Perguntas no escuro

A nova realidade do mercado cabe cada vez menos nos padrões habituais de análise

Ativo fixo da grande imprensa, as pautas de balanço do ano que passou e de previsões para o que chega obedecem a um roteiro de enfoque imediatista e cada vez mais sintetizado. O que reflete tanto a pressa dos jornalistas em completar a tarefa como a generalizada indisposição do leitor atual de ir além do título e do primeiro parágrafo. Nada há de errado no hábito dos analistas ouvidos servirem seus retrospectos e expectativas ao molho dos indicadores básicos da política econômica e ponto final. Tomando o setor plástico como ponto de referência, o consenso entre os entrevistados para a matéria de capa desta edição é de que com inflação anã, Selic em seu nível mais baixo e o cumprimento das reformas estruturais pelo governo, os investimentos e o consumo ressurgirão com força e a queda na demanda interna de resinas e transformados em 2019 será página virada.

É uma tese irretocável, mas seu modelo já começa a correr o risco de perder o passo da realidade. A história volta e meia nos mostra que aquela próxima etapa prevista com base na lógica dos fatos e números nem sempre acontece, derrubada por lances inesperados, dando lugar à concretização de circunstâncias insuspeitadas. Quando PET surgiu, cantou-se o enterro do vidro em bebidas alcoólicas, óbito até hoje não confirmado. De outro ângulo, ninguém anteviu que o lixo plástico ganharia hoje o status de matéria-prima valorizada pela reciclagem.
Mas, se há algo de certo, é que o turbilhão atual de radicalismos tecnológicos e disrupturas culturais já desencadeia guinadas econômicas e sociais. E elas começam a corroer as bases daquele modelo velho de guerra dos balanços e previsões prezado pelo setor plástico. Por exemplo, leis ambientais criadas no I Mundo são hoje transpostas para nações emergentes passando por cima das diferenças socio-econômicas, como ilustra o decretado banimento de descartáveis plásticos na capital de São Paulo a partir de 2021. Outra reviravolta em andamento: estabelecimentos comerciais estão abandonando, por conta própria e sem imposição legal, produtos plásticos de uso único por opções vistas como mais sustentáveis. Na mesma trilha, já se dá como ponto pacífico que petroquímicas em geral se verticalizarão na reciclagem (com consequente menor uso de resina virgem), e a profusão na praça de marcas menores de alimentos e cosméticos de apelo natural/artesanal dá primazia aos princípios da economia circular na escolha de suas embalagens, estreitando o espaço para o acondicionamento em plástico. A influência desses produtos de nicho sobre a conduta de seus setores industriais não deve ser subestimada.

No tocante à produção de transformados, anos seguidos de descapitalização, sequelas do Custo Brasil e capacidade ociosa têm minado, no plano geral, os esforços de atualização tecnológica. Acontece que este termo hoje não significa apenas a modernização das máquinas, mas a automação e digitalização extremas do processo, em linha com o conceito da inteligência artificial em alastramento no mundo desenvolvido e ainda no berçário por aqui. Mantido este atraso por mais algum tempo, surge para transfigurar o clássico exercício das previsões a possibilidade de as tradicionais barreiras logísticas, tarifárias e cambiais não servirem mais para tolher a contento a entrada aqui de artefatos plásticos de maior valor agregado, produzidos no exterior a custos imbatíveis, devido ao embarque maciço na manufatura 4.0, economia de escala e acesso fácil a resinas mais baratas.

Quando todos os fatos estão disponíveis a um mero clique, nota o biólogo e cientista Stuart Firestein, ensiná-los não será de grande utilidade e o modelo pedagógico terá de mudar. Um caminho da reformulação, ele defende, está neste trecho de um relatório de 1949 sobre a reforma universitária alemã:
“Todo palestrante numa universidade técnica deveria ter as seguintes capacidades:
a) Enxergar além dos limites de sua disciplina. Em seus ensinamentos, fazer com que os estudantes tenham consciência desses limites e mostrar-lhes que além desses limites entram em ação forças que não são mais totalmente racionais, mas que surgem da vida e da própria sociedade humana.
b) Mostrar em cada assunto o caminho que leva além de seus estreitos confinamentos a horizontes por si mesmos mais amplos”.

Ou seja, amarra as pontas o cientista, a saída é ensinar os estudantes ciberdependentes a pensar em perguntas, a lidar com o desconhecido. Nunca o setor plástico teve tantas perguntas a fazer, pois são tantas as respostas insatisfatórias que hoje o fazem tropeçar no escuro. •

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