Página virada

Projeções oficiais situam em torno de 1.000 as recicladoras na ativa no Brasil, em disputa por um movimento hoje calculado entre 550.000 a 600.000 t/a. Ou seja, o setor está de volta ao patamar de 2014, último período antes de a economia nacional passar por um biênio de recessão técnica (2015 e 2016) e um triênio (2017, 2018 e 2019) de avanço em gotas do PIB, na faixa anual de 1%. Há boas novas na praça, como a crescente participação do plástico em embalagens pós-consumo recicladas, o aumento da conscientização ambiental da sociedade e, como evidencia a relação de empresas deste diretório, um aceso interesse por tecnologias capazes de aproximar a performance do reciclado de plástico pós-consumo dos padrões do polímero de primeiro uso. O que casa em cheio com as diretrizes da economia circular que hoje reformulam os rumos da cadeia plástica, além de abrirem uma via para a reciclagem do material deixar, no geral, de ser vista como setor de baixa barreira de entrada, provedor de refugo recuperado de qualidade e valor agregado sofríveis, marcado no geral por guerra de preços e mercado paralelo.

Efeito dominó dessas mudanças em andamento, o surgimento de uma gestão profissionalizada da reciclagem no país, em linha com os requisitos da sustentabilidade e práticas empresariais, promete varrer de cena a clássica figura, incompatível com a nova realidade do mercado, do reciclador de baixa escala, com maquinário defasado e produtor de material para aplicações arroz com feijão, movidas apenas a preço, como cordas ou mourão de cerca. A virada da página é encabeçada pela procura por reciclados de melhor desempenho, manifestada em especial por influentes marcas múltis de bens de consumo rápido, como as dos setores de cosméticos e produtos de limpeza, apresentados em embalagens plásticas. Essas exigências aos recicladores caminham rápido para serem adotadas em massa por empresas dos escalões inferiores de produtos finais, cada vez mais receptivas aos mandamentos da sustentabilidade, inclusive para se alinharem à preocupação com o meio ambiente hoje entranhada na mente do consumidor.

Cosméticos: apelo sustentável emitido por embalagens em linha com a economia circular.

Pela lógica aritmética, a atividade de reciclar plástico no Brasil contrasta com a superpopulação de competidores, motivo da alta incidência da informalidade no ramo. Outra razão conexa é a carga tributária, considerada abusiva e implausível no consenso dos recicladores. Os recorrentes pleitos para sua racionalização deparam com difícil tramitação num governo engessado por mega dívida pública e, por tabela, arisco à ideia de piorá-la mediante a concessão de privilegiados desafogos fiscais. Entre as deficiências regulatórias, avulta a tributação do plástico recuperado no tocante ao ICMS, o imposto que mais onera o reciclador. O setor defende a aplicação no material reciclado, por meios como a desoneração, da mesma tributação atribuída ao polímero virgem. A incidência de ICMS no reciclado onera dois elos da mesma cadeia produtiva (do plástico) desconsiderando sua circularidade, de modo que, em determinados casos, produtos elaborados com material reciclado exibem custos de produção superior a contratipos de material virgem, incongruência também incentivadora da sonegação.

Outro flanco vulnerável passa pela necessidade de incrementar o percentual de embalagens plásticas pós-consumo recicladas. Para tanto, na voz corrente da cadeia plástica, é preciso elevar à ultima potência a rasa educação ambiental do grande público, consolidando assim a prática do descarte correto, de modo a assegurar aos recicladores um suprimento mais linear de matéria-prima para processar, evitando assim que, em determinadas regiões, indústrias de reciclagem sofram com períodos de ociosidade expressiva. Historicamente, por sinal, o nível operacional desse capilarizado setor é baixo. Em anos de sol de verão na economia, como 2010, o índice de ocupação aferido rondou 65%. Já na conjuntura cinzenta de 2017, a mesma taxa rondou 52%.

Seja como for, a descentralizada e concorrida cadeia da reciclagem do plástico confia no avanço do comércio formal. Essa fé é movida pela pressão de clientes vip de braço dado com a causa ambiental e por ações do governo no sentido de coibir a sonegação e pela sua disposição de atacar os déficits da infraestrutura. A propósito, um exemplo: apenas 18% dos 5.570 municípios brasileiros contavam em 2016 com serviço de coleta seletiva, quadro de pouco avanço desde então, sob a trava da generalizada carência de recursos nas prefeituras.

Pellets reciclados: agentes de fluxo aceleram reciclagem baixando a incidência de danos no acabamento.

Como os améns à sustentabilidade entraram de vez para os argumentos de venda de ponta a ponta da cadeia plástica, tem aumentado o interesse geral por se elevar o nível do reciclado acima do sofrível padrão dominante, de modo a adequá-lo a aplicações mais rentáveis e nobres, descortinadas pelas indústrias de bens de consumo devotas da economia circular. Ou seja, o trabalho do reciclador requer agora a compreensão das necessidades principais do novo mercado em vista, domínio da seleção das matérias-primas e uma industrialização que garanta fornecimento constante de um plástico recuperado capaz de substituir total ou parcialmente a resina virgem.

Aditivos revigorantes
A necessidade de agregar valor ao plástico reciclado deve ser cada vez mais compreendida, na esfera dos custos, pelas indústrias de produtos finais engajadas na sustentabilidade. Afinal, as ações no sentido desse aprimoramento saem mais caro e devem ser cobradas por essas empresas a seus transformadores de embalagens que, por sua vez, dependerão da formulação e composição dos materiais reciclados com aditivos capazes de rever em grande parte as suas propriedades originais, de forma a serem reutilizados em condições muito similares às das resinas virgens. Indústrias de cosméticos, por exemplo, hoje recrudescem a exigência de reciclados com carga mineral apropriada e exibindo a recuperação dos atributos mecânicos da resina de primeiro uso
Ganhos de produtividade na reciclagem são o pitéu servido em duas frentes de auxiliares.

PET BTB: avanço impelido pelo apelo sustentável e condicionado pelo preço da resina virgem.

Numa delas, agentes de fluxo aceleram o processo reduzindo a incidência de falhas no acabamento dos grânulos recuperados, além de permitirem maiores vazões do material fundido sem a ocorrência de fraturas, evitando assim deformidades nos pellets e a instabilidade na sua produção. Na outra frente, constam os auxiliares para lapidar características técnicas de plásticos reaproveitados para segundo uso. Por exemplo, estabilizantes térmicos para apurar o processamento e performance final do reciclado, pois reduzem as reações termoxidativas já ativadas nas resinas recuperadas e que, uma vez aceleradas, influem na perda de características técnicas. Por seu turno, modificadores de impacto e reforços conseguem reaver propriedades mecânicas dos polímeros que foram danificadas pela degradação e a ação de contaminantes na operação de reciclagem. Ainda nessa vertente, figuram agentes compatibilizantes para ensejar a miscibilidade de polímeros sem afinidades químicas, caso de polietileno e polipropileno ou de um filme poliolefínico que aloja polímeros polares na estrutura de barreira, como poliamidas ou copolímero de eteno e álcool vinílico. Em suma, estes agentes compatibilizantes viabilizam a mistura no estado fundido e a reciclagem, com boas propriedades mecânicas finais, de embalagens pós-consumo compostas de materiais diferentes que podem ser recuperados em conjunto. O rol dos materiais auxiliares imprescindíveis para elevar o patamar de qualidade do reciclado plástico envolve ainda insumos como dessecantes para solucionar problemas de umidade do material; antioxidantes para afiar o desempenho mecânico; branqueadores para baixar o amarelamento gerado por degradação termoxidativa no reciclado e, para não alongar a lista, sequestradores de odor e aromatizantes que camuflam o mau cheiro decorrente da degradação dos resíduos pós-consumo ou, no caso de embalagens coextrusadas, de tintas de impressão e adesivos poliméricos.

No palco do esmero óptico do plástico reciclado, deslancham soluções como colorantes para mascarar imperfeições visíveis ou pigmentos dotados de partículas com o poder de sofisticar as feições superficiais da resina recuperada dotando-a de brilho. No âmbito da reciclagem de PET pelo sistema bottle to bottle (BTB, que viabiliza o uso deste material recuperado em contato com alimentos), estão disponíveis na praça materiais auxiliares que, aplicados em baixas dosagens, devolvem a transparência original ao PET reciclado, mantendo no frasco deste material o brilho que é marca registrada do poliéster.

Fim do mutismo
PET é a resina pós-consumo mais recuperada, mas a viabilidade econômica de sua reciclagem depara com desafios estruturais, à parte a aberrante carga tributária. Entre as pedras no caminho, está a crônica superoferta do polímero virgem nacional minando a competitividade dos preços da resina para segundo uso, em especial pelo sistema bottle to bottle que a carimba com grau alimentício. De outro ângulo, são consideráveis as perspectivas para o material no país, como ilustram indústrias usuárias de PET BTB em suas embalagens, caso dos refrigerantes da subsidiária brasileira da Coca-Cola. Em 2016, ela destinava à reciclagem 36% das suas embalagens, índice que saltou a 51% em 2018 e caminha para fechar 2020 na marca de 66%, uma ascensão crucial para o futuro de PET BTB no país, a única via permitida pela saúde pública brasileira para um termoplástico pós-consumo retornar ao acondicionamento de alimentos.

PET: colorantes especiais transpõem transparência e brilho do poliéster virgem ao reciclado.

Estimativas extraoficiais situavam na casa de 75.000 toneladas o consumo nacional de PET BTB em embalagens como as de refrigerantes, sucos e artigos de de higiene e beleza. A capacidade instalada do material hoje em operação no país ronda 112.000 t/a. O consumo interno deve crescer, devido a políticas institucionais de múltis de bens de consumo com pegada sustentável na concepção e uso de suas embalagens plásticas. Analistas vislumbram potencial para se atingir cerca de 150.000 toneladas de PET BTB como matéria-prima de frascos e garrafas em 2020. Fatores como o referido preço da super ofertada resina virgem e a disponibilidade de embalagens pós-consumo do poliéster para reciclagem serão os principais influenciadores para a concretização desse volume. Outro ponto positivo: multinacionais detentoras de marcas de grande relevância no mercado brasileiro intensificam lançamentos de produtos em frascos de PET BTB, com ampla divulgação na mídia do emprego desse material na embalagem. Essas empresas estão rompendo com a postura em vigor entre empresas no passado de não comunicar a presença de plástico reciclado em suas embalagens, sob temor disso levar o público a depreciar seus produtos finais.

Mistura fina
Na esfera das poliolefinas, a Braskem, único produtor desses termoplásticos no país, tem desvendado aplicações para reciclados dessas resinas, mediante parcerias com recicladoras, transformadores e indústrias de produtos finais. Uma referência recente desse embarque na circularidade: o lançamento de produtos de limpeza cujos frascos soprados resultam da mistura fina de dois tipos de polietileno de alta densidade (PEAD) da Braskem: uma resina reciclada pós-consumo e um grade virgem de fonte renovável – a rota alcoolquímica a partir da cana-de-açúcar. Em paralelo, a empresa opera a plataforma I’m green recycled. Ela visa valorizar o reciclado originário do refugo pós-consumo através de ações e negócios em parcerias. Entre os projetos viabilizados, constam reciclado de sucata de big bags, empregado na injeção de utilidade doméstica (vasos para plantas); reciclagem de polietileno para peças de bikes e um pote de tira manchas para marca de um supermercadista, soprado com poliolefina recuperada de refugo descartado.
Innova e Unigel, os dois produtores de poliestireno no Brasil, também não ficam atrás. Ambos já lançaram grades do tipo de alto impacto à base de polímero virgem aliado a reciclado pós-consumo.

Automação no altar
A reciclagem nacional de plásticos ziguezagueia entre dois fogos. De um lado, é penalizada pela coleta seletiva insuficiente e carga tributária punitiva. Do outro, em contraste, crescem as exigências de qualidade do reciclado para aplicações de maior valor agregado e condizentes com o apoio da sociedade ao desenvolvimento sustentável. É justo neste vento a favor para o plástico recuperado de melhor padrão que fornecedores de equipamentos enxergam um argumento de venda forte o bastante para sensibilizar recicladores a atualizarem suas fábricas, mesmo diante da economia brasileira mal das pernas nos últimos cinco anos.

Falam por si, como aliás também demonstra o conteúdo deste diretório, o aumento da demanda por sistemas fechados de reciclagem de alto padrão no trabalho com materiais de altos níveis de contaminação, ou então de maquinário para a reciclagem de PET grau alimentício. O empenho em intensificar a automação do processo é visível também na etapa da triagem de refugo plástico, mediante o alastramento do emprego de sensores por radiação infravermelha. Ainda no âmbito dos periféricos, a automação e digitalização de soluções para minimizar variações do processo de reciclagem distinguem equipamentos como o transporte de material com alimentadores sem filtro, o que facilita sua manutenção. Na raia de PET reciclado pela via convencional, dosadores gravimétricos abrem caminho nas plantas, a tiracolo da precisão superior à dos modelos volumétricos, tal como os cristalizadores, por assegurarem maior homogeneidade ao poliéster em vias de ser reaproveitado.

Reciclagem Química
Até a primeira metade deste século, a reciclagem química era vista como delirante vanguarda científica e dependente de investimentos tão altos que inibiam sua viabilidade empresarial, ainda mais num panorama de preços algemados à expansão contínua da oferta de resinas commodities virgens, produzidas em escala de massa por petroquímicas no mundo inteiro.

Nos últimos anos, porém, a devoção geral rendida ao desenvolvimento sustentável, na esteira do alarmismo geral com as mudanças climáticas e o consequente clamor pela proteção ambiental, tirou a reciclagem química das nuvens da utopia e a inseriu no planejamento das indústrias formadoras de opinião em termoplásticos. No Brasil, a Braskem embarca nessa corrente imergindo na avaliação da rota química para reaproveitar plásticos pós-consumo de reciclagem mecânica complexa, caso da sucata de embalagens flexíveis multicamada e multimaterial. O estudo evolui em parceria com o laboratório de engenharia de polímeros do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e a empresa de serviços ambientais Centrel.•

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