O incentivo que desestimula
Maior negócio do varejo do plástico, a distribuição de PP e PE nacionais vive um martírio com a concorrência desigual da revenda no país de filmes e resinas vindos da Zona Franca à sombra de benefícios fiscais imbatíveis. O rombo causado a agentes autorizados e transformadores menores, movido inclusive por manobras informais, é escancarado nesta entrevista por Laércio Gonçalves, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast) e do Grupo activas, e Ricardo Mason, presidente da distribuidora Fortymil e recicladora Plastimil.
Quais foram, em estimativa média, as quedas aferidas em 2022 nas respectivas participações de PE e PP nas vendas da sua empresa e qual a influência da revenda nacional de PE e PP importado trazido por Manaus nesses resultados?
Laércio Gonçalves: A activas teve queda ao redor de 10% nas vendas de PE em 2022 compradas a 2021. Ela ocorreu por uma combinação de fatores: desaceleração da economia, instabilidade no cenário internacional e nacional e alta concorrência, tanto de revenda independente – operando via Manaus – como de material importado. Estes dois últimos indicadores tiveram forte influência nos números.
Para PP, o impacto nas nossas vendas foi menor, nem chegando a completar 2%. De forma geral, o volume de importado no país para a família de PP representou 25% do total de PE em 2022. Apenas em termos de PEBDL e PEBD, a importação anual foi maior que o volume desembarcado de PP, fora as outras famílias. A propósito, apenas em abril passado perante o mesmo mês em 2022, as importações brasileiras de PE subiram 37% e as de PP, 48%. Outra informação relevante: na média, PP e PE nacionais mobilizam 70% das vendas totais de plásticos dos distribuidores oficiais dessas poliolefinas.
Ricardo Mason: A Fortymil não teve queda em 2022 no comparativo com 2021, mas vale lembrar que 2021 foi ano de muita restrição de oferta de material em todo o mercado. A grande influência de PE importado por Manaus aconteceu na questão do crescimento do negócio, ou melhor dizendo, na impossibilidade dele, pois foi este o espaço que a revenda interna do material de Manaus ocupou. Isso vem se alastrando por 2023 e vale a mesma conjuntura para PP.
Nos últimos cinco anos, cresceu vertiginosamente a revenda nacional e 100% legal de filmes como os de baixo valor agregado (sacos/sacolas, shrink, stretch) produzidos na Zona Franca com incentivos fiscais e de PE importado com isenções tarifárias pelo porto livre de Manaus. Como avalia as condições dos transformadores (em geral menores e médios) desses filmes baseados fora de Manaus para disputar em suas regiões com os preços desses filmes vindos da Zona Franca?
Laércio Gonçalves: Esta é uma briga que, muitas vezes, se torna injusta e impeditiva para pequenos e médios transformadores fazerem negócios. Muitas vezes, o caminho encontrado é baratear ao máximo suas operações. A concorrência movida por filmes da Zona Franca também deixa esses industriais com pouquíssimas ou quase nulas chances de inovar produtos e renovar seu parque fabril; ficam apenas fazendo conta para assegurar a sobrevivência.
Ricardo Mason: Os transformadores menores e médios têm sofrido com a condição fiscal diferenciada que esses produtos desfrutam em Manaus. Você nota a maioria dessas empresas reduzindo seus volumes e até fechando as portas.
Qual o impacto da revenda nacional desses filmes vindos da Zona Franca sobre a carteira dos clientes da distribuição das poliolefinas nacionais (rede Braskem) que produzem estes mesmos filmes em locais sem incentivos no Sudeste/Sul?
Laércio Gonçalves: Como comentei na resposta anterior, não apenas esses nossos clientes são impactados, mas toda a cadeia que eles integram. Em toda operação que gera grandes desigualdades de concorrência, caso de Manaus, quem não opera sob as condições fiscais privilegiadas se torna pouco competitivo. Por vezes, o que ameniza esse cenário para nossos clientes de filmes perturbados pela disputa com produtos da Zona Franca é o tamanho do pais. Seu território continental requer do transformador capilaridade para atender o mercado, o que contempla os players mais regionalizados com certa vantagem. Mas quando pensamos em grandes mercados como Sudeste e Sul, o impacto da ofensiva dos filmes remetidos de Manaus chega a ser trágico.
Ricardo Mason: O impacto é muito grande. A grande realidade é que a Distribuição Oficial tem atuado cada vez menos no mercado de flexíveis, seja porque vários clientes médios e pequenos não existem mais, seja porque a revenda de material atua diretamente nesse mercado praticando preços fora da curva.
Qual o mecanismo usado pelas empresas localizadas em Manaus para revender a resina importada comprada por lá? Principalmente considerando que o preço de venda, tendo como destino esse porto, é em geral mais alto. Como esse material chega ao Sudeste, região de maior consumo de plásticos do país? A Adirplast tem ferramentas para combater essa prática? Como mostrar ao mercado consumidor que essa atuação não tem bases legais?
Laércio Gonçalves: Oficialmente, não é um mercado acompanhado de perto pelos órgãos públicos estaduais e federais e, entre as explicações para o distanciamento deles, constam motivos escusos. Sabemos que a criatividade tem sido crescente nesse modelo de operação de revenda nacional de resina internada no país por Manaus. Há evidências bem conhecidas de artimanhas que circulam pelo ramo. Por exemplo, o fato da sacaria ser claramente de resina, sem nenhuma alteração. Porém, apenas uma etiqueta costuma ser colada com a informação da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) referente a material beneficiado (composto) quando na realidade ele permanece inalterado e assim segue para o restante do país, onde causa estragos nos mercados das regiões em que é recebido.
Em um país em que a complexidade fiscal é tão grande, o benefício que se gera em relação às empresas que operam na legalidade chega a ser decisório na sua sobrevivência ou falência. Hoje em dia, é muito difícil combater essa operação que rende a transformadores e revendedores autônomos de resina baseados em Manaus ganhos que compensam de sobra o frete até o Sudeste /Sul e rentabilidade superior à da própria petroquímica nacional. O esforço e regulamentação dos Estados e da própria federação é enorme e, realmente, não vejo há anos isso sendo tratado como prioridade dos governos. Fazemos um esforço na Adirplast não apenas como associação, mas como empresários, de mostrar aos clientes o impacto negativo causado, o ciclo vicioso que isso gera. Mas em fases de crises delicadas como a atual, é mais fácil ‘tampar os ouvidos para não ver’.
Ricardo Mason: Vamos começar pelo fim da resposta. A ferramenta que a Adirplast tem para usar nesses casos é a da conscientização, mostrando o risco para o transformador de se envolver em uma cadeia de fornecimento de resina que usa os incentivos fiscais de forma incorreta. O mecanismo utilizado é o de vender material como composto sem ter sido de fato beneficiado. O incentivo para a indústria transformadora é tão grande, levando em conta a alta carga tributária do pais – em especial a de São Paulo – que fica impossível competir.
Adirplast estima em torno de 550.000 toneladas as importações de PE por Manaus em 2022. Com base neste cenário, qual a projeção do percentual desse volume transformado em filmes na Zona Franca e qual a parcela remetida como resina pura (não transformada ou ativada pró-forma) para revenda no restante do país?
Laércio Gonçalves: Esse número é alarmante. Uma fração de 45% do volume total de PE que entra mensalmente no país o faz via Manaus e, em determinados períodos, este percentual pode até superar a marca de 50%. Se o material fosse utilizado de forma regular, não teríamos tanto com o que nos procurar; o problema é que sabemos que a destinação não segue os meios corretos e o impacto causado, dentro de um contexto de mercado que já está tão complexo, é terrível.
Acompanhando os últimos números, o que se estima é que em média mensal entram em Manaus 60.000 toneladas de pe, porém 20.000 toneladas é o mercado médio da região. Ou seja, no geral, o excedente de 40.000 vem ilegalmente como matéria-prima, principalmente para as regiões sudeste e sul.
Se esses números são reais, não temos como afirmar, porém sabemos que fazem tremendo estrago no mercado. Esse desarranjo já repercute até no exterior. Em recente contato com um gigante da distribuição no I Mundo, ele me revelou forte interesse por conhecer em detalhes como desovar no Brasil resina importada por Manaus. Para bom entendedor, está claro nesse caso que a imagem da Zona Franca vem mudando de polo industrial para porta de entrada para o restante do país para grande parte do material ali desembarcado.
A Receita Federal tem condições de identificar os revendedores e de rastrear os volumes de revenda nacional ilegal de resinas internadas à sombra dos incentivos da Zona Franca? Qual apoio acha que Adirplast pode e pretende dar ao Fisco neste sentido?
Laércio Gonçalves: É muito difícil rastrear e identificar legalmente essa prática, pois sabemos que diversos players transformadores que operam nessa modalidade compram resina para uso próprio e muitas vezes movimentam o material pelo país para ‘suas unidades’, o que torna a operação muito difícil de ser investigada. A Adirplast criou um comitê para apoiar essas ações de fiscalização e, recentemente, lançou a campanha #eutenhoética, para incutir no mercado consciência na escolha dos fornecedores responsáveis. Sabemos que é um trabalho de longo prazo, mas precisamos estar sempre ativos com ação no cliente e no poder público para podermos ver alguma mudança real na sociedade e no nosso setor. Para fortalecer esta investida estamos procurando articulações com outras entidades vinculadas à nossa cadeia industrial, entre elas a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis e a Associação Brasileira da indústria Química (Abiquim) e sua Frente Parlamentar da Química.
A petroquímica brasileira usufrui incentivos fiscais em todos os seus polos. A esmagadora maioria dos grandes consumidores de PP e PE do Brasil opera com plantas transformadoras em locais incentivados e o mais atraente de todos é a Zona Franca. A seu ver, os incentivos fiscais, no passado parte de uma política industrial para o plástico, viraram hoje uma guilhotina com legitimidade jurídica para a distribuição de PP e PE nacionais e para seus clientes que competem com a produção em locais incentivados?
Laércio Gonçalves: A questão dos incentivos fiscais concedidos a empresas em zonas incentivadas no Brasil é bastante controversa e pode ser analisada sob diferentes perspectivas. De um lado, é possível argumentar que esses incentivos foram criados com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento industrial em regiões menos desenvolvidas, promovendo a geração de empregos, atração de investimentos e a diversificação da economia. Sob essa ótica, os incentivos fiscais são uma importante ferramenta para incentivar a competitividade dessas regiões e atração de investimentos. No entanto, por outro lado, é possível questionar a efetividade desses incentivos em promover um desenvolvimento econômico sustentável e equilibrado em todo o país. Em muitos casos, esses incentivos fiscais acabaram realmente gerando desequilíbrios econômicos.
Diante desse cenário, é importante que a concessão de incentivos fiscais seja avaliada com critério e que sejam tomadas medidas para evitar a criação de monopólios e desequilíbrios econômicos e sociais. É necessário avaliar constantemente a efetividade desses incentivos em promover o desenvolvimento econômico e social e adotar medidas para corrigir eventuais distorções. O objetivo dos incentivos fiscais deve ser o de promover um desenvolvimento econômico sustentável e equilibrado, que beneficie todas as regiões e gere oportunidades para todos os brasileiros.
Ricardo Mason: Eu não diria que que essa guilhotina tem toda legitimidade jurídica, em especial operando da forma que seus executores fazem hoje. Entendo que os incentivos fiscais são necessários para desenvolver regiões e ou dar competitividade a indústria brasileira versus a indústria internacional, que também goza de incentivos locais. O problema é quando esses incentivos são usados de forma pouco ortodoxa, vindo a criar distorções na economia real.
Cada empresa é um caso à parte. Mas, no plano geral, quais as saídas formais e legais que considera mais viáveis para os distribuidores de PP e PE nacionais buscarem compensar o declínio de vendas dessas resinas causada por concorrentes apoiados em incentivos fiscais tipo Zona Franca?
Laércio Gonçalves: Sabemos que, muitas vezes, essas operações têm vida curta. Por exemplo, vimos no período da pandemia, os clientes atendidos pela distribuição legal, com conceito de parceira, foram bem supridos e sofreram o menos possível com a falta momentânea de material na prateleira. Já quem era atendido pela revenda informal, foi altamente impactado. Este é o custo a ser pago pela conduta indevida.
Eu acredito realmente que diversificação e qualidade de atendimento e foco em estratégia a longo prazo são o que torna os negócios mais sustentáveis e perenes. E temos visto os players atuantes na legalidade seguindo esse caminho. Fora isso, temos que saber ser estratégicos e nos beneficiar legalmente de benefícios que os estados e a federação ofertam. Ter um time antenado nesse sentido e fazer parte de instituições como a Adirplast mantém os distribuidores a par desses incentivos e lhes confere apoio para reduzirem essa concorrência tão injusta com a ilegalidade.
Ricardo Mason: O mercado é dinâmico e essas ondas muitas vezes atuam em ciclos. Agora, em especial, há um ciclo de baixa com excesso de oferta global de resina importada – e isso não dura para sempre. Então, embora você precise estar sempre alerta a movimentos necessários, não pode pegar um trabalho de anos e descartar. No caso particular da minha companhia, o Grupo Fortymil Plastimil, nascemos com uma área industrial para fabricação de reciclados PCR e PIR, bem como compostos e tooling, que nos permite uma equalização melhor em períodos de maior stress na distribuição. Mas não é por causa disso que não estamos de olho em outras estratégias, produtos ou mercados. É preciso estar aberto a tudo.
Como avalia as perspectivas para vendas este ano de todos os materiais do seu portfólio e quais as melhorias e inovações agendados para 2023 em sua estrutura de vendas e serviços?
Laércio Gonçalves: 2023 começou bem mas tem se apresentado como mais um ano desafiador e temos focado esforços para, em volume e faturamento, conseguirmos um balanço superior ao de 2022. Em função disso, estamos convictos do retorno da entrega de valor agregado aos clientes – diversidade de portfólio, serviços em economia circular, qualidade de atendimento e a busca por inovação e eficiência em todas as operações. Um grande exemplo disso é a recente consolidação do Grupo activas. Hoje ele agrega, além da comercialização autorizada de resinas, serviços de logística reversa; formulação de masterbatches e compostos pela componedora actplus e a distribuição de acessórios e equipamentos de segurança para uso final de nossos clientes, através da actfix. Tudo isso baseado em uma operação repleta de certificações, como Sistema B, ISO 9001, 37001 e a recém conquistada ISO 14001. No mostruário, uma novidade é a distribuição exclusiva no Brasil dos copoliésteres da portuguesa Selenius. Na logística, por sua vez, a frota própria atual soma 20 caminhões com idade média de dois anos e, em relação aos nove centros de distribuição, ampliaremos este ano o galpão em Joinville (SC).
Ricardo Mason: 2023 começou muito devagar, com o consumo muito retraído, grande oferta de importados pelo ciclo mundial de baixa e a revenda nacional de poliolefinas internadas por Manaus a mil por hora. É um ano de ajustes e, no caso do meu grupo, de se trabalhar voltado pra dentro de casa. Temos uma agenda muito extensa para 2023, tanto para estruturação de time comercial e ampliação de portfólio, bem como para investimentos em nossa área industrial, voltados ao mercado de PCR. Em relação ao volume de vendas é difícil precisar a trajetória deste ano, mas temos como meta ampliar os volumes de 2022 em 15% no mínimo, somadas todas as unidades de negócios. •
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