a péssima imagem ambiental do plástico no mundo inteiro. Muitos argumentos bons provam que essa reputação de vilão ambiental é injusta e, ao contrário, pelas suas inúmeras contribuições para a melhora da qualidade de vida e bem estar da sociedade, o plástico deveria ser reverenciado pela economia circular. Mas como faltam ao setor transformador bons advogados de defesa e como quem cala consente, uma das consequências é essa desindustrialização que estamos presenciando sem reagir para valer.