O fosso entre o gogó liberal e a prática protecionista do Brasil acentuou-se em 31 de outubro, com a publicação da portaria da Câmara de Comércio Exterior (Camex) homologando a renovação por mais cinco anos do antidumping para importações norte-americanas de polipropileno (PP) em vigor desde 2011, um conforto para a resina nacional, produzida apenas pela Braskem. Tal como ocorreu no recente repique da sobretaxa alfandegária para PVC dos EUA e México – esta rumo a 29 anos de permanência – a decisão do Brasil foi tomada numa conjuntura de exportações incipientes de PP norte-americano para o Brasil, efeito do câmbio, recessão doméstica e da exígua disponibilidade do polímero na América do Norte para vendas externas. Nesta entrevista, Fabio Carneiro, diretor da trading Konver, vê o deferimento do antidumping como uma vitória de alegações pontuais. No entanto, ele pondera, tem sempre um dia em que a casa cai. A condenação dos incentivos fiscais brasileiros pela Organização Mundial do Comércio (OMC), divulgada na primeira quinzena de novembro, fala por si mesma.
PR – Com a prorrogação por mais cinco anos do antidumping para PP dos EUA, publicada ao final de outubro, acredita que esta sobretaxa caminha para sucessivas revalidações quinquenais, na trilha do que acontece com PVC dos EUA e México, rumo a 29 anos de vigência de antidumping em 2021 ?
Carneiro – Não acredito e considero muito significativa a sobretaxa de 10,6% para uma commodity dos EUA. Mas, de outro ângulo, a economia brasileira passa por um momento muito peculiar de crise, em especial nas contas públicas. São pouquíssimas as empresas que apresentam lucros bilionários nessa conjuntura e, mesmo assim, tais resultados parecem estar com os dias contados. O que ocorre num contexto desse naipe não pode ser generalizado. O mercado e o bom senso nos levam a crer que a desigualdade de forças não se sustenta – pode perdurar um pouco mais ou menos, mas vai acabar. Até o Império Romano, que se dizia eterno, chegou ao fim. Aproveito a questão para avaliar as partes e argumentos envolvidos na renovação do antidumping para PP dos EUA. Do lado do governo, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que negou na mídia que o Brasil seja um campeão mundial em protecionismo, é quem assina a resolução da Camex oficializando mais 5 anos de vigência para a sobretaxa. Do lado da indústria nacional, a maior petroquímica das Américas (N.R.-Braskem) solicita proteção para sua rentabilidade em relação a PP produzido no país.Do seu ponto de vista, nada mais justo – as empresas visam lucro e perpetuidade. Quanto aos transformadores de PP, representados na investigação do dumping pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast),alguns deles perderam direito a voz por questão de prazo de manifestação ou de entrega de resposta dos questionários encaminhados pela Camex. Na esfera dos integrantes dos canais de comercialização de PP, alguns atuaram em causa própria e individualizada, defendendo de forma legítima o interesse do uso de resinas de PP que consideram sem produção nacional. É uma voz importante, mas não contribui de forma significativa para o todo da questão. Por fim, temos os exportadores de PP no mercado internacional. Alguns não se manifestaram ou não abriram números, como pediu a Camex. Ou seja, se calaram e se omitiram do debate em si.
Desse modo, a questão de ter ou não antidumping, para quem tenha paciência de ler a resolução no site da Camex, se mostrou uma briga de poucos. Por razões de sigilo de números ou perda de prazo, os contestadores da sobretaxa se deixaram vencer pela eficiência de um oponente alinhado com uma linha política de apoio a essa disputa com os EUA considerando o fortalecimento da base da cadeia produtiva nacional. Mesmo que isso debilite de forma generalizada toda a cadeia a jusante (downstream) dos pellets de PP. A renovação do anrtidumping decerto enfraquece a economia como um todo e emperra o desenvolvimento de diversos setores. Mas estamos num momento de olhos fixos no curto prazo quanto à estruturação operacional do governo, arrecadações e políticas públicas. Isso nos posterga um futuro mais promissor, de liberdade de escolha. Nada que não possa e não deva ocorrer mais à frente, desde que o governo se sensibilize quanto a geração de empregos e o fortalecimento da manufatura nacional. O que de fato impulsiona o empresário, a inovação e, em consequência, a economia e um país, é a concorrência. E disso não podemos abrir mão. Ilustro esta resposta, com um comentário na mídia de Mathias Spektor, professor do Centro de Relações Internacionais da FGV São Paulo: “O que gera um grupo de interesse organizado é quando o Estado lhe dá uma prebenda, um benefício por ele se organizar. Na esteira, ele cita o Brasil como um país onde o debate sobre o livre comércio foi, como disse, “completamente dominado pela minoria que se beneficia de proteção.”
PR – Qual a possibilidade de o governo brasileiro aceitar algum pedido para que seja deferido antidumping para importações de PE dos EUA a partir de 2019, quando o país estará exportando regularmente o excedente de suas novas capacidades?
Carneiro – Não vejo a possibilidade de novas barreiras; seria retroceder à era pré- Collor. Nos EUA, novas plantas estão em fase final de implantação, com muito a contribuir para o desenvolvimento saudável e produtivo do país. São as companhias líderes mundiais em tecnologia que estão expandindo, entre eles licenciadores de diversas fábricas de termoplásticos no Brasil. Por aqui, aliás, a busca pela eficiência na utilização de resinas geradas por esses novos complexos deve pautar o transformador. Trata-se de produzir mais com menos, um posicionamento mais correto, sustentável e econômico. Acredito também que o ministro José Serra tenha bom senso e esteja comprometido com o desenvolvimento da nossa economia. Até o momento, eu o vejo se valer da imposição da sobretaxa às importações de PP norte-americano como algo a alimentar seu posicionamento numa negociação maior e posterior com os EUA. Vai precisar de muita moeda de troca para estabelecer um relacionamento mais amplo e creio que guarde este trunfo (o mercado brasileiro) para oferecer quando as indústrias norte-americanas pressionarem por novos mercados para seu excedente de PE. De forma geral, o Brasil concentra 50% do consumo latino-americano em petroquímicos e a falta de notícia de investimento local no setor daqui para os próximos 5 anos será uma grande justificativa de estabelecimento de um mercado de plásticos agrupando as três Américas. Claro que, em contrapartida, nosso governo deverá solicitar a abertura americana para outros setores da economia brasileira. No entanto, como o produtor no Brasil (Braskem) está presente em todo continente americano, onde aliás lidera em volume e mix de linhas produtivas, não haverá o que temer.
PR – Como vê os preparativos de petroquímicas sem grande tradição de vendas de resinas no Brasil na montagem de estruturas para vender com, agressividade, a partir do final de 2018, quando partem seus complexos de PE nos EUA ?
Carneiro – Quando falamos de Brasil, o ponto mais complexo para uma multinacional é se aculturar. Entretanto, a maioria dessas empresas conhece muito bem o país e suas peculiaridades nos setores de químicos/petroquímicos. De modo geral, o que elas precisam desenvolver é a familiaridade específica com o mercado nacional de plásticos. Entretanto, elas também dispõem de um cabedal de informações ultra aprofundadas sobre o cenário global de plásticos. Outro trunfo é a forte cultura de segurança e compliance que essas empresas apresentam. Portanto, o produto final dessa mistura de Tio Sam com samba será um forte enriquecimento da cultura de mercado nacional. O Brasil terá a oportunidade de se posicionar no mercado internacional e contará com que há de melhor entre e fornecedores de calibre mundial. Quanto ao andamento dos preparativos, vejo de tudo um pouco. Alguns já muito bem instalados e crescendo, outros olhando de longe, mas todos, sem exceção, estão com os pés por aqui e selecionando seus mais gabaritados executivos para acompanhar ou até mesmo beliscar, previamente, um pedacinho do mercado. Também há os que não medem esforços para se posicionar de forma rápida por aqui, recrutando mão de obra pronta, já formada e da melhor qualidade. Será um momento muito aquecido para os profissionais que atuam na produção e comercialização de resinas, já que a prata da casa deverá continuar valorizada, mas decerto não será suficiente para a demanda prevista.O impacto disso no mercado será a promoção de uma concorrência saudável e positiva, com players de renome internacional, de alta tecnologia e nível ético e moral, tudo o que um mercado que preza a livre concorrência poderia desejar. •