Desgraça pouca é bobagem

Política industrial obsoleta arruína mercado de flexíveis e anemia das montadoras encurrala os plásticos de engenharia

No Brasil, o pesadelo começa quando a gente acorda. Distribuidores e transformadores de PE e PP nacionais constatam a veracidade dessa máxima numa situação que beira o limite de ser aguentada, ainda mais sob demanda hoje em queda livre: a concorrência desnivelada, nos grandes centros de consumo, com resinas importadas e sacolas e filmes commodities produzidos e remetidos da Zona Franca à sombra dos seus imbatíveis benefícios (malefícios, para quem não os desfruta) fiscais.

O histórico da indústria plástica revela ser imemorial a controvertida prática, por transformadores responsáveis pela maior parte das compras de PE e PP, de um ganho adicional à manufatura do material: a revenda no varejo do excedente não processado dos grades adquiridos em condições privilegiadas, dados os altos volumes em jogo, na negociação direta com a petroquímica. Noves-fora, viraram assim competidores dos distribuidores autorizados de poliolefinas do mesmo fornecedor. Com o mercado brasileiro então em quente e temorosos de serem cortados, os agentes oficiais se conformaram em engolir o sapo.

Com o passar do tempo, porém, a coextrusão de flexíveis commodities se popularizou e sua tecnologia de baixa barreira de entrada ensejou a proliferação de transformadores, em regra menores e médios. Em reação diante do risco de perda de competitividade, aqueles grandes e capitalizados transformadores atentaram para as vantagens de produzir em locais incentivados e, entre as opções para fincar filiais, a Zona Franca despontou pelas isenções tarifárias para importar resinas e pelos incentivos fiscais para a produção local de manufaturados como filmes. Tomou corpo desde então, em especial de 10 anos para cá, a instalação de fábricas de sacolas e filmes básicos em Manaus por um efetivo de indústrias que, na voz corrente, respondem hoje por 60-80% do consumo brasileiro de PE, inclusos nacional e importado.

Pois do ovo chocado em paraíso fiscal saiu uma serpente. Manaus é mercado irrisório para qualquer embalagem e, desse modo, as plantas locais de filmes e sacolas intensificaram as remessas para revenda no restante do país, a tiracolo de mimos tributários que compensam o frete longo e de preços impraticáveis para transformadores menores de locais sem incentivos e supridos de poliolefinas por distribuidores autorizados. Como desgraça pouca é bobagem, é segredo de polichinelo que transformadores e varejistas autônomos de resinas baseados na Zona Franca também incrementam a revenda ilegal no país de matéria-prima importada e não processada, mediante artifícios como a troca de saco atestando na etiqueta ser um composto a resina pura ali armazenada. É outra bola nas costas dos distribuidores e seus clientes na ativa em regiões onde a Receita não dá sopa nem incentivos. Fala por si estudo do Sinplast atribuindo cerca de 40% à entrada por Manaus das importações brasileiras de PE e, nas quebradas do setor, vigora o consenso de que apenas uma mini parcela desses desembarques é transformada na Zona Franca.

Em entrevistas nesta edição, distribuidores de poliolefinas nacionais desnudam o drama que, no fundo, provém do envelhecimento do intocado modelo de política industrial criador da Zona Franca em 1967 e com manutenção prorrogada até 2073. A protelação resultou de insistência do Legislativo, alheia à realidade. Essa mofada política industrial ainda enxerga, por exemplo, fábrica como ímã para muito emprego em plena era da automação e TI. Em seu propósito original, a Zona Franca visava constituir área de livre comércio movida a incentivos para gerar um centro capaz de alavancar o desenvolvimento da região. 46 anos depois: o Norte segue a região vice-líder em pobreza; pessoas pobres representam mais de 51% da população amazonense e cerca de 75% do povo de Manaus carece de coleta e tratamento de esgoto.

A vida também não anda fácil para os lados dos plásticos de engenharia. Tomando o segmento de poliamidas como referência da categoria nesta edição, ele hoje pena com a obesidade mórbida da indústria automobilística, de longe seu maior mercado no Brasil. Resumo da ópera: capacidade instalada para 4,5 milhões de veículos de 20 montadoras e vendas estacionadas em 2-2,5 milhões, um mega hiato hoje intransponível pelo crédito e juros impraticáveis para a compra de autos novos e demais bens duráveis adeptos de PA 6 e 6.6. Para jogar mais sal na ferida, a freada no consumo da China resulta hoje em superoferta global e queda nos preços dessas resinas. Para reagir ao fogo brando, seus fornecedores no Brasil não relaxam no esforço para conquistar mais espaço e aplicações e porque, afinal de contas, nada é para sempre. •

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