A indústria de transformação vem investindo em novas tecnologias sustentáveis, campanhas de conscientização e na ampliação da reciclagem para que esses materiais retornem à cadeia produtiva. Quando falamos em sustentabilidade, é necessário um alinhamento entre as iniciativas público e privada e a sociedade. Precisamos de sinergia entre todos os elos para a engrenagem funcionar. Nós, convertedores de flexíveis, temos a responsabilidade de investir no desenvolvimento de embalagens monomaterial, pois seus resíduos pós-consumo simplificam a reciclagem mecânica e geram um recuperado de maior valor agregado. Além disso, é fundamental a comunicação correta para identificar o tipo de plástico integrante da embalagem coletada, para facilitar a separação que antecede a reciclagem. Levanto ainda uma questão que precisa ganhar força e decerto será um divisor de águas no tema e, foco: a revisão da tributação de produtos reciclados. Precisamos incentivar um modelo de negócio menos oneroso, pois o setor utiliza matéria-prima que já foi tributada. Uma vez efetuado este ajuste fiscal, teríamos um aumento do volume de resíduos coletados e, consequentemente, ganho ambiental e efetivo aproveitamento do plástico e suas características, com destaque para sua durabilidade e versatilidade.
Embalagens flexíveis têm um papel importante na preservação dos produtos até o momento de consumo, permitindo a integridade e não contaminação do conteúdo acondicionados. São muito leves, o que reduz impactos e custos de transporte e logística. Entretanto, a diversidade de matérias-primas que podem ser utilizadas e combinadas pode levar a um desafio de reciclagem dessas embalagens. O caminho para aumentar a reciclagem delas passa por diversas etapas. A primeira é o desenvolvimento de soluções desenhadas para serem recicláveis, ou seja, embalagens que utilizem matérias-primas que não serão incompatíveis com a cadeia de reciclagem. A segunda etapa é a disponibilidade de processos de reciclagem capazes de gerar produtos com valor agregado que estimulem a cadeia de coleta e separação de seus resíduos pós-consumo. Essa fase é crucial para estimular a coleta e separação e é importante que a informação sobre os atributos sustentáveis desse material sem destinação chegue a todos os atores envolvidos na cadeia de reciclagem, de modo que a separação mais efetiva desse tipo de rejeito realmente aconteça.
São desafios para um setor dependente de um engajamento de toda a cadeia de valor, desde matérias-primas até empresas de consumo e varejo, desde cooperativas e recicladores até o consumidor final. Por isso, iniciativas da Abiplast que englobam todos esses elos, como a Rede pela Circularidade do Plástico, são tão importantes para essa discussão.
Esta é uma pergunta de US$1 milhão. Em primeiro lugar precisamos separar o que é embalagem de uso único, pois o mundo dos plásticos flexíveis é muito amplo. Dele constam categorias como embalagens monomaterial, laminadas, com agentes de barreira etc. A meu ver, flexíveis pós-consumo monomaterial ou de reciclagem mecânica simplificada não são tão desprezados pelos catadores, Mas é difícil que eles identifiquem facilmente cada tipo de embalagem flexível, mais uma razão para recipientes soprados e injetados aparecerem em maior volume na coleta de resíduos plásticos. Outro ponto a considerar é a remuneração do refugo flexível. Os catadores buscam os produtos que apresentam maior rentabilidade para eles, pois sua subsistência depende disso. O grande problema das embalagens flexíveis recolhidas é a qualidade e nível de impurezas, cuja eliminação requer diversos processos de lavagem para possibilitar sua reciclagem mecânica. A Braskem vem fazendo um trabalho nesta área, voltado à produção de poliolefinas pós-consumo recicladas para uso em embalagens secundárias, incentivando portanto a coleta e remuneração dos catadores e a prática da circularidade. Por sinal, minha empresa, a Videplast, já vem testando o reciclado fornecido pela Braskem para a produção de stretch. No futuro, com a disponibilidade da reciclagem química, que ganha corpo em alguns países, talvez a remuneração dos resíduos flexíveis seja maior e passe a interessar mais os catadores.
A principal questão está em preços mais altos e consistentes de longo prazo. Nos plásticos rígidos. isso aconteceu a partir de um crescimento de demanda pelo material reciclado, consequente investimento em equipamentos e tecnologia e, por fim, acontece o aumento do valor agregado da resina recuperada, fator que reimpulsiona a demanda e preços. O fato é que catadores e cooperados fazem conta e só vão separar os plásticos flexíveis se houver um valor condizente envolvido.
O aumento do valor do plástico flexível parece passar por alguns fatores que podem trabalhar juntos ou de maneira independente, desde que levem os preços da sucata a níveis mais altos. São eles:
a) Maior reciclabilidade das embalagens: evidente que parte dos flexíveis não é reciclável com um valor agregado razoável com a tecnologia disponível no Brasil e, em alguns casos, no mundo. O redesenho das embalagens ou a atração de tecnologias mais avançadas de reciclagem ajudariam a mudar o cenário e, por tabela, o incentivo à separação dos materiais. Uma resina de polietileno de baixa densidade (PEBD) transparente vale muitas vezes mais na separação do que um material multicamada.
b) Política tributária que impulsione o valor do flexível: afeta a reciclagem como um todo. Este pleito tem sido endereçado, mas de maneira tímida e em meio a enorme insegurança jurídica. Créditos presumidos na compra da sucata em impostos federais e estaduais, além de incentivos ao investimento e abertura para busca de tecnologias internacionais são vitais para a evolução do setor.
c) Metas empresariais ou impostas pelo governo de separação de resíduos (collection). Ou seja, empresas de bens de consumo precisam garantir que um percentual maior das embalagens seja reciclado. Hoje temos por lei que 23% das embalagens devem ser recicladas. Algumas empresas colocaram metas de 100% ou até 150% das embalagens colocadas no mercado devem ser recuperadas e destinadas à reciclagem. Isso garante investimentos por parte destes entes em infraestrutura e logística e basicamente aumenta a remuneração das cooperativas, sem encarecer a sucata, cuja cotação será sempre definida pela relação entre oferta e demanda.
d) Demanda consistente e de longo prazo: seja por regulamentação que exija o uso de material reciclado em flexíveis (sacolas de varejistas ou para lixo, por exemplo), seja por sustentabilidade ou benefícios econômicos, são necessários anúncios públicos que garantam demanda crescente de longo prazo, que não seja tão elástica com eventuais variações de curto prazo do material virgem.
Isso tudo, afinal de contas, converge para investimentos dos recicladores em equipamentos que adicionem qualidade e valor à resina final, concretizando demanda para a sucata e um nível de remuneração adequado ao serviço de triagem. Existe tecnologia de reciclagem para parte expressiva do material flexível, mas ainda parece faltar viabilidade econômica que estimule os aportes de recursos na escala necessária.
Embalagens flexíveis pós-consumo realmente não são atrativas ao sistema de coleta manual, via catadores, cooperados, associados e sucateiros. Cabe pontuar as razões deste quadro:
1. A reciclagem de refugo flexível não deslanchou porque o custo para coletar, transportar, moer, lavar e extrusar não tem sido coberto pelo baixo preço de venda do reciclado. Afinal, as únicas oportunidades de aplicação desse desvalorizado reciclado estavam em downcycling com a produção de sacos de lixo e demais produtos de baixo valor agregado. Vale lembrar que, pelas características físicas, este material prima por alto grau de sujidade que dificulta e encarece sua lavagem e descontaminação.
2. Outro fator é o próprio processo de extrusão de filmes, centrado em paredes muito finas e alta produtividade. Tratam-se de entraves para o uso de matérias-primas instáveis, sensíveis a contaminações e misturas, dificultando a volta do reciclado ao mercado específico dos filmes. Desse modo, a alternativa é, por muitas vezes, recorrer ao blend e/ou diluição desse reciclado com materiais para sopro e injeção, processos mais tolerantes a determinados tipos de contaminações.
Como solução, precisamos pôr em prática o capítulo III da lei 12.305 – PNRS nos seus artigos 30, 31, 32 e 33. Eles versam sobre a responsabilidade compartilhada entre fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. Desse modo, poderemos identificar aplicações novas, gerar demanda e enquadrar este resíduo nos mesmos moldes do reciclado obtido de PET ou PEAD rígidos, por exemplo. Outro ponto que facilitará o aumento da reciclagem deste material: a concepção das embalagens adotando quando possível os filmes monomaterial. Com isto o processo de reciclagem ficará mais simples e barato.
De fato, a rentabilidade é uma variável importante quando relacionamos a baixa adesão dos catadores às embalagens flexíveis pós-consumo e que, em regra, estão sujas. Mas hoje há aplicativos que estimulam a derrubada desse muro entre os geradores de resíduos e quem tira sustento dele. É o caso do aplicativo Cataki, segundo o qual apenas 17% dos brasileiros tem acesso ao sistema público de coleta seletiva. Daí a importancia do trabalho dos catadores e cooperativas. Uma boa forma de incentivar o interesse dos catadores pelos flexíveis pós-consumo é aumentar o valor deles por quilo, separando por tipo de matéria-prima – quanto mais nobre for material, maior o valor a ser pago. Outra forma seria, através desses aplicativos, o catador lançar em quilos o volume recolhido coletado e e fazer uma forma de poupança em que a receberia bônus por determinados limites da quantidade coletada. Essa iniciativa poderia ser patrocinada por grandes transformadores de embalagens plásticas em parceria com cooperativas de maior porte e aplicativos existentes ou novos. Como a renda do catador é baixa, este incentivo ajudaria a aumentar a remuneração mensal da família.
As embalagens flexíveis representam um dos grandes desafios para a reciclagem dos plásticos, curiosamente muito por conta de vantagens que as tornaram tão relevantes para nossa indústria. Por exemplo, sua leveza, a facilidade de composição de estruturas que associam diferentes propriedades e sua versatilidade de utilização. Por ser um problema complexo, é preciso atuar de forma coordenada em diferentes frentes para que tenhamos um avanço significativo no índice de reciclagem de embalagens flexíveis. Entre elas, constam o desenho dessas embalagens com foco na reciclagem facilitada (estruturas monomaterial, otimização da impressão etc), maior clareza e assertividade na rotulagem, iniciativas educacionais e outras inovações que permitam a obtenção de produtos de maior valor agregado a partir das embalagens já utilizadas. Um bom exemplo de abordagem dessa questão são os trabalhos em andamento na Rede pela Circularidade do Plástico, iniciativa com atores de todos os elos da cadeia, entre eles a minha empresa, a distribuidora Piramidal.
O caminho para incrementar a reciclagem de flexíveis no Brasil e gerar valor para catadores e cooperativas passa por inovação tecnológica e trabalho cooperativo em rede da cadeia estendida do plástico. Por sinal a inovação tecnológica em reciclagem adotada pela minha empresa, a Deink Brasil, já nos permite valorizar os flexíveis monomaterial com impressão externa e nos permitirá o mesmo até o final de 2022 com flexíveis laminados e metalizados.Mas no plano geral da cadeia plástica, ainda temos muito a evoluir na parte tecnológica – tanto no fabricação de itens mais recicláveis e menos complexos, como na obtenção de poliolefinas pós-consumo recicladas grau alimentício. Na frente de trabalho cooperativo, tudo começa no design da embalagem. É o primeiro e fundamental passo. Neste aspecto, a Rede pela Circularidade do Plástico, constituída pela Abiplast, lança neste final de ano um guia de design específico para flexíveis e a primeira ferramenta no gêneo da América Latina para mensurar a reciclabilidade das embalagens plásticas. Ela será fundamental para o R&D de brand owners e suas agências de design trabalharem itens com foco na circularidade. Com o avanço dessas frentes de atuação, poderemos lançar um olhar mais crítico aos problemas estruturais que recaem sobre nossa falta de políticas públicas impulsionadoras da reciclagem e de um modelo eficiente de logística reversa. Precisamos melhorar, e muito, na coleta. Aumentar a disponibilidade e valorizar o resíduo é o caminho”.
A atratividade e valorização das embalagens flexíveis para os catadores e cooperativas depende, em especial, do aumento da sua demanda na cadeia de reciclagem. O curioso é que a indústria de flexíveis é a maior interessada na adequada coleta e triagem destes resíduos, pelas características e propriedades das resinas originais. Sendo assim, entendo que o setor pode e deve assumir maior protagonismo para o fechamento de ciclo do produto. Algumas estratégias já adotadas são de emprego de equipamentos de ponta e know-how para viabilizar cada vez mais conteúdo reciclado em aplicações técnicas e de volume em flexíveis, além de estímulo e fomento ao desenvolvimento de tecnologias para reciclagem e à escalada de modelos colaborativos de logística reversa.
Não é uma jornada fácil, mas é necessária. Além do desafio técnico, temos o econômico. No plano geral, afinal de contas, as soluções circulares de qualidade são menos competitivas que as convencionais. Mas já observamos alguns países europeus incorporando os custos dos impactos ambientais no valor dos produtos de fonte fóssil e, assim, em breve o reciclado deve ganhar maior competitividade aqui no Brasil também.
Tudo passa pela educação de todos. Também é preciso que a indústria do plástico faça mea culpa e assuma o seguinte: por muitos anos o setor foi mais reativo que proativo, pisando em ovos quando surgiam ataques ambientalista pontuais. Nós nos defendíamos, o ataque era engavetado e a indústria voltava a cuidar do dia a dia dos negócios, colocando as questões ambientais em segundo plano. Felizmente, os consumidores estão mais conscientes e a sustentabilidade passou a ser a estratégia dos negócios. Com este novo cenário, foram descortinadas inúmeras oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias e materiais disruptivos e para se organizar a reciclagem como atividade industrial séria, lucrativa e em linha com a economia circular. Como li recentemente, responsabilidade é a nova sustentabilidade e o consumidor atual valoriza mais as ‘pequenas ações’ do que os ‘big claims’. Não adianta impactar o consumidor de forma meteórica; as mudanças genuinamente sustentáveis devem se refletir em resultados concretos e facilmente perceptíveis. A reciclagem de flexíveis pós-consumo e o uso de conteúdo recuperado em novas embalagens são caminhos bastante promissores. Portanto, é urgente que o setor ajude a estruturar a cadeia de reciclagem e, em paralelo, ajude a educar a sociedade sobre esta importante atividade industrial. É preciso desmistificar a imagem de lixo da embalagem pós-consumo em favor do conceito de matéria-prima com valor.
Os grandes tópicos dessa nova responsabilidade são: a) não se trata de uma proposta tipo tudo ou nada; b) a embalagem não é o inimigo e c) é preciso empatia e educação para fazer a diferença real.
O consumo consciente já dita as novas regras e, desde que seja acessível, uma embalagem ‘eco responsável’ será protagonista dessa nova realidade. Nesse contexto, a embalagem plástica flexível tem tudo para brilhar. Sua pegada de carbono é menor e por ser bem mais leve que uma embalagem rígida, seu impacto na logística da cadeia de alimentos e bebidas é positivo, tal como seu potencial de reciclagem, graças às novas tecnologias.
De fato, a falta de separação no descarte, aliado à dificuldade de coleta e limpeza das embalagens, agregam peso ao desafio de reciclagem das embalagens flexíveis. Se associarmos a isto uma pobre relação volume/peso, temos uma equação economicamente pouco viável para o catador, dada a baixa relação de arrecadação versus trabalho versus área ocupada. Esta dificuldade e a busca de alternativas foi motivo de relatório específico da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) apresentado a ministros de meio ambiente e energia do G7 em 2018.
O documento assinala que, apesar dos esforços recentes, a reciclagem de plástico permanece atividade economicamente marginal. Acredita-se que as taxas atuais de reciclagem sejam de 14 a 18% no nível global e, dentro dele, os maiores índices referem-se a embalagens de fácil separação e coleta, como bombonas e garrafas. Diante desse desafio de alcance internacional, vejo o Brasil à frente com base em sua busca de implantar alternativas como programas como o Acordo Setorial de Embalagens em linha com a PNRS, do qual aliás a Cepalgo, minha empresa, faz parte por ser filiada à Abiplast. Essa iniciativa resume os passos para se criar a cultura de separação de resíduos e organizar e educar as cooperativas de catadores, valorizando o material reciclado.
Outro ponto a considerar: a valorização do plástico reciclado. Quanto a isso, devem ser repensadas limitações impostas de comercio internacional e até restrições determinadas por normas sanitárias de uso do material na fabricação de embalagens para alimentos.
Para valorizar a reciclagem de flexíveis, a própria OECD aponta o caminho via ações como:
• Impostos diferenciados para produtos que agreguem plásticos reciclados em comparação com os de resina virgem;
• Introdução de padrões de conteúdo reciclado, requisitos de compras públicas direcionados ou etiquetagem desse tipo de material.
• Criação de campanhas de conscientização e educação ao consumidor sobre os benefícios ambientais dos plásticos reciclados – inclusive para estimular a demanda por produtos contendo plásticos para segundo uso.
• Incentivo à coleta seletiva.
A proposta é implantar essas condições através de intervenções políticas para:
• Criação de normas de certificação para plásticos reciclados;
• Criação de requisitos para coletar e reciclar todos os tipos de produtos plásticos;
• Isenção de impostos federais e taxas municipais para cooperativas de catadores e isenção tributária para equipamentos de separação, limpeza e reciclagem e financiamento oficial com longa carência para cooperativas.
Todo processo econômico se inicia sempre por aquele que demanda o menor esforço. Soa natural que o reaproveitamento de resíduos plásticos também esteja sujeito a esta inclinação. Por isso mesmo, o apoio do governo e empresas tem que ser proporcional ao esforço demandado. Na prática, o respaldo atual para incentivar a coleta de garrafas é bem inferior ao necessário para transformar o recolhimento do resíduo flexível em ato rentável para o catador. A montagem da estrutura para esta mudança é obrigação da colaboração entre governo e indústria.
Antes de tudo é preciso informar que o material descartado tem valor para todos, por meio da comunicação institucional de cunho educativo. Outra medida seria incentivar o uso de flexíveis monopoliméricos, um avanço com potencial para atrair o interesse dos recicladores. Mais outra ideia: a criação de um fundo por brand owners e todos os demais que, de alguma forma, distribuam embalagens flexíveis. Esse dinheiro seria repassado a catadores que levassem esse resíduo às cooperativas que comercializam sucata para reciclagem. Quem contribuísse para o fundo o faria em relação ao peso total mensal dos flexíveis que distribui. Os catadores receberiam em relação ao peso que levam para as cooperativas. Este crédito, um tipo de moeda, poderia ser utilizado pelos catadores no comércio. Além dele, os catadores continuariam a receber o valor que as cooperativas pagam pelo material, tal como é feito hoje em dia.
Em primeiro lugar, o grande desafio é tornar todas os resíduos de flexíveis recicláveis. A maioria das empresas detentoras de grandes marcas (brand owners) vinculadas a essas embalagens trabalha nesse sentido e muitas delas firmaram esse compromisso junto a entidades ligadas à economia circular, caso da Ellen MacArthur Foundation. Superada essa etapa, deveremos então envidar todos os esforços e incentivos para incrementar a coleta desse refugo, tanto do lado dos usuários, como dos catadores; somente assim conseguiremos fechar a cadeia. Em suma, não adianta estimular o catador pois a maioria dessas embalagens flexíveis pós-consumo hoje desprezadas por ele não é reciclável e sua coleta é pouco rentável.
A pergunta dessa enquete embute o maior desafio para o mercado brasileiro. O primeiro passo é criar valor e que este seja percebido pela cadeia de reciclagem.Ou seja, precisamos nos engajar em soluções de estruturas que sejam tecnicamente recicláveis e com qualidade suficiente para voltar de forma produtiva à cadeia circular. Dessa forma, ela começa a gerar valor para que o resíduo flexível seja coletado e destinado corretamente à infraestrutura de reciclagem. Havendo valor, o resto da cadeia aos poucos se desenvolve”.
Flexíveis pós-consumo são muito mais complexos para reciclar e a a criação de valor é o recurso mais importante para incentivar seu uso. Precisamos sair da zona de conforto e acelerar a construção desta cadeia de valor, pois há muito material rentável que acaba em aterros ou locais indevidos. Sendo bem pragmático e objetivo, entendo que o incremento virá com as demandas dos brand owners, passando por um reposicionamento em design nas embalagens e a consciência de que é um processo custoso.Tudo é muito bonito, narrativas de sustentabilidade vêm sendo contadas mas, na prática, tudo tem um custo e não fugiremos dele. De nada adianta termos desenhado os conceitos social e sustentável sem antes entendermos o econômico. A conta precisa fechar!
Do lado dos donos de marca de produtos de consumo e dos produtores de substratos para embalagens, a ação prioritária para valorizar a coleta de resíduos flexíveis, é um processo de reengenharia das embalagens originais, focando sua reciclabilidade sem prejuízo de sua finalidade e, ao mesmo tempo, viabilizando a solução economicamente. A segunda ação, que deve partir da cadeia de fornecimento da embalagem flexível e alastrar-se por toda a cadeia, em especial pelos donos de marcas (brand owners) e canais do varejo, é a educação e motivação do consumidor para o descarte adequado para respaldar a coleta seletiva. Esta ação é muito mais complexa para embalagens flexíveis, se comparado ao processo de descarte e coleta de itens como latas de alumínio, garrafas PET e o velho papel/papelão. Porém, a exemplo desses itens, os donos de marca e varejistas tem uma grande oportunidade de reverter esse cenário.
Hoje em dia, espera-se que o consumidor e os agentes de coleta seletiva tenham o discernimento de separar as embalagens flexíveis pelo código de identificação do polímero utilizado. Porém, isso não é eficaz. Além do frequente número 7 (outros) as embalagens possuidoras de codificação específica de um polímero não apresentam um padrão comum de identificação. Assim, a oportunidade que menciono acima está voltada para o fomento da separação da embalagem flexível pós-consumo por linha de produto de consumo. Um produtor de biscoitos, por exemplo, poderia educar e motivar o consumidor a separar suas embalagens para entrega em pontos de coleta que minimamente reconheçam o esforço através de algum tipo de recompensa.
Várias startups já estão engajadas no tema. Embora não seja um trabalho de curto prazo, essas iniciativas poderão construir rotas de circularidade da embalagem flexível com expressivo ganho de sustentabilidade, além do impacto positivo conferido à imagem da cadeia e dos donos de marca, muitos deles aliás signatários do pacto de ações de sustentabilidade firmado em 2018 no World Economical Forum em Davos.
Estudos de mercado sugerem que o principal motor para alavancar a coleta de embalagens flexíveis é através de ações públicas, com suporte de legislações e incentivos fiscais à cadeia produtiva da reciclagem. Diversos países, em especial os da União Europeia, são exemplos de onde leis promovem a reciclagem e a economia circular. Integrante da cadeia, a iniciativa privada também poderá, com este respaldo legal, acelerar investimentos para suportar a competitividade e rentabilidade da atividade recicladora de flexíveis e seu importante papel social.
Com o advento da tecnologia atual no tocante a embalagens de alimentos, delimita-se que as paredes de uma garrafa e dos filmes precisam ser muito finas. Isso faz com que os materiais sejam redefinidos nos desenvolvimentos. Portanto, no primeiro momento do projeto, há que se pensar se o plástico cumpriu a função de proteger os alimentos e, a seguir, se os materiais utilizados foram selecionados considerando-se sua reciclabilidade. Pelo visto, os conceitos de sustentabilidade têm sido bem utilizados nos desenvolvimentos, pois constata-se nas embalagens a redução da quantidade de material e, por extensão, dos índices de emissão de gases de efeito estufa. Entretanto, quando olhamos o cenário pós-consumo, constatamos que fica à míngua no descarte, causando um problema ambiental, aquele plástico maravilhoso por baratear a embalagem e baixar o nível de liberação de carbono do diesel do caminhão no transporte. O que fazer? De saída, a ideia é reciclar esse resíduo, mas qual o parâmetro utilizado pelos produtores da embalagem flexível para haver sobrevida do material a jusante do uso original? E depois de cumprido o uso da embalagem, o que está sendo feito para ajudar a coleta do seu resíduo pós-consumo?
O que acontece é que uma parcela da população, representada pelos catadores, faz da sucata o seu sustento. Quando olhamos a situação com os olhos do catador, percebemos que não vai atrás de material leve porque, para levar uma tonelada de filmes, precisaria de um veículo muito grande, com cubagem muito alta para alojar essa carga. Diante disso, entra em cogitação a implantação de postos de captação em regiões que trabalham com volumes significativos de embalagens flexíveis, caso das imediações de supermercados, e a compilação de mapas de localização desse refugo para os recicladores. Os espaços adequados para coleta e destinação correta dos flexíveis pós-consumo precisam de tratamento logístico, caso contrário eles surgirão flutuando em rios e mares, uma visibilidade que os torna mais sujeitos a críticas como elementos poluidores.
Mas isso é tudo?
Não. Precisamos de uma campanha forte de conscientização do valor econômico desses resíduos sujos a cargo da indústria plástica e governo. É preciso ensinar e incentivar as pessoas a tratar o flexível pós-consumo para ele chegar de forma mais limpa aos postos de coleta para facilitar sua reciclagem. O xis do problema é a logística.
O setor de flexíveis vem trabalhando em tecnologias focadas no processo de reaproveitamento do resíduo, olhando para a despigmentação das embalagens, e no desenvolvimento de embalagens monocamada ou monomaterial que preencham as expectativas de de acondicionamento e conservação do conteúdo. É importante ressaltar que esse caminho exige altos investimentos das empresas na entrega de produtos de qualidade e reaproveitáveis após o uso inicial. A mentalidade atual exige que se vá além da função da embalagem em seu desenvolvimento e que seu ciclo de vida seja pensado como um todo, em prol do controle ambiental. É importante que outros movimentos sejam implementados, como sistemas eficientes de coleta e logística reversa, tornando a infraestrutura capaz de captar os volumes necessários para o processamento dos resíduos. Para endereçar esse ponto, a Abiplast executou em convênio com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial um estudo de viabilidade de modelos eficientes de gestão de resíduos e logística reversa. O objetivo é propor novos modelos de negócios para gestão de resíduos sólidos urbanos, buscando eficiência no seu reaproveitamento para reciclagem, envolvendo atores públicos e privados.
Entretanto, a adequada destinação ambiental de flexíveis pós-consumo, pode ser, por ora, a recuperação energética. Afinal, as cooperativas pagam para aterrar e, com essa orientação, elas venderiam o refugo triado para ser usado como combustível derivado de resíduos (CDR). É uma forma de destinação apropriada às atuais embalagens flexíveis disponíveis no mercado, enquanto novas versões, estruturas e tecnologias de reciclagem mecânica estão sendo gestadas, desviando-as de aterros e trazendo possibilidades para outras indústrias.
A norma ABNT NBR 16849:2020 – Resíduos sólidos urbanos para fins energéticos – Requisitos, publicada em 10/02/2020 estabelece os requisitos para aproveitamento energético de resíduos sólidos urbanos, com ou sem incorporação de outros rejeitos classe II (não perigosos). Tais exigências abrangem os aspectos de elegibilidade dos refugos, registros e rastreabilidade, amostragem e formação dos lotes, armazenamento, preparo de resíduos sólidos urbanos para fins energéticos (RSUE), classificação dos lotes gerados e uso do RSUE nas unidades de recuperação energética, conforme a cadeia de custódia descrita na norma e respeitando a hierarquia de gestão e gerenciamento de resíduos. Acreditamos, portanto, que conseguiremos encaminhar os desafios apresentados com base numa visão sistêmica da cadeia.
Embalagem flexível é um universo amplo, pois há muitas resinas, soluções de coextrusão, laminados, impressos e a maioria das alternativas não está identificada com o símbolo de reciclagem. Por isso, o tratamento de valorização do resíduo é muito mais complexo do que o aplicado ao de embalagens rígidas. Além disso, o uso de reciclados na produção de filmes, ainda é restrito ao pós-industrial (aparas), limitando assim a volta da resina originária do flexível de primeiro uso ao mesmo processo produtivo. O material reciclado de pós-consumo acaba voltando em aplicações “menos nobres”, de valor menor e que exigem custos mais baixos de matéria-prima. Por isso, não há resposta fácil à pergunta dessa enquete e decerto não há uma solução única, mas uma série de soluções complementares. Mas o ponto-chave é a configuração de uma cadeia unida em torno da criação em conjunto dessas soluções – desde o produtor de matéria-prima a supermercados, cooperativas, recicladores e brand owners. É o que a Abiplast tem feito com extrema competência com a iniciativa denominada Rede pela Circularidade do Plástico. O esforço pode ser ampliado, entrelaçando as ações e iniciativas com outros grupos, inclusive de outras matérias-primas. Embalagens flexíveis englobam muita poliolefina e materiais como papel e alumínio. Acho que já superamos a fase de embates e discussões de quem é o vilão do planeta. Já está claro que todos estamos pagando essa conta. E não adianta achar uma solução que não olhe o todo – da obtenção da matéria-prima à volta ao processo – seja via reciclagem mecânica, química, ou até como geração de energia. Por que não?
Mas, citando apenas um dos pontos que acho que podemos melhorar: considero que ainda há pouca iniciativa de logística reversa no Brasil. O motivo é simples: custo alto. A meu ver, os brand owners poderiam fazer muito mais porque, caso não esteja, esse custo deveria estar embutido no preço do produto final acondicionado em embalagens flexíveis, a exemplo de salgadinhos, chocolates, café, arroz, feijão, etc. Enfim, quando compramos um produto, compramos conteúdo e embalagem. Colocar meta de conteúdo reciclado e esperar que o reciclado chegue pronto para uso não é o melhor caminho. Ouço muita queixa de que não há sucata suficiente para atender a demanda. De fato, o grande gargalo é o filme, que representa quase a metade de todo plástico transformado. E o grande desafio é, sem dúvida, a coleta. Uma vez no destino, o direcionamento para reciclagem mecânica, química, ou até a queima para geração de energia é mais fácil. Embora existam questões técnicas a serem equacionadas, não vejo isso como um fator impeditivo.
Um bom elo da logística reversa é o supermercado, onde, inclusive, já vigora nos estoques a separação de stretch dos paletes, uma praxe no varejo internacional. Quando for às compras, o consumidor também pode levar as embalagens vazias e deixá-las em pontos de coleta. Os caminhões que trazem os produtos ao supermercado podem levar o refugo flexível ali recolhido. Não estou inventando a roda. Isso tudo tem que passar por uma boa campanha de marketing. Vai sair caro mas é um dos passos que pode ser dado. Talvez mais institucional, do que eficaz, mas educativo.